Memória deixada por Ziraldo vai além dos traços e personagens
Ziraldo, só o nome, sem sobrenome. Assim era a assinatura de um dos principais chargistas da história do país. Sua popularidade ia além das obras infantis, que marcam gerações.
Com sua partida, aos 91 anos, sua herança para o jornalismo brasileiro é preciosa, com seus traços que retratavam a dura realidade brasileira. Ziraldo usou seu humor contra a ditadura militar brasileira.
Começou a desenhar suas críticas à sociedade ainda jovem, no jornal Folha de Minas, na década de 1950. Mesmo jornal que publicou seu primeiro desenho, aos 6 anos. Passou pela revista Cruzeiro e Jornal do Brasil. Colecionou prêmios internacionais.
Em meio a repressão e a violência da ditadura, com os colegas Jaguar, Paulo de Tarso e Sérgio Cabral, fundou o semanário O Pasquim, em 1969. Um debochado experimento editorial crítico a ditadura.
O próprio Ziraldo comentou à TV Brasil, em entrevista sobre seus então 80 anos, em 2012, sobre como a ditadura tolerava o Pasquim.
"O Pasquim era uma coisa consentida. Por que que eles deixaram a gente ficar publicando? Porque eles pensavam que era melhor ter uma valvulzinha de escape, se não o pessoal... entende? Deixa fazer teatro, deixa fazer cinema novo. Pra poder distender. Hoje eu percebo isso", refletiu.
Tolerava até certo ponto. Toda redação do Pasquim foi presa logo após a edição do decreto do AI-5 - que endureceu a ditadura militar. Ziraldo foi preso três vezes nesse período. O amigo ator Antônio Pitanga, também em entrevista à TV Brasil, relembra uma dessas prisões.
"Antes da gente sentar à mesa, o Ziraldo tava trabalhando e chegou a polícia. Bate na porta... Ziraldo tem um rapaz, acho que um sargento, e diz 'Ziraldo, tem uma ordem de prender o senhor'. E o cara, quando vê o Ziraldo, quase que tremeu, de alegria. 'Sou fã do senhor, mas eu tenho que fazer esse serviço. Então vamos fazer o seguinte, o senhor janta, faz o que tem que fazer, depois o senhor desce e se apresenta'. Ele foi pro Forte de Copacabana", contou Pitanga.
Na década de 1990, Ziraldo tenta uma nova publicação, a revista Bundas, uma sátira a revista de entretenimento Caras, que acompanhava o famoso slogan: “Quem mostra a bunda em Caras não mostra a cara em Bundas". A revista não teve grande sucesso econômico, mas marcou uma época, como lembra o chargista Aroeira.
"Bundas foi um projeto que saiu da cabeça do Ziraldo, que nem Minerva saiu da coxa de Zeus. E ele chamou todo mundo, fez uma big reunião e me chamou. Trabalhar com Ziraldo foi o quê? Pessoal faz pós-graduação, pós-doutorado... foi meu pós-doutorado, eu acho", afirma.
No começo dos anos 2000, Ziraldo tenta retomar o velho Pasquim em uma nova edição, O Pasquim 21. Mas não teve o mesmo sucesso editorial e circulou poucos anos. Sua sobrinha, Adriana Lins, diretora do Instituto Ziraldo, fala do talento de comunicador do tio.
"Ele é um crítico de costumes, um crítico político, um observador, um cara curioso desde o dia que nasceu. Acho que ele conseguiu usar todo esse talento, de comunicador, a favor de todos nós", diz.
Com os novos caminhos da esquerda brasileira, Ziraldo se uniu ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), criando a logomarca da legenda, um sol sorrindo. O amigo e jornalista Milton Temer, lembra sua relação com a democracia.
Seu legado ao jornalismo é político, uma forte crítica social em defesa de uma sociedade democrática e diversa. Seus traços e cores ficam eternizados na memória brasileira.
* Matéria atualizada para inclusão de versão sonorizada