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Filmes dirigidos por mulheres são maioria em mostra de Brasília

Leandro Melito
Publicado em 11/08/2018 - 14:19
Brasília

Pela primeira vez desde a sua criação, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro terá maior presença de diretoras mulheres entre os filmes selecionados. Na 51ª edição do festival, que acontece entre 14 e 23 de setembro na capital federal, 52,4% das diretoras são mulheres, 9,5% se inscreveram sob a categoria não binária (outros) e apenas 38,1% dos selecionados são homens. No processo de inscrição para o festival, a maior parte da produção era dirigida por homens (68%) em relação às mulheres (28%). Em anos anteriores, o festival chegou a ser criticado pela baixa presença de diretoras.

A maior presença de mulheres também aparece em relação à equipe do festival. As mulheres representam 75% do quadro de trabalho e os homens correspondem a 25% da força produtiva do evento.
 

Os diretores de cinema Ary Rosa e Glenda Nicácio
Os diretores de cinema Ary Rosa e Glenda Nicácio - (Divulgação Festival de Brasília do Cinema Brasileiro)

Para o secretário de Cultura do Distrito Federal, Guilherme Reis, essa é uma realidade que está se impondo também no cenário do audiovisual. “O cinema sempre  foi uma indústria muito masculina, na produção e nos sets, e isso vem mudando radicalmente nos últimos anos. O Brasil vive esse momento de política afirmativa, e as mulheres estão garantindo seu espaço de trabalho, isso estará refletido nas telas fortemente este ano”, ressaltou.

Café com Canela

Ganhadora do prêmio de melhor longa-metragem popular na edição passada do festival com o filme Café com Canela (BA), Glenda Nicácio tem um novo filme na mostra competitiva deste ano, Ilha, dirigido em parceria com Ary Rosa, assim como o trabalho anterior.

Ela considera que a questão de gênero é uma pauta importante e deve extrapolar a esfera da discussão apenas entre as mulheres, no ambiente dos festivais e na produção audiovisual de um modo geral. “Entre as mulheres, existe o consenso de que é preciso mais espaço, mais visibilidade, igualdade de salários e a ocupação de funções que sejam de diretoria dentro das equipes. Muitas vezes, você tem funções específicas que são marcadas para serem de mulheres e quando você consegue colocar uma curadoria, onde a maioria dos filmes é dirigido por mulheres, isso reverbera de outra forma”, afirmou a diretora em entrevista à Agência Brasil.

Glenda disse estar curiosa para ver as produções das outras diretoras durante o festival. Para ela, essa curadoria permite pensar na diversidade do olhar feminino e apontar o que o cinema feito por mulheres traz de novidade. “Acho que isso indica outros caminhos, outras formas de produção, de interação e de como lidar com a representação. Faz a gente se aproximar de um outro cinema que a gente ainda não conhece”.

O filme Café com Canela, que teve todo o elenco formado por negros, tem como protagonistas duas mulheres que se ajudam em momentos cruciais da vida, um filme que trata de encontro. Já em Ilha que contou com parte da mesma equipe do filme anterior, a temática do encontro também está presente, porém de forma mais dura.

“ Essas questões políticas estão atravessando a vida do país e também a nossa vida de forma criativa. Então estamos, mais uma vez, tratando de encontros, mas acho que agora são encontros em tempos difíceis, em tempos duros. Ele se apresenta um pouco mais denso do que o Café com Canela nesse sentido”, contou a diretora.

A Passagem do Cometa

Alice Andrade Drummond, que esteve na edição passada do festival como diretora de fotografia do curta-metragem A Passagem do Cometa (SP), de Juliana Rojas - que retrata a sala de espera de uma clínica de aborto clandestina - volta este ano como diretora do curta Mesmo com Tanta Agonia (SP), feito por meio de um edital afirmativo para mulheres. Ela, que trabalha mais em cinema como diretora de fotografia, considera que essa é uma área ainda mais masculina que a própria direção no cinema.

“É absurdo, tanto na fotografia quanto na direção, a participação de mulheres. Se forem as mulheres negras então, é mais absurdo ainda. Acho mais do que fundamental que o festival abra espaço, tem que abrir mesmo. Você vê os filmes mais antigos, só tem homem em todos os lugares, em todas as posições. Mulher, às vezes, ficava com a arte ou montagem, figurino, maquiagem e olhe lá”, lembrou Alice.

Ela dirigiu seu primeiro curta-metragem em 2015 e sente que, já naquele momento, as mulheres estavam ganhando espaço no cinema, mas acha que essas conquistas ainda estão muito incipientes. “É uma coisa que está ocorrendo há um tempo, eu acho que já está tendo espaço, mas ainda no começo, porque a gente sofre machismo de todos os lados o tempo inteiro trabalhando”.

A ideia do filme Mesmo com Tanta Agonia surgiu em 2015, quando Alice assistiu a algumas reportagens na televisão, em uma sequência que a inquietou. Uma delas foi o atropelamento de um ambulante na estação de trem de Madureira, no Rio de Janeiro, durante o horário de pico, em que os trens seguiram seu curso apesar da vítima, além do noticiário sobre uma festa infantil.

“Me chocou muito o jeito como as reportagens foram encadeadas, porque uma era muito trágica e outra era feliz e animada. Decidi escrever sobre como é tão natural e cotidiano numa metrópole esse tipo de acontecimento, para não esquecer e não deixar isso sair da memória das pessoas”, contou.

Prêmio Leila Diniz

Para celebrar figuras femininas que marcaram o cinema brasileiro, o Festival de Brasília criou, para a edição deste ano, o Prêmio Leila Diniz. O objetivo é destacar mulheres cujas práticas e trabalhos são fundamentais para o cinema nacional. “Não é um prêmio para atrizes, porque a ideia da Leila não é a da estrela que brilha por estar na frente das telas, é a ideia realmente de pessoas que fazem diferença na representação e na presença feminina no audiovisual como um todo”, disse o diretor artístico do festival, Eduardo Valente.

Leila Diniz participou do Festival de Brasília em 1966 com o longa-metragem Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos Oliveira.

Neste ano, o prêmio será concedido a duas mulheres: Íttala Nandi e Cristina Amaral. Após importante trajetória no teatro, Íttala estreou como atriz no cinema com O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, filme que ganhou o prêmio principal do Festival de Brasília há 50 anos. Além de vários outros papeis marcantes nos palcos, telas e na TV, Íttala também dirigiu documentários e trabalhou como produtora e dramaturga, tendo ainda sido professora e coordenadora de cursos de cinema.

Cristina Amaral será premiada pela sua importância como montadora de cinema, carreira na qual atua há mais de 40 anos. Entre suas parcerias mais constantes e profícuas incluem-se trabalhos com Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach e Edgard Navarro. Cristina recebeu inúmeros prêmios, inclusive o Candango em Brasília, por Sua Excelência o Candidato e Alma Corsária.