Obra do diretor Eduardo Coutinho é tema de mostra em São Paulo
A tensão entre a ficção e o documental no cinema de Eduardo Coutinho (1933-2014) é o foco da mostra que começa hoje (2) em homenagem ao diretor e roteirista no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, região central de São Paulo. A Ocupação Eduardo Coutinho apresentará 25 vídeos exibidos simultaneamente em diversas telas e 238 itens usados pelo cineasta em sua trajetória.
Nas vitrines, estão alguns dos cadernos com anotações feitas pelo diretor, a máquina de escrever usada de Coutinho, avesso ao uso do computador, e a câmera 16 milímetros que captou as imagens de Cabra Marcado para Morrer (1984).
O filme é um exemplo de como o cineasta, apesar de ser conhecido pelo trabalho como documentarista, teve forte influência do pensamento ficcional na construção de sua obra.
As filmagens começaram na década de 1960, mas foram interrompidas durante o período militar.
A ideia inicial era contar a história de um líder camponês assassinado no sertão da Paraíba. “Era um trabalho com atores, com camponeses fazendo os papéis”, conta um dos curadores da exposição, Carlos Alberto Mattos, sobre como o projeto estava mais próximo da ficção.
As filmagens só puderam ser retomadas quase 20 anos depois, transformando o filme em um documentário ao visitar as pessoas que participaram do projeto original.
Nesse período, Coutinho tinha trabalhado no programa jornalístico Globo Repórter, da TV Globo, o que o aproximou das narrativas não ficcionais.
“Ele casou, teve filhos, começou a precisar de um salário fixo, por isso topou entrar na televisão”, comenta Mattos.
Começo pela ficção
Essa não era a vocação inicial do diretor, que tinha estudado cinema na França e trabalhado em alguns filmes no Brasil, como roteirista de Dona Flor e seus Dois Maridos e diretor da comédia O Homem que Comprou o Mundo e do filme de cangaço Faustão.
A vertente ficcional está presente ainda em seus primeiros curtas-metragens O material inédito também pode ser visto na exposição.
Coutinho continuou a desenvolver a linguagem do documentário no período em que trabalhou na organização não governamental Centro de Criação de Imagem Popular, no Rio de Janeiro. “Mas sempre com esse desejo de fazer uma coisa diferente, de fazer um documentário que fosse lidar com as pessoas, com a história que as pessoas contam e a forma com que as pessoas se fantasiam diante da câmera”, explica Mattos.
Cinema de conversa
“Ele foi percebendo que o gostoso era conversar com as pessoas, não ficar narrando um grande tema, uma grande situação. Era como as pessoas vivem, encaram a vida, a morte, a religião, a família, o casamento”, acrescenta ao enumerar alguns dos temas que o cineasta abordou ao longo da carreira.
Buscando contar essas histórias, Coutinho chegou ao Edifício Master (2002), filme em que entrevista os moradores de um prédio carioca.
Ali, uma das personagens admite, logo no início da conversa, ser uma “mentirosa”.
Apesar de o próprio cineasta nunca ter falado abertamente sobre isso, Mattos diz que a partir desse encontro o diretor passou a explorar mais profundamente as fronteiras que separam as histórias reais das inventadas.
“Foi dali que nasceu esse negócio da cabeça dele: "por que não a mentira, por que não ter alguém mentindo que aconteceu aquilo, mas não aconteceu’”, diz.
Esse questionamento fica claro em Jogo de Cena (2007), quando Coutinho convida atrizes e não atrizes para fazerem depoimentos diante da câmera.
Em alguns casos, as histórias se passaram com a pessoa, em outros não. O que é encenação e o que é real só é revelado no fim do filme.
“Ele foi, aos poucos, voltando à ficção do início da carreira de outra forma, nessa tensão entre documentário e ficção”, lembra o jornalista.
Exposição, filmes e livro
Esses e outros pontos sobre a obra e vida de Coutinho são explorados em 14 eixos na mostra, colocando lado a lado trechos de filmes e depoimentos do cineasta.
“Ver essas coisas justapostas dá outra camada de compreensão, l[leva a] entender a poética e os temas que o interessavam”, explica a gerente de Memória e Pesquisa do Itaú Cultural, Tatiana Prado, a respeito da organização do espaço.
O público também terá acesso a 19 filmes de Coutinho, com exibições às terças-feiras, às 17h e às 19h, até o dia 26 de novembro. Mais três filmes podem ser vistos online, de 3 a 20 de outubro, pela página do Itaú Cultural - www.itaucultural.org.br
Paralelamente à mostra, o jornalista e pesquisador Carlos Alberto Mattos lança um livro que abrange toda a obra do cineasta.
Sete Faces de Eduardo Coutinho incorpora parte de outro livro lançado por Mattos em Portugal, em 2003, e traz materiais acessados no acervo do cineasta, atualmente sob guarda do Instituto Moreira Salles.
A Ocupação Eduardo Coutinho pode ser visitada no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, de terça a sexta-feira, das 9h às 20h, e aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h.