Humanização de presídios femininos é defendida em audiência pública

Publicado em 11/04/2017 - 19:02 Por Débora Brito - Repórter da Agência Brasil - Brasília

presas, detentas

Do total de mulheres presas no Brasil, 68% são jovens, com idade entre 18 e 34 anosArquivo/Agência Brasil

Cerca de 95% das mulheres encarceradas no Brasil já sofreram ou sofrem algum tipo de violência dentro das prisões. A informação foi dada pela secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Sílvia Rita Souza, em audiência pública sobre a violência de gênero nos presídios femininos realizada hoje (11) pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

Segundo ela, as mulheres representam um dos grupos mais vulneráveis no sistema prisional. Além da exposição a situações de violência, elas apresentam perfil de baixa escolaridade e pouco acesso a direitos sociais.

Do total de mulheres presas no Brasil, 68% são jovens, com idade entre 18 e 34 anos, 61% são negras e pardas, 62% são analfabetas ou tem o ensino fundamental incompleto e 57% são mães solteiras. A maioria é presa por tráfico de entorpecentes, 30% estão detidas sem condenação e 63% são condenadas a penas de até oito anos. “A maioria é abandonada pelos parentes e tem contato limitado com os filhos e a família”, afirmou Sílvia.

Ela alerta que o crescimento da população carcerária feminina é muito maior que o de presos do gênero masculino. De 2007 a 2014, o número de mulheres no sistema prisional subiu em mais de 560%, enquanto que o registro de homens encarceradas cresceu pouco mais de 200%.

Alternativas

Como estratégia para mudar esta realidade, a secretária apresentou as principais diretrizes da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (Pnampe), vigente no país desde 2014 e gerida pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

A política prevê, entre outros pontos, a humanização no tratamento das presas, maior produção de estudos e dados relacionados ao tema e a elaboração de políticas estaduais.

Sílvia pediu aos deputados apoio na articulação junto aos seus estados para que atuem de forma articulada com os organismos de mulheres estaduais. Atualmente, apenas dois estados, Alagoas e Mato Grosso do Sul, publicaram políticas específicas para população carcerária feminina, de acordo com o Pnampe.

Condições inadequadas

A coordenadora-Geral de Promoção à Cidadania do Depen, Mara Fregapani Barreto, lembrou que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, índice que tem sido reforçado pelo aumento expressivo de mulheres presas. Ela diz que o encarceramento feminino em condições inadequadas, agravado pelo deficit de vagas e a superpopulação do sistema prisional, representa uma das violências mais frequentes contra as detentas no país.

Segundo Mara, as mulheres encarceradas apresentam as maiores vulnerabilidades e são tratadas como iguais aos homens, quando apresentam necessidade bem diferentes. A coordenadora defende que os gestores tenham um olhar diferenciado sobre a população carcerária feminina e respeitem a individualidade das mulheres.

“Os espaços das unidades penitenciárias devem observar as diferenças, como adaptar a estrutura dos banheiros e ampliar os espaços da maternidade. Mas não é só o espaço que deve se adequar às especificidades das mulheres, (…) envolve também a capacitação dos servidores que atendem essas mulheres”, afirmou Mara.

Violências

A professora de direito do Centro Universitário de Brasília, Carolina Ferreira, apresentou na audiência outros tipos de violência cometidos contra as mulheres nos presídios. Em pesquisa realizada sobre o sistema carcerário feminino, ela identificou a violência física; a violência psicológica, por meio da supressão de políticas de acesso a direitos; e a violência institucional, que se revela nas leis pensadas sem considerar as necessidades femininas e a falta de articulação entre os poderes para a implementação dos direitos.

Carolina defendeu mudanças na política nacional de drogas no sentido de liberar o indulto às mulheres privadas de liberdade por envolvimento no chamado tráfico privilegiado de entorpecentes. A medida, segundo a especialista, teria impacto significativo na redução da população carcerária feminina.

“Precisamos pensar em estratégias de fortalecimento do indulto para mulheres em casos de tráfico de drogas e considerar a retirada da hediondez do tráfico privilegiado, além de dimensionar quantas mulheres poderiam ser beneficiadas por essa decisão”, argumentou.

A especialista sugeriu ainda que o Poder Executivo adote medidas alternativas ao encarceramento, como a adoção de prisão domiciliar,  e a promoção de políticas de ensino para favorecer melhor a ressocialização. “Devemos repensar a forma de punição, não pensar a prisão como a primeira medida, principalmente para as mulheres. (….) E promover políticas de atendimento especial, como acesso integral à educação e a livros. As mulheres ficam em segundo plano quando se compara a oferta de ensino em unidades carcerárias masculinas e femininas”, disse.

Utopias e humanização

A redução do encarceramento como principal medida punitiva foi defendida também pelo subprocurador geral da República, Mário Luiz Bonsaglia, e pela coordenadora nacional para a questão da mulher presa da Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), irmã Petra Silvia Pfaller.

Para Petra, é necessário defender a “utopia do mundo sem cárcere”, pois a prisão não é eficaz como forma de ressocialização. “O impacto do encarceramento para a mulher é muito maior do que para o homem. (…) a situação de estar numa cela já é uma tortura”, afirmou.

A partir da apresentação de imagens feitas durante visitas recentes em presídios de regimes fechado e semiaberto situadas em Mato Grosso do Sul, Petra denunciou diversas violações de direitos ocorridos no ambiente prisional de mulheres. Entre os principais problemas, ela encontrou crianças encarceradas com suas mães; celas quentes, sem iluminação nem ventilação; ausência de banheiros; e mulheres com marcas de feridas causadas por insetos e agressões de agentes ou outras detentas. “Não sou eu que estou falando, são as mulheres que me pedem: irmã, fala lá fora por nós, porque nós não somos ouvidas”, disse.

Já o subprocurador lembrou que já há uma jurisprudência adotada pelos Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de ampliar a prisão domiciliar para mães de crianças até 12 anos. “É necessário dispensar mais recursos para as unidades femininas, sem prejuízo das medidas despenalizadoras”, defendeu.

Ele ainda cobrou dos órgãos do Executivo e do Judiciário maior sensibilidade com o tema e o efetivo cumprimento da legislação em favor das mulheres em situação de cárcere. “É necessário uma conscientização sobre a invisibilidade de gênero no sistema prisional. As mulheres representam um grupo vulnerável, com necessidades específicas. (…) Não basta aprovar leis, é preciso que elas sejam respeitadas”, falou.

Edição: Augusto Queiroz

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