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Internacional

Minamata: Brasil ainda não tem levantamento sobre fontes e emissões de mercúrio

Tratado visa a reduzir as emissões e eliminar o uso do mercúrio, a fim
Andreia Verdélio - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 28/09/2017 - 07:03
Brasília
Termômetro de mercúrio
© Anvisa/Divulgação

Até amanhã (29), representantes dos países signatários participam da 1ª Conferência das Partes da Convenção de Minamata sobre Mercúrio (COP1), em Genebra, na Suíça. O tratado entrou em vigor em 16 de agosto e, apesar de ter participado da elaboração do texto da convenção, o Brasil ainda não tem um levantamento das fontes e emissões de mercúrio.

A substância é extremamente tóxica e a Convenção de Minamata visa a reduzir as emissões e eliminar seu uso, a fim de proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos nocivos do mercúrio.

Segundo a coordenadora-geral de Qualidade Ambiental e Resíduos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Letícia Carvalho, o projeto Desenvolvimento da Avaliação Inicial da Convenção de Minamata sobre Mercúrio no Brasil ou Projeto MIA (do inglês, Minamata Initial Assessment), após alguns atrasos, deve ser finalizado em junho de 2018. “A partir do inventário oficial, um plano de implementação oficial também será produzido e pactuado com o governo brasileiro [e os setores produtivos]”, explicou.

O objetivo é ter uma base de dados precisa para promover medidas de redução e eliminação do metal nas fontes relevantes, minimizando riscos de contaminação. O mercúrio é usado em setores industriais, como produção de cloro-soda e na mineração artesanal de ouro, além de ser encontrado em termômetros e medidores de pressão e fazer parte do composto de amálgamas dentários. Ele ainda é emitido para a atmosfera a partir de processos industriais como siderurgia, produção de cimento, incineração de resíduos e plantas de energia a carvão (termelétrica).

Mesmo as discussões sendo recentes (a convenção foi firmada só em 2013), para Letícia, a Convenção de Minamata é diferenciada porque traz dispositivos específicos que vinculam saúde e meio ambiente. “O Artigo 16 traz uma série de demandas para garantir assistência à saúde e evitar a contaminação das populações, dos vulneráveis”, disse, acrescentando que isso coloca a convenção nos marcos do desenvolvimento sustentável.

A toxicidade do mercúrio varia de acordo com a forma química, a concentração, a via de exposição e a vulnerabilidade do indivíduo exposto. Exposição em níveis elevados pode afetar o cérebro, o coração, os rins e pulmões e o sistema imunológico dos seres humanos.

De acordo com Zuleica Nycz, diretora da Toxisphera Associação de Saúde Ambiental e representante do Fórum Brasileiro de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento Sustentável na Comissão Nacional de Segurança Química (Conasq), do MMA, o mercúrio vem sendo encontrado em aves, peixes e mamíferos e é um risco, principalmente para crianças e gestantes. “Os problemas de saúde vão significar custos ao sistema de saúde lá na frente, principalmente para países em desenvolvimento, com muita dificuldade em lidar com diagnósticos”, disse.

Além de proteger a saúde humana, o acordo sobre mercúrio beneficia a agenda do clima. Como é o único metal líquido da natureza e que evapora à temperatura ambiente, as estratégias para controlar e reduzir o uso de mercúrio também são um esforço no sentido de se ter mais eficiência energética e reduzir emissões de gases de efeito estufa.

O Brasil não produz mercúrio, tudo que é utilizado aqui vem de importações. Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão que controla o comércio, a produção e importação de mercúrio metálico, em 2015 foram importadas 8,1 toneladas do produto.

Garimpos de ouro

Letícia Carvalho disse que as importações aumentaram recentemente, principalmente para a odontologia, para o uso de amálgama nas estratégias de saúde bucal. Ela explicou que quando há o banimento de substâncias químicas, há também um aumento de importações na tentativa de fazer estoque para a transição.

Para Zuleica Nycz, o maior problema do Brasil em relação ao mercúrio é o garimpo de ouro, pois grande parte das importações da substância para uso odontológico vai parar nos garimpos da Amazônia. Além disso, a quantidade de mercúrio nessa atividade é desconhecida e acaba se perdendo no meio ambiente. “O garimpo pode ser uma grande fonte de emissões e de metilação, quando o mercúrio é liberado na água e no solo”.

A convenção de Minamata prevê a regulamentação internacional do setor informal para mineração artesanal e de ouro em pequena escala.

De acordo com o Ibama, a atividade de extração de ouro no país é licenciada pelos estados, e como os garimpos ilegais não são licenciados, não existem dados de registro nessa atividade. Entretanto, nos últimos dois anos, o Ibama apreendeu cerca de 1,5 tonelada de mercúrio metálico no garimpo ilegal. “Neste momento, o mercúrio encontra-se devidamente armazenado, e o Ibama estuda a melhor destinação ambientalmente adequada a esse produto”, informou o órgão.

Projeto MIA

O Projeto MIA está em desenvolvimento desde 2015 e hoje tem duas frentes de trabalho: o inventário de mercúrio na mineração artesanal de ouro e o inventário de todas as outras fontes listadas na Convenção de Minamata.

O levantamento sobre a mineração artesanal em pequena escala está sendo feito pelo Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Já foram realizadas campanhas em Roraima e no Pará e outras serão feitas no Amapá e em Mato Grosso. “Boa parte dessa atividade é ilegal e, com o encerramento da atividade de campo, poderemos ser mais precisos, tanto nas emissões, estimativas de uso do mercúrio, quanto da quantidade de pessoas envolvidas nessa atividade”, afirmou Letícia. A expectativa é de que os dados estejam prontos até o final deste ano.

A segunda frente do inventário será feita pela Faculdade de Saúde da Universidade de São Paulo. Nesse levantamento serão listados os processos produtivos que utilizam o mercúrio (produção de cloro-soda, acetaldeído, sódio e potássio, poliuretano e monômeros de vinil clorido), e a previsão é que de esteja pronto em junho de 2018.

O MMA montou o Grupo de Trabalho sobre Mercúrio (GT-Mercúrio) na Comissão Nacional de Segurança Química (Conasq), com os principais interessados na Convenção de Minamata, para organizar de forma sistêmica a implementação dos compromissos do acordo. “Mas é a partir do inventário que vamos conseguir medir os esforços que os setores vão ter que fazer”, disse Letícia, que também é a coordenadora do GT-Mercúrio.

O Brasil aderiu ao texto integral da convenção, com o destaque de que é um país onde existe mineração artesanal de ouro. Com isso, deverá inventariá-la e produzir um plano nacional para a redução de mercúrio nessa atividade. Pelo texto da convenção, também deverá listar as fontes de emissão para a atmosfera e as fontes relevantes de liberação para água e solo.

Produção industrial

A Convenção de Minamata considera o mercúrio problema universal, que, no entanto, afeta cada país de maneira diferente. O Brasil, por exemplo, tem as particularidades de consumo de peixe e mineração artesanal na Amazônia, mas também afeta estados como São Paulo pelas emissões atmosféricas de plantas a carvão.

Conforme Letícia, das fontes listadas, a produção de cloro-soda é a que tem data para fim do uso de mercúrio no processo, que é 2025, diferente das demais, que têm compromissos de redução, mas sem data marcada. O esforço brasileiro será substituir a tecnologia que usa mercúrio em quatro fábricas, que ficam em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na Bahia.

Já existe um engajamento prévio do setor e parceria global que alinha esforços no sentido de redução do uso de mercúrio. As novas tecnologias existem e estão disponíveis, segundo a coordenadora do MMA. “A questão de substituição tecnológica não é uma barreira. Todos os segmentos contam com tecnologias tanto para a redução quanto para a substituição dos processos produtivos”, lembrou.

O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Cloro-Álcalis e Derivados (Abiclor), Martim Afonso Penna, disse que no Brasil, a tecnologia de células a mercúrio responde por aproximadamente 14% da produção nacional de cloro. As emissões globais de mercúrio a partir desse setor representam apenas 0,3% das emissões.

Ele conta que a indústria está se preparando e estudando as melhores formas de substituição dessa forma de produção, mas esbarra principalmente em questões financeiras. “Ainda mais no momento difícil que estamos passando com a economia. Pleiteamos a criação de mecanismo de financiamento para facilitar e agilizar as mudanças”.

Uma das vantagens da substituição das plantas a mercúrio, segundo Penna, é que a tecnologia de membranas vem associada à redução do consumo de energia elétrica. Entretanto, uma das desvantagens é a redução da concentração da soda. “O ganho em termos de energia elétrica na célula a membrana é significativo. Ma, quando se faz o balanço geral da energia consumida, também levando em consideração essa necessidade de concentração, o ganho não é tão expressivo, mas ainda é significativo”, explicou. “Isso é que acaba encarecendo muito a convenção”.

De acordo com Letícia, o setor de produção de cimento também já tem seus compromissos e esforços globais para redução das emissões de mercúrio.

A representante do Conasq disse que as cimenteiras são consideradas uma grande fonte de emissões de mercúrio no mundo inteiro, pois queimam resíduos perigosos. “Como temos muitas plantas no Brasil, posso dizer que é um problema para o país, porque o abatimento de mercúrio não é feito pelos filtros”.

Banimento de produtos

Entre as principais mudanças trazidas pela Convenção de Minamata está o banimento, até 2020, de produtos com mercúrio adicionado, como alguns tipos de lâmpadas fluorescentes, pilhas e baterias, termômetros e cosméticos especiais.

Zuleica Nycz lembrou que as pessoas não são informadas dos riscos reais do uso desses produtos e que não há programa de recolhimento adequado. “É muito mais inteligente banir, trocar por alternativas, fazer programas de subsídios e já prever a destinação desses produtos”. Sobre os termômetros, ela informou que a Áustria desenvolveu um programa onde as pessoas devolvem o produto em drogarias e por mais 1 euro levam um termômetro digital para casa.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu os termômetros e medidores de pressão que utilizam coluna de mercúrio para diagnóstico. Eles não serão mais fabricados, importados ou comercializados a partir de 1º de janeiro de 2019.

Também a partir dessa data, estarão proibidas a fabricação, importação e comercialização, bem como o uso em serviços de saúde, do mercúrio e do pó para liga de amálgama não encapsulada, utilizados na odontologia.

O diretor institucional da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), Márcio Bosio, explicou que o mercúrio em forma encapsulada para liga de amálgama, que ainda será permitido, vem em quantidades menores e mais protegido. “Do ponto de vista do usuário, não tem risco para a saúde e do ponto de vista sanitário, é um material seguro e eficiente”.

O problema, para Bosio, é o resíduo de amálgama, seja no momento da aplicação, seja no momento da remoção da obturação, quando o resíduo acaba indo para o esgoto e gerando um problema ambiental. Segundo ele, algumas empresas no mundo têm experiências com filtros separadores desse amálgama, mas é algo que funciona em locais restritos.

“Nós defendemos e vamos propor um estudo visando a estabelecer a maneira mais racional de organizar tanto a separação quanto a logística de recolhimento desse produto. É um produto nocivo ao meio ambiente e pode sim ser separado, só que não conseguimos prever como seria a aplicação dessa tecnologia no Brasil, porque não se sabe exatamente como isso está espalhado pelo país”.

De acordo com o representante do Conselho Federal de Odontologia, Alberto Fernandes Moreira, os amálgamas de prata só devem ser removidos quando apresentarem algum problema funcional como falha por fraturas, cáries ou a troca indistinta por motivos estéticos. Ele informou que estudos científicos indicam que o amálgama dentário expõe os adultos à quantidade de mercúrio elementar baixo e não coloca os indivíduos em riscos adversos associados a esse vapor.

“Dessa forma, com a necessária prudência, bom senso e dentro dos conhecimentos e estudos pertinentes, pode-se prosseguir no ensino e na utilização do amálgama dentário nos casos em que a estética não seja fator preponderante, sem o receio de um possível efeito colateral”, disse Moreira. Ele explicou que as resinas compostas hoje em dia estão sendo mais utilizadas que o amálgama de prata, mas que esse produto ainda tem sua indicação na odontologia, principalmente para pacientes especias.

Tratado global

O nome da convenção homenageia as vítimas de envenenamento por mercúrio, ocorrido na cidade japonesa de Minamata, onde uma empresa química despejou toneladas de resíduos do metal, a partir de 1930. Os primeiros sintomas de intoxicação foram identificados na década de 1950, devido ao efeito cumulativo na cadeia alimentar, principalmente nos peixes. O despejo provocou a intoxicação de milhares de pessoas, que adquiriram doenças e deficiências físicas permanentes. Outras centenas morreram por envenenamento.

O acordo internacional foi firmado por 128 países, na cidade de Kumamoto, Japão, em outubro de 2013. No Brasil, a convenção foi ratificada em 8 de agosto deste ano e, em 16 de agosto, já entrou em vigor em todo o mundo. Até o momento, 83 países já fizeram a ratificação nas Nações Unidas. A convenção entrou em vigor 90 dias após receber a ratificação de número 50, em 18 de maio.

COP1 de Minamata

O encontro começou no último domingo (24) e entre os pontos principais em debate estão os mecanismos de financiamento para implantação dos dispositivos da convenção, principalmente no setor industrial.

A coordenadora do MMA, Letícia Carvalho, disse que o Brasil ajudou na elaboração de um fundo específico para capacitação, transferência tecnológica e assistência técnica em processos industriais livres de mercúrio. “Conseguir a apresentação de promessas dos doadores é a principal linha de defesa da delegação brasileira”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil.

Outra vertente do mecanismo financeiro é o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), que deverá financiar sobretudo atividades de investimento em áreas que precisam de substituição tecnológica.

A pauta da COP1 envolve discussões mais operacionais, sobre questões como a relatoria de implementação, os guias do plano de ação para a mineração artesanal de ouro, melhores práticas ambientais para os processos industriais, gestão de resíduos, armazenamento interino de mercúrio, formulários de comércio de mercúrio e aspectos de saúde relacionados.