Pesquisadores da Fiocruz identificam oito mutações no vírus da febre amarela
Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) identificaram oito mutações em sequências genéticas do vírus da febre amarela do surto de 2017, que estão associadas a proteínas envolvidas na replicação viral. A comprovação foi feita a partir dos primeiros sequenciamentos completos do genoma de amostras de dois macacos do tipo bugio encontrados em uma área de mata, no Espírito Santo, no fim de fevereiro deste ano. Para os cientistas, as alterações genéticas não comprometem a eficiência da vacina contra a doença, mas vão pesquisar se tornam o vírus mais agressivo.
Os estudos mostraram que os microrganismos pertencem ao subtipo genético conhecido como linhagem Sul Americana 1E, que segundo o IOC, é predominante no Brasil desde 2008.
Para o chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC, o pesquisador e um dos coordenadores do estudo, Ricardo Lourenço, a condição em que os macacos foram recolhidos para a retirada de amostras foi fundamental para a identificação. Um deles tinha morrido há pouco tempo e o outro ainda estava vivo, embora já prestes a morrer. “Eles não estavam em deterioração. Isso fez com que as partículas virais que estavam nos corpos deles pudessem ser detectadas porque não degradaram”, informou em entrevista à Agência Brasil.
Ricardo Lourenço acrescentou que os animais foram encontrados durante uma pesquisa de campo com auxílio de armadilhas para coletar mosquitos na região. “Na colocação das armadilhas no Espírito Santo, avisaram para nós que havia macacos morrendo no local. Já que estávamos lá colocando as armadilhas para coletar os mosquitos, estávamos preparados para examinar qualquer coisa e coletamos o sangue, tínhamos, inclusive, gelo seco para congelar as amostras”, revelou.
Vacina
A chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC, a pesquisadora e também coordenadora do estudo, Myrna Bonaldo, afastou qualquer possibilidade de a descoberta comprometer a eficácia da vacina contra a febre amarela. “Não muda. É uma vacina que já está sendo administrada há 80 anos e que é muito eficaz”, contou, completando que a alteração não está ocorrendo na principal proteína viral que são as proteínas da parte exterior do vírus e, por isso, não deve tornar o vírus menos imunogênico ou não.
“A vacina vai proteger certamente. Um exemplo disso é que, em qualquer lugar do mundo em que tem variantes do vírus de febre amarela, a vacina protege com a mesma eficácia, então, em princípio não muda nada”.
Agora, os estudos vão continuar para verificar de que forma a variação pode impactar na infecção em macacos, mosquitos e no homem. Outra pergunta que precisa ser respondida, de acordo com Myrna Bonaldo, é saber se as mudanças tornam o vírus mais agressivo, no sentido de infectar mais gravemente um hospedeiro, um vetor ou um mamífero. A pesquisadora apontou ainda que, até o momento, essas alterações não foram descritas em nenhum vírus de febre amarela, quer seja os vírus da África ou da América do Sul.
“Foi bem particular o resultado. Isso não quer dizer que este vírus seja mais agressivo e que poderia prejudicar mais as pessoas. Para ter uma ideia, vamos precisar levar este vírus para o laboratório e começar estudos bem básicos, tanto em infecção de células como também infecção em alguns modelos animais, como mosquitos”, completou.
A pesquisadora contou também que, desde 2000, tem ocorrido cada vez mais casos humanos de contaminação pelo vírus da febre amarela e, por isso, houve uma dispersão dos registros da doença, que pode ser decorrente da mudança ou de baixa cobertura vacinal, porque não era uma região suscetível à infecção por febre amarela. “De certa maneira houve uma dispersão dele na natureza, uma ampliação nas regiões em que ele começou a circular em macacos e em mosquitos silvestres e depois isso acabou atingindo o homem”, disse.
Myrna Bonaldo apontou que ainda somente após a confirmação de onde e quando ocorreram as mutações é que se pode verificar se há relação com desastres ambientais. “Esse é o momento da gente estudar várias amostras da epidemia atual, com associação com amostras antigas, para a gente poder rastrear onde ocorreram essas variações e como isso se dispersou em diferentes regiões aqui do Sudeste”, acrescentou.
Na visão da pesquisadora, os estudos vão contribuir também para a adoção de medidas de vigilância sanitária. “Vamos conhecer melhor toda a capacidade desse vírus circular no Brasil. Isso pode dar ferramentas preciosas para fazer a vigilância sanitária. Prever para não ter os piores casos. Vai dar armas para saber quais são áreas do Brasil que talvez tenham que ser priorizadas na hora em uma vacinação, ou não”, afirmou.