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Internacional

Brasileiros beneficiados pelo Daca vivem incerteza nos Estados Unidos

O futuro do programa depende de um projeto de lei de imigração, que
Leandra Felipe - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 23/01/2018 - 05:30
Atlanta
Manifestantes protestam, no Texas, contra o fim da proteção para os jovens da Daca
© EFE/Alberto Ponce de León/Direitos Reservados

Os jovens brasileiros beneficiários do programa Daca - Ação diferida para chegados na infância (livre tradução para Deferred Action for Childhood Arrivals) têm vivido na incerteza.

Isso porque o futuro do programa depende de um projeto de lei de imigração, que está em andamento no Congresso americano. O Daca acabou virando moeda de troca - o presidente Donald Trump promete mantê-lo somente se a construção do muro na fronteira do México não for impedida pela oposição Democrata. 

Manifestantes protestam, no Texas, contra o fim da proteção para os jovens da Daca

Manifestantes protestam, no Texas, contra o fim da proteção para os jovens da DacaEFE/Alberto Ponce de León/Direitos Reservados

O Senado dos Estados Unidos votou nessa segunda-feira (22) uma proposta de orçamento para encerrar a paralisação do governo federal. Os democratas aceitaram ao acordo depois de o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, ter prometido permitir que um projeto de lei sobre imigração seja votado no próximo mês, o que envolve os jovens do Daca, conhecidos como sonhadores.

A angústia da espera é agravada principalmente porque a maioria dos jovens beneficiários diz se sentir mais adaptado ao estilo, cultura norte-americana que brasileira, já que construíram seus planos para viverem nos Estados Unidos no país.

A Agência Brasil conversou com vários brasileiros beneficiários do programa.

Como Janaína Lemos*, de 24 anos, que é beneficiária desde que o programa foi iniciado em 2012, durante a gestão do ex-presidente Barack Obama. 

Ela chegou aos Estados Unidos com os pais com visto de turista, aos cinco anos de idade. A jovem fala português com certa dificuldade. "Sou muito mais americana que brasileira", afirma. 

Janaina mora em Atlanta e trabalha como técnica de audiometria, mas ainda não conseguiu entrar em uma faculdade. "Mesmo para quem tem Daca a faculdade é caríssima. Custa duas ou três vezes mais que para um residente permanente", conta. 

A permissão da jovem de permanecer nos EUA termina em março do ano que vem. Noiva de um americano, ela deve se casar em setembro, mas diz que isso não lhe deixa mais tranquila. "Eu tenho medo de meu processo de residência permanente demorar muito e não sair até o vencimento do meu Daca", diz. 

Ela diz que não quer viver novamente a experiência de não ter documentos. "Eu tinha 18 anos quando consegui o Daca, mas se fosse para eu ficar aqui sem papéis eu não ficaria. É muito ruim", afirma. "Eu teria voltado para o Brasil, mesmo sabendo das dificuldades que teria para me adaptar". 

Situação semelhante vive a família Souza* em Orlando, na Flórida. Marcos Souza chegou à Flórida quando o filho tinha 5 anos de idade. Hoje, o rapaz tem 25 anos e também usufrui do Daca.

"O Junior chegou aqui pequeno, ele nem sabia ler ainda em português. Ele estudou aqui e trabalha comigo na construção", diz Marcos Souza, que só tem mais um ano do benefício. O imigrante disse que a família espera que o governo Trump regulamente o Daca. 

"A gente fica ansioso, mas tem que viver um dia de cada vez. O Trump disse que não iria mexer no Daca, mas mandou a decisão para o Congresso". 

Provisório

O Daca foi criado na administração Obama, como uma solução temporária para jovens imigrantes com status irregular, que entraram no país quando eram menores de idade. Os beneficiários do Daca são autorizados a viver, estudar, trabalhar e dirigir temporariamente no país. Quem tem Daca tem direito também a um registro de Social Security (seguro social), um número de identificação semelhante ao CPF no Brasil. 

No total, 800 mil jovens têm o benefício, a maioria mexicanos e outros países hispânicos. Para ser aceito, o imigrante deve ter completado menos de 31 anos até o dia 15 de junho de 2012, e ter chegado aos Estados Unidos antes dos 16 anos. 

Desinformação 

A advogada de imigração da Flórida Carmen Arce disse à Agência Brasil que há muita desinformação sobre o programa.  

"Não é fácil conseguir o benefício. Nós temos vários clientes. Eles têm que provar que viveram aqui, que entraram antes da data-limite, tem que provar que concluíram ensino médio aqui", afirma. 

Há uma série de requisitos que devem ser cumpridos. Não pode ter acesso ao Daca, por exemplo, quem tenha cometido crimes ou infrações, e mesmo quem já tenha enfrentado um processo de deportação. 

Carmen Arce avalia que de um modo geral a população americana é a favor do programa. "O problema são os políticos e os legisladores que não conseguiram ainda chegar a um acordo. E o resultado é o sofrimento para milhares de jovens e famílias, que vivem aqui há décadas". 

A brasileira Maria Aparecida Andrade*, 29 anos, chegou aos Estados Unidos quase no limite da idade, aos 14 anos. Ela diz que desde o início do programa procurou um advogado para ver se conseguia acessar o benefício.

"Isso fez muita diferença na minha vida. Depois do high school [ensino médio], eu fui fazer cursos. Não consegui ainda fazer faculdade porque continua sendo caro”. 

Mesmo assim, ela diz que o Daca foi um "divisor de águas" e que não tem comparação viver com algum tipo de proteção e sem nenhuma. "Viver com medo, de dirigir, medo de trabalhar sem ter permissão e viver sem perspectiva de futuro é ruim demais", relata. 

Grávida de 4 meses, ela trabalha na limpeza de casas em Atlanta. Diz que não tem pretensão de voltar ao Brasil. "Minha vida é aqui. Eu vou construir minha família aqui e tudo o que quero está aqui."

Apesar das dificuldades e da incerteza, Maria Aparecida diz ter esperança. "Peço a Deus que tudo se resolva", diz.
 
Um tribunal de primeira instância determinou este mês que a proteção do programa seja mantida enquanto não há decisão da Suprema Corte sobre o caso e enquanto o Congresso não define o futuro do Daca. 

* Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.