“Ele devia ter sido parado antes”, diz empresário que perdeu família em acidente
A combinação entre álcool e direção em alta velocidade tirou as vidas da jornalista Alessandra Trino Oliveira, 33 anos, e de sua filha Júlia, 1 ano e 7 meses, em maio de 2014. O acidente ocorreu em Águas Claras, região administrativa de Brasília, e, semanas depois, resultou em mudanças nas vias locais após protestos de moradores: o retorno onde a batida ocorreu foi fechado e a velocidade na pista diminuiu para 50 km/h.
O marido de Alessandra e pai de Júlia, Gabriel Oliveira, que dirigia o carro no momento do acidente, diz que a impunidade é a responsável pelo comportamento dos motoristas que ainda insistem em dirigir depois de beber. “Muita gente ainda visualiza que não vai ser punido e, de fato, é o que acontece, não vai ser punido, não acontece nada. Então, a pessoa continua cometendo essa falha”, disse em entrevista exclusiva à Agência Brasil, a primeira a um veículo de imprensa depois do acidente.
O carro em que a família estava foi atingido pelo veículo guiado por Rafael Yanovich Sadite que, de acordo com a perícia, estava a uma velocidade acima de 100 quilômetros por hora, em um local onde a velocidade máxima permitida era 60 km/h.
O teste do bafômetro feito em Rafael mostrou um teor alcoólico de 0,5 miligramas de álcool por litro de ar expelido – a Lei Seca estabelece crime a partir de 0,34 mg/l. Ele já tinha sido multado por dirigir embriagado e estava com a carteira de habilitação suspensa.
Em seu depoimento à Justiça, Sadite disse que bebeu apenas uma taça de vinho antes do acidente. O advogado dele, Eric Pio Belo, diz que seu cliente não estava embriagado.
“O teor dele não foi extremamente alto. A lei é muito rígida, então se tomar uma quantidade mínima você é pego no teste. Mas isso não significa que ele estava sem consciência nenhuma”, afirmou o advogado. Sadite foi preso em flagrante, mas pagou fiança de R$ 30 mil e aguarda o julgamento em liberdade. Ele será julgado em juri popular por duplo homicídio, lesão corporal grave e por dirigir embriagado.
O advogado também alega que, no local onde os dois carros se chocaram, a visibilidade era ruim.
Durante entrevista à Agência Brasil, Gabriel Oliveira defendeu punições mais rígidas, especialmente para quem é reincidente em crimes de trânsito, e disse que as pessoas precisam respeitar mais as leis do país.
Para ele, o motorista que causou o acidente deveria ter sido parado pelo Poder Público quando cometeu as primeiras infrações. “Ele acabou com uma família. Ele já vinha dando sinais de que ia fazer isso a qualquer momento e já tinha feito coisas que poderiam ter causado, já tinha sido pego em blitz de Lei Seca. Então, nesse caso, como em tantos outros, eu espero que ele seja punido com o rigor da lei”.
O acidente ocorreu no Dia das Mães.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo empresário Gabriel Oliveira:
Agência Brasil: Você considera que está havendo uma mudança no comportamento dos motoristas em relação ao uso de álcool antes de dirigir?
Gabriel Oliveira: Eu acho que a mudança tem ocorrido sim, mas não na velocidade que a gente gostaria e que a sociedade necessita. E principalmente por conta da impunidade. Eu acho que apesar de ter tido muitas blitz, muita fiscalização, muita gente ainda visualiza que não vai ser punido e, de fato, é o que acontece, não vai ser punido, não acontece nada. Há alguns meses estou trabalhando no Uber e, esses dias, eu transportei um passageiro que comentou que já foi pego três vezes em blitz. Então, uma pessoa dessas tem total ciência da impunidade, porque ela foi pega três vezes e está insistindo na mesma coisa. Se ela tivesse uma punição, seja criminal, financeira, de forma que afetasse a vida dela, ela não faria nem a segunda, muito menos a terceira vez. Acho que a fiscalização ainda é falha, e a punição muito mais.
Agência Brasil: Você considera que a Lei Seca é suficiente ou precisaria de uma legislação mais rígida?
Oliveira: O primeiro passo é o cumprimento da lei. Não adianta enrijecer a lei se ela não é cumprida. Não adianta falar que a pessoa vai tomar uma multa do valor do carro dela, se isso não é cobrado. Então, a primeira coisa a ser feita é fazer com que a lei funcione e fazer com que as pessoas respeitem a lei para funcionar. Depois de conseguir essa vitória, talvez fosse o caso de enrijecer mais a lei. Para algumas pessoas, a multa de quase R$ 2 mil da Lei Seca é muito pesada, para outras não significa nada. No meu caso, perdi minha esposa e minha filha por causa de um condutor que estava embriagado, ele já tinha sido pego em outras ocasiões, ele já tinha sido multado por conta de racha, por conta de fuga da polícia. Quer dizer, é um cara que a qualquer momento ia causar o que ele causou. Ele estava dando esses indícios, estava mostrando para a sociedade que ele ia fazer isso. E não foi parado pelo Poder Público. Ele deveria ter sido parado muito antes, porque ele mostrou que não tinha condição e capacidade para estar à frente de um carro. Então, é um exemplo claro de que a punição não existe, efetivamente não acontece.
Agência Brasil: Você acha que pode haver uma conscientização maior nas próximas gerações em relação a essa questão? Porque antes da lei ninguém nem falava sobre isso, e hoje é um assunto muito falado, e os jovens estão mais esclarecidos.
Oliveira: De maneira geral, eu escuto os jovens muito mais preocupados do que os mais velhos. É lógico que eu estou falando com as pessoas com quem eu me relaciono, então pode ser uma amostragem muito pequena perto da população toda. Mas a impressão que eu tenho é que os jovens estão mais conscientes. Mas, como a questão do cinto de segurança, por exemplo: sempre foi lei e as pessoas passaram a usar porque houve fiscalização e um trabalho para mudar a cultura das pessoas. Então, acho que a conscientização dos jovens e dos adultos depende de o governo fazer um programa de educação. O jeito mais fácil de fazer isso é que haja punição pesada, para que a pessoa pense antes de fazer aquilo, isso em todos os aspectos.
Agência Brasil: No seu caso, você acha que o acidente mudou alguma coisa no seu comportamento como motorista, de ter mais cuidado na direção?
Oliveira: Muda, sem você querer, muda. São lembranças, memórias que vêm à cabeça o tempo todo. Mas eu sempre procurei o respeito ao próximo. Então, isso eu continuo fazendo, hoje a questão de estacionamento, eu sempre evitei, nunca gostei de estacionar em local proibido, entrar em uma contramão sabendo que era contramão.
Agência Brasil: O que você espera do resultado final do julgamento?
Oliveira: Eu espero que ele pague pelo crime que ele cometeu e que sirva de exemplo para outras pessoas. Espero que ele fique muito tempo sem poder dirigir e que seja preso. Ele acabou com uma família. Ele já vinha dando sinais de que ia fazer isso a qualquer momento e já tinha feito coisas que poderiam ter causado, já tinha sido pego em blitz de Lei Seca. Então, nesse caso, eu espero que ele seja punido com o rigor da lei.