Investigação sobre atuação da Volkswagen na ditadura é inédita no país, diz MPF
A investigação do Ministério Público Federal (MPF) sobre a Volkswagen – pessoa jurídica de direito privado – como colaboradora do regime militar (1964-1985] e, portanto, responsável por violações de direitos humanos, é inédita no Brasil. Segundo o procurador responsável pelo caso, Pedro Machado, as investigações anteriores apuravam ações de agentes do Estado ou do próprio Estado. Nesse sentido, o procurador afirma que o caso é “paradigmático” para a Justiça brasileira no tema da memória e verdade.
“É uma questão difícil. Implica uma avaliação jurídica mais cautelosa. Existe uma questão que teremos de enfrentar, a questão da prescrição. Existe uma jurisprudência julgada pelo Superior Tribunal de Justiça considerando a imprescritibilidade [de tais ações], mas isso em face do Estado, em face de pessoa jurídica de direito privado não tem precedente. Não tem outro caso. Então, não sabemos como a Justiça vai se comportar”, disse o procurador, em entrevista à Agência Brasil.
Mais um relatório foi apresentado hoje (14) como parte das investigações que apuram a colaboração da Volkswagen com o regime militar. Desta vez, foi a própria montadora que divulgou os resultados de uma apuração interna feita pelo historiador alemão Christopher Kooper, feita a pedido da matriz da Volkswagen. A empresa, apoiada no documento, diz que não há responsabilidade institucional, pois não há prova documental que mostre uma colaboração formal. Os documentos enviados pelo Departamento de Segurança Industrial à polícia política seriam, portanto, uma iniciativa pessoal do chefe do setor, o oficial reformado Ademar Rudge.
O inquérito civil que investiga a Volkswagen no MPF foi iniciada após representação assinada pelas centrais sindicais brasileiras, sindicatos e ex-trabalhadores da empresa, em setembro de 2015. O pedido foi feito com base nas conclusões da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que indicam a colaboração da empresa com a repressão e casos de discriminação de trabalhadores com atuação sindical.
Outro relatório sobre o caso foi feito por Guaracy Mingardi, perito contratado pelo MPF. Acessando arquivos do Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops), ele identificou, por exemplo, comunicações feitas pelo setor de Segurança Industrial da empresa.
Entre as condutas da empresa investigada estão, por exemplo, permitir a prisão de funcionários no interior de suas unidades; de perseguir trabalhadores por atuação política e sindical, criando “listas negras” para impedir contratação desses profissionais; produzir informações para encaminhamento aos órgãos de repressão; colaborar financeiramente com o regime; e permitir práticas de tortura na sede da montadora.
Diligências
Pedro Machado disse que a investigação está em curso e que espera que o relatório da empresa contribua para a conclusão do inquérito. O procurador informou também que novas diligências investigatórias, inclusive com colaboração do Ministério Público da Alemanha, foram solicitadas ao Itamaraty. Segundo Machado, a partir desses dados, será avaliada a medida judicial cabível, caso não haja acordo no curso do inquérito.
Com os documentos que ainda serão juntados, o procurador espera, por exemplo, estabelecer se houve colaboração da Volkswagen com a Operação Bandeirantes (Oban). “Há notícias de várias publicações no Brasil de que algumas empresas colaboraram para montar essa infraestrutura da Operação Oban, e a Volks teria sido uma delas”, disse Machado. Criada em 1969 pelo regime militar, a Oban tinha o objetivo de investigar e reprmir grupos revolucionários existentes à época no país. A organização teve apoio de setores da sociedade civil, incluindo empresários, e caracterizou-se por arbitrariedades e violações de direitos fundamentais.
Ao falar sobre os relatórios, Machado disse que é prematuro avaliar o material colhido. “O relatório [do Guaracy Mingardi] dá muitas pistas de que havia uma colaboração intensa entre a Volks e o Deops, mas, quando se vai para o concreto, que ocorre é que os documentos começam a minguar”, apontou. Ele citou a chamada lista negra, que circulava entre fábricas para impedir a contratação de trabalhadores com atuação política ou sindical. “Você não tem muitos dados individuais, que digam: esse, aquele e aquele trabalhador deixaram de ser contratados”, exemplificou.