Em minoria, mulheres buscam liderar negócios de inovação e tecnologia
O crescimento no número de startups do Brasil nos últimos anos tem chamado a atenção para a liderança de mulheres no setor. Apesar das empreendedoras representarem pouco mais de 10% das comandantes das startups, seus empreendimentos têm gerado impacto significativo em alguns segmentos da economia.
Empreendedorismo feminino foi um dos temas debatidos no Startup Summit, primeiro evento nacional de startups realizado em Florianópolis, nos últimos dias 12 e 13 de julho. Pesquisa da AssociaçãoBrasileira de Startups (ABStarups) aponta que 74% das equipes de startups são formadas por homens e quase 90% das empresas de inovação e base tecnológica são comandadas por eles.
Cristina Bittencourt, cofundadora da Agriness, startup que gerencia soluções de gestão e melhoria de produtividade no mercado de suinocultura, já está há 17 anos no mercado. A empresa já atende 90% dos produtores de suínos do país e metade do mercado argentino.
“Eu estava em dois setores resistentes, que é a tecnologia e o agronegócio. Para mim, o que fez a diferença foi ter a parceria certa, meus sócios me deram espaço, eu conquistei meu espaço, mas a gente conseguiu construir essa relação junto”, disse.
A empreendedora conta que várias vezes participou de reuniões com outras empresas em que era a única mulher. “Acontecia bastante isso, era como se eu não estivesse na reunião. Mas, eu sabia que meu papel naquela reunião era importante, que eu precisava perguntar o que precisava saber, e eu comecei a conquistar meu espaço. A gente não pode se acanhar”, afirma.
Potencial para liderar
A engenheira civil Paula Lunardelli, 31 anos, também teve que aprender a se impor em um ambiente ocupado majoritariamente por homens. Ela é a única mulher da recém-iniciada startup Welob, que desenvolve software e soluções para planejamento e gestão de obras da construção civil, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e evitar atrasos.
Em experiências profissionais anteriores, Paula conta que enfrentou dificuldades na sua trajetória como mulher. “Eu lido com o meio masculino há muito tempo, então sendo engenheira civil eu já fiz uma escolha lá atrás que me fez trabalhar com pessoas, estudar e conviver com um mercado muito machista. Já passei por preconceitos, já recebi assédio, já perdi contratos”, relata.
Hoje, enquanto se dedica a firmar o novo negócio, Paula afirma que se sente mais preparada e não tem enfrentado mais tantas situações de discriminação. Depois de ter já ter atuado no mercado como engenheira e consultora de empresas, ela sentiu confiança para iniciar o desafio da startup ao lado de dois sócios da área tecnológica e comercial.
“A gente entende que obras bem planejadas podem ser muito mais rentáveis e acabam gerando benefícios para o consumidor; e podem ser muito mais sustentáveis, trazendo benefícios para a própria construtora e para o país em geral”, explica.
A empresa passou pela fase de incubação com apoio da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Santa Catarina e foi selecionada em vários programas de aceleração. Hoje, a startup está em fase de captação de recursos, enquanto já vende o principal produto.
Diversidade para inovar
As empresárias declaram que as mulheres têm habilidades que podem agregar mais valor aos negócios, como criatividade, sensibilidade, visão sistêmica e capacidade de lidar com vários problemas ao mesmo tempo. Mas, elas ressaltam que as habilidades femininas e masculinas devem se complementar no ambiente de inovação e que as mulheres podem aprender a trabalhar com dinheiro e gerir finanças.
“Quando a gente fala em inovação, a gente fala em diversidade, então é muito importante ter uma equipe com mulheres, trabalhar junto com homens e ter essa diversidade dentro das empresas, é assim que vai gerar inovação”, declarou Tatina Takimoto, gerente de programas estratégicos da Acate.
Grupo de apoio
Tatiana também coordena o grupo Acate Mulheres, lançado no início deste ano para valorizar a figura feminina nas empresas de tecnologia. O grupo trabalha o fortalecimento das mulheres dentro da cultura organizacional e prepara as funcionárias para alcançar cargos de liderança.
O ambiente de confiança criado pelo grupo promove ainda a interação entre as empreendedoras, que trocam experiências, conhecimentos, ideias e firmam parcerias para novos negócios entre elas. As participantes são beneficiadas com acesso a informações e serviços de fundos de investimentos, por exemplo, para facilitar e diminuir os custos físicos e emocionais da jornada dupla geralmente vivida pelas mulheres.
“Conversando com elas e também com colaboradoras, a gente descobre algumas coisas que acontecem nas empresas e não deveriam acontecer, como assédio moral. Isso acontece e a gente quer mudar essa cultura. E a gente entende que é a mulher que vai ter que ser protagonista disso”, explica Tatiana.
O grupo pretende trabalhar com estudantes do ensino médio e universitárias para encorajá-las a ter uma visão empreendedora. O objetivo, segundo a coordenadora, é mudar a cultura de que inovar e liderar, na área de tecnologia são habilidades masculinas.
“Estive recentemente em Toronto, fui em algumas incubadoras e parques tecnológicos e vi como a presença feminina é quase 50% lá, e aqui é muito pouco. Nosso objetivo é esse: mudar a cultura, empoderar a mulher e trabalhar a sociedade como um todo para que seja mais justa”, relata.
Ato político
Durante o Startup Summit, foram apresentados cases de sucesso liderados por mulheres, que se tornaram referências no mercado de inovação. É o caso da startup Foodpass, fundada pela nutricionista Priscila Sabará, que criou uma plataforma que promove a conexão entre pessoas e empresas de vários locais por meio do alimento.
Por meio de ferramentas de tecnologia e marketing, o sistema cadastra eventos gastronômicos e articula com uma rede de contatos, o que possibilidade novos negócios em diferentes áreas.
A empresa só tem funcionárias. Segundo Priscila, a decisão por contratar somente mulheres foi tomada para reforçar o empreendedorismo feminino como um ato político pela busca de oportunidades iguais.
“As pessoas desacreditam da sua capacidade de fazer negócio. Acho que isso vem de um abuso de poder. A gente tem que desconstruir, batalhar por eficiência, profissionalismo e não ser um objeto sexual. Acho que esse é um lugar importante para a mulher conquistar”, declarou Priscila.
* A repórter viajou a convite da organização do Startup Summit, promovido pelo Sebrae Nacional