UnB e Universidade do Minho debatem futuro da comunicação pública
A Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade do Minho (UMinho), de Portugal, realizaram hoje (15), na sede da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o seminário O futuro da comunicação pública. Durante o evento, foram apresentados os resultados das pesquisas relacionadas ao projeto "Políticas de comunicação, radiodifusão pública e cidadania subsídios para o desenvolvimento sócio-cultural em Portugal e no Brasil" e debatidas as perspectivas futuras para o serviço público de comunicação nos dois países. O seminário tem o apoio do Conselho Curador da EBC.
O projeto, uma parceria da UnB com a UMinho, é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), unidade de fomento brasileira, e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, de Portugal. “Este evento é resultado de um projeto em parceria, desde 2011, que envolve professores, pesquisadores e estudantes e tem estabelecido uma ponte importante para que, a partir de experiências dos dois países, busque aprimorar os serviços públicos de comunicação”, disse o professor da UnB Fernando Oliveira Paulino.
Segundo Paulino, o projeto pode ajudar em uma reflexão sobre o papel da comunicação pública, principalmente diante do atual quadro político. “O momento é sensível, porque, nessa transição do afastamento da presidente Dilma e a chegada do presidente interino, tem havido algumas manifestações, especialmente na imprensa, questionando o papel da EBC. Mas eu prefiro pensar que essa é uma boa oportunidade para fazer dessa situação um estímulo para crítica, debate, aprimoramento e autoaperfeiçoamento da comunicação pública”, concluiu. Recentemente, o Conselho Curador da EBC divulgou nota de repúdio a notícias de possível extinção da EBC ou redução da empresa pública à prestação do serviço governamental.
Durante o evento, foram apresentadas razões pelas quais a comunicação pública é importante e como a programação influencia no desenvolvimento do cidadão e, principalmente, na formação das crianças. Ao participar, a professora da UMinho Sara Pereira disse que “a comunicação pública tem as crianças como uma audiência especial, por serem cidadãs em formação”.
O presidente da EBC, Ricardo Melo, participou do seminário e falou sobre os desafios de gestão da empresa. “O grande desafio que vejo para a construção da comunicação pública é conciliar autonomia editorial e independência financeira. Não existe uma empresa pública de comunicação que consiga sobreviver enquanto comunicação diversa, plural, crítica e isenta, se ela não tiver autonomia financeira para custear suas necessidades. Senão, ela sempre vai ficar refém do governo de plantão”, afirmou.
Para Melo, a solução para essa independência financeira representaria um passo para a autonomia da EBC. Ele citou como fonte de recursos a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, criada em 2008, na lei que instituiu a EBC. A legislação determina que 75% do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel) devem ser destinados à empresa. Mais 2,5% devem ir para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e 22,5% para as demais emissoras públicas. Como as operadoras de telefonia, que pagam o fundo, questionaram o recolhimento, os recursos estão sendo depositados em juízo desde 2009.
“O desbloqueio do fundo que daria subsídios para a empresa seria uma primeira luta e já foi aprovado no Congresso Nacional. São cerca de R$ 2 bilhões que não chegam à empresa e que limitam a independência editorial. A nossa autonomia financeira significa a sociedade tocando o direito de ter acesso à comunicação pública”, disse.
Em dezembro de 2013, a EBC conseguiu na Justiça a liberação de cerca de R$ 321 milhões, parte do montante da contribuição. Esses recursos são referentes ao recolhimento feito pela operadora TIM, que abriu mão de depositar em juízo, embora não tenha desistido do recurso na Justiça.
Portugal
O pesquisador Luis Santos, diretor adjunto do Centro de Pesquisa Comunicação e Sociedade, da Universidade do Minho, explicou que, em Portugal, o serviço público de comunicação é financiado por uma taxa que está em torno de 10 euros anuais. Ela é cobrada na conta de energia de cada cidadão que compra um aparelho de televisão.
Outra fonte de recursos é a publicidade, que é comercial, mas com limite de tempo. "O Estado não dá um tostão. Já houve financiamento do Estado. Mas hoje, não mais", afirma Santos, lembrando a história da formação do sistema público de comunicação português, que começou em 1935 com a RDP e, mais tarde, em 1957, com a emissora pública de TV, a RTP. Nos anos 2000, as duas empresas se fundiram e, hoje, o sistema chama-se RTP.
Santos avalia que, hoje, o sistema público de comunicação em Portugal está mais maduro. Ele acrescentou que, no entanto, continua havendo constantes discussões sobre sua importância, algumas vezes com maior ou menor intensidade. "Tem períodos em que a discussão desce um pouco, em outros cresce. Não acho ruim que haja discussão, tem que sempre avaliar o serviço publico, como se está fazendo, se pode fazer melhor".
Segundo o pesquisador português, o projeto desenvolvido em parceria da UnB com a Universidade do Minho é importante para que se discuta as necessidades em comum, as diferenças. Perguntado sobre como avalia a situação do sistema público de comunicação do Brasil, Santos evitou tecer comentários e disse que o Brasil encontrará a melhor solução. "Não é justo alguém de fora dar soluções", disse.
Ele, no entanto, avaliou a importância do serviço público de comunicação de Portugal. "No meu entendimento sobre a situação portuguesa, [o sistema público de comunicação] funciona não apenas como uma espécie de fiel de balança, como regulador de produção [...], um regulador de mercado. Porque se o serviço público tem mais programação infantil, e isso tem algum sucesso, por exemplo, é provável que as comerciais vão também fazer produção mais infantojuvenil. E, do ponto de vista informativo, tem a obrigação, para os portugueses, de dar informação correta, variada, sobre o total do país, e não apenas o que se passa na política, na capital. Portanto cumpre esse papel e só assim faz sentido."
O que é a EBC
A EBC é uma empresa pública de comunicação que administra a TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, as rádios Nacional do Rio, Brasília, Amazônia e Alto Solimões e as rádios MEC. É também responsável pela Voz do Brasil e o canal de TV NBr, que veicula os atos do governo federal.
Na lei de criação da empresa, foi instituída a figura de um colegiado, o Conselho Curador, que tem a missão de zelar pelos princípios e pela autonomia da EBC, impedindo que haja ingerência indevida de governos e do mercado sobre a programação e a gestão da comunicação pública. O conselho é composto por 22 membros, sendo 15 representantes da sociedade civil; quatro do Governo Federal; um da Câmara dos Deputados; um do Senado Federal; e um representante dos trabalhadores da EBC.
*A matéria foi alterada dia 16/06/2016, às 13h33, para inclusão de informação sobre o sistema público de comunicação de Portugal