Organizações civis cuidam da programação de espaços culturais do DF
O Distrito Federal experimenta há cerca de seis meses um projeto de compartilhamento de gestão de espaços culturais. Segundo organizações e representantes dos espaços, o modelo melhorou a programação e reavivou os locais. Os espaços são o Centro de Dança e o Memorial dos Povos Indígenas. O primeiro está sendo administrados pelo grupo baiano Conexões Criativas e, o segundo, pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
A parceria é respaldada pela Lei 13.019 de 2014, chamada Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. A lei começou a ser implementada este ano.
Desde a reabertura, em fevereiro, o Centro de Dança promoveu oficinas, residências artísticas e seminário. No edital, a secretaria definiu que tipo de atividades e em qual quantidade deveriam ocorrer até o final da parceria, em dezembro. Caberia ao vencedor do edital decidir quem daria as oficinas, quais seriam as apresentações, entre outras questões.
A chamada foi nacional e o vencedor, o grupo Conexões Criativas, de Salvador, que desenvolve trabalhos mais voltados para as artes cênicas. “Não sendo do DF, a gente tem, claro, uma desvantagem de não fazer parte da cena local, não fazer parte da cena artística, mas ao mesmo tempo, se torna uma possibilidade de algo interessante, porque faz com que a gente possa arejar de uma maneira diferente as atividades que acontecem no DF”, diz Neto Machado, um dos diretores da Conexões Criativas.
No Centro de Dança, o produtor cultural Marconi Valadares é figura conhecida por todos que frequentam o espaço. Formado em educação física, Valadares começou a se envolver com a dança em 1987, por causa da diretora e coreógrafa da Anti Status Quo Companhia de Dança, Luciana Lara, com quem foi casado por 17 anos. Hoje é dono da Quanta Produções Artísticas e é responsável pela realização da Mostra de Dança XYZ. Ele foi escolhido para a coordenação de programação e, junto com outros três funcionários, representa o Conexões em Brasília.
Marconi fez parte e conhece bem a história do Centro de Dança. Ele conta que o local, construído para ser dormitório dos professores da Universidade de Brasília (UnB), na década de 1990, foi tomado pela dança. Tudo começou bem antes, ainda na década de 1960, quando a coreógrafa Gisele Santoro, que viveu no espaço com o marido, o maestro e compositor Claudio Santoro – que deu nome ao Teatro Nacional – vislumbrou ali um corpo de baile. Com o golpe militar de 1964, o projeto ficou parado. Na década de 1990, grupos de dança retomaram o local, que estava fechado.
“É um espaço muito cobiçado. Foi muito cobiçado este tempo todo e é até hoje, pela localização central. Cinema tentou pegar, muitas áreas. Mas a dança sempre lutou para que não fosse dividido com nenhuma delas, porque a dança precisa de certas especificidades de estrutura, piso flutuante, pé direito alto. O espaço tem essas características”, diz Valadares.
Por falta de apoio e de manutenção constantes, o espaço perdeu as condições de uso e foi fechado em 2013. “As coisas evoluíram assim, cada um lutando, mas nunca existiu um projeto, um pensamento. Os grupos ensaiavam, mas era espaço de aluguel, os professores davam aula, alugavam para ensaiar”. Antes mesmo da reinauguração, no entanto, os grupos da cidade, organizados, definiram, que o local seria para formação – o que foi previsto no edital de chamamento da organização.
Valadares trabalha diariamente para a realização do projeto. Para ele, é uma conquista ver a casa reaberta. Ele diz ainda que ainda falta estrutura. “Faltam mobiliário, equipamentos de informática, estrutura para a sala multiúso, para possibilitar a realização de espetáculos. Mas estamos aos poucos conquistando”, diz.
Memorial dos Povos Indígenas
A administração das atividades do Memorial dos Povos Indígenas ficou a cargo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI). O projeto visa tanto catalogar o acervo do local, que estava desorganizado quando o grupo o assumiu, quanto promover diversas atividades que envolvam tanto os indígenas quanto populações não indígenas. O grupo discute inclusive com a Secretaria de Educação a criação de um programa educativo que traga novas perspectivas, além da colonialista, para a história indígena ensinada nas escolas.
“A ideia para o espaço é criar um comitê gestor do projeto com representação indígena, cuja direção seja exercida por um indígena. A partir desse comitê, a gente vai ter instância de governança indígena de todo o país, que vai construir as programações e atividades”, explica a coordenadora do projeto pelo CTI, Guta Assirati.
Por meio da parceria, o grupo já promoveu uma série de eventos no memorial, como cinema, debates, apresentações de cantos tradicionais, rap indígena e rodas de conversa. A intenção é promover a divulgação de obras de indígenas e relacionadas com a temática e o meio ambiente.
Segundo Guta, o local também precisa de reparos físicos. Quando ganharam o edital, já havia recursos previstos para isso, mas uma mudança legal fez com que o financiamento fosse revisto. Agora o CTI procura também captar recursos para para obras de infraestrutura. Apesar de não constar como um das obrigações da organização no edital, “colocamos as mãos à obra e fomos atrás de incentivos”, diz.
O diretor do Memorial dos Povos Indígenas, Álvaro Tukano, é sintético sobre a atuação do CTI: “Uma maravilha”. Segundo ele, o espaço é importante para os indígenas e precisa de uma programação constante e que dê voz aos povos. “Ao longo desse 500 anos, alguém falou por nós. Hoje, quem fala aqui é o índio. Temos revelado grandes escritores, poetas, tudo que há de melhor, passa por aqui”, diz.
Ajuda para o governo
De acordo com o secretário de Cultura do Distrito Federal, Guilherme Reis, as organizações são importantes para manter uma programação diversificada, algo que o governo “não tem condições de fazer”, diz. Nos editais, a secretaria detalha o máximo possível o que deve ser feito no espaço, e as organizações são responsáveis por tirar isso do papel. A intenção é que as parcerias sejam implementadas em outros espaços culturais do DF.
“A gente acha que o estado tem que manter segurança, limpeza. O básico administrativo é papel do estado, manter aquilo funcionando, a manutenção e tudo mais. Fornecer oficina, cuidar da programação, isso a gente traça metas e diretrizes que são acompanhadas dia a dia, isso a gente consegue fazer”, explica. Segundo Reis, as organizações devem “trazer ideias inovadoras, criativas, tecnologias que o DF não tem como prover”.
Para o professor do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, Frederico Flósculo, a parceria pode ser positiva, mas precisa ser fiscalizada. De acordo com ele, a melhor maneira de fiscalizar a atuação das organizações é por meio da participação da sociedade. “Quando se coloca um agente privado para gerir a coisa pública, tem de criar uma avaliação comunitária verdadeira e independente”, avalia.