Órgãos públicos atuam contra violação de direitos de moradores de rua na Copa

Publicado em 11/06/2014 - 21:10 Por Helena Martins - Repórter da Agência Brasil - Brasília

Pessoas sendo acordadas, de madrugada, por jatos de água disparados por um caminhão; documentos confiscados; ameaças feitas por agentes públicos. Essas são algumas das situações que têm sido vividas por moradores em situação de rua de Salvador, conforme 18 relatos registrados pela Defensoria Pública do Estado (DPE), que moveu ação civil pública contra a prefeitura da capital baiana para impedir a prática da “higienização” das ruas da cidade.

A defensora Bethânia Ferreira, subcoordenadora da Defensoria Pública Especializada de Proteção aos Direitos Humanos e Itinerante da Bahia, afirma que as denúncias têm sido feitas desde a realização da Copa das Confederações, em 2013, mas se tornaram mais intensas às vésperas da Copa do Mundo. Ela conta que as ações contra os moradores teriam seguido a mesma rotina: “caminhões da prefeitura passavam à noite nos lugares onde pessoas em situação de rua dormiam, e essas pessoas eram acordadas com a solicitação de agentes públicos para que saíssem daquele lugar. Se elas não recolhessem suas coisas, papelão, colchão, esses pertences, inclusive roupas, documentos, eram jogados dentro do caminhão da empresa que presta serviço de limpeza para a prefeitura”.

Os depoimentos também constam em ofício encaminhado pelo órgão à Assembleia Legislativa da Bahia. No documento, os moradores, identificados pelas iniciais dos nomes, também relatam casos de violência física e, sobretudo, psicológica, como convites para que fossem levados para lugares distintos. De acordo com Bethânia Ferreira, parte dos relatos foi feita por pessoas que conseguiram fugir de instituições semelhantes a comunidades terapêuticas localizadas na Região Metropolitana de Salvador. Outros moradores, segundo a defensora, mudaram-se para bairros mais distantes dos pontos turísticos da capital por temerem violações.

Integrante do núcleo Bahia do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH), vinculado à secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), Veinilson Lima reforça que as denúncias aumentaram nos últimos meses. Questionado sobre a existência de provas das violações, ele explica que “o que a gente consegue são relatos de denúncias dos próprios moradores de rua. A gente não tem condições de registrar porque os próprios moradores têm medo disso”.

A Agência Brasil tentou entrar em contato com a Secretaria Municipal de Combate à Pobreza e Promoção Social (Semps) de Salvador, responsável pela abordagem à população de rua, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Em matéria publicada no site da prefeitura de Salvador, o governo municipal nega as denúncias e afirma que faz abordagem de cunho social e disponibiliza diversos programas sociais para a população de rua. Também destaca que amanhã (12) representantes da defensoria, da Semps, da Guarda Municipal, da Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (Limpurb), da DPE e do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) se reunirão para discutir a elaboração de um manual de abordagem à população de rua.

Em Porto Alegre, também haverá uma reunião nesta quinta-feira para analisar o trabalho de grupos compostos por integrantes de órgãos como a Defensoria e o Ministério Público que visitaram locais de maior fluxo de moradores em situação de rua na cidade com o intuito de apurar denúncias de práticas de violência. Embora os resultados ainda devam ser avaliados, a defensora Fernanda Hahn antecipou à Agência Brasil que “o que foi constatado é que muitos dos moradores que estavam no centro da cidade se deslocaram para uma região mais afastada do centro”. Isso ocorreu, de acordo com a defensora, devido ao medo ou pela prática de deslocamentos forçados.

A promotora de Justiça Liliane Dreyer Pastoriz, da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Porto Alegre, defende que “a população em situação de rua tem direito de viver na rua”. Em caso de políticas de realocação, os moradores devem ser consultados se desejam ou não buscar abrigo, um deslocamento não pode ocorrer sem consentimento, explica. Liliane Pastoriz também destaca que o Ministério Público integra a Patrulha dos Direitos Humanos, que tem colhido informações sobre possíveis violações, bem como sugestões para melhorar as políticas públicas voltadas à população.

Responsável institucional pela abordagem, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) de Porto Alegre diz que nenhum processo de higienização foi feito na cidade durante a preparação para a Copa do Mundo. De acordo com assessoria de comunicação da Fasc, também não haverá mudança na metodologia de acolhimento aos moradores durante o evento:  a abordagem continuará sendo feita em diálogo e respeitando a liberdade dessas pessoas, segundo avaliação do órgão. O número de equipes que fazem esse trabalho serão ampliadas para garantir direitos no Mundial, assim como o número de casas de albergue, por causa do inverno.

No Rio de Janeiro, conforme divulgado mais cedo, a preocupação com a população de rua também mobiliza o Ministério Público do estado. Uma vistoria do órgão constatou o aumento do número de pessoas no Abrigo Municipal Rio Acolhedor, que hoje chega a 463, embora a capacidade seja para 150.

Em Belo Horizonte, situações semelhantes foram registradas ao longo da preparação da cidade-sede. Em junho do ano passado, o CNDDH denunciou que os moradores vinham sendo alvos de abordagens violentas por parte de agentes públicos, durante a madrugada. “Nós queremos que as políticas públicas funcionem de fato. Para quem vive na rua, falta tudo: saúde, trabalho, serviço social e uma política de segurança pública que tenha uma abordagem humanizada”, defendeu o coordenador do Movimento Nacional de Pessoas em Situação de Rua, Maurício Pereira, em entrevista à Agência Brasil, durante o encontro que reuniu atingidos pela Copa.

Em todo o país, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) está engajado na defesa das pessoas em situação de rua. Na última semana de maio, a entidade realizou uma série de ações sobre o tema.

O conselho também produziu diretrizes de atuação para Copa do Mundo, entre as quais estão a recomendação para que membros do Ministério Público da União e dos ministérios públicos dos estados atuem de modo a “assegurar que os agentes públicos, no exercício de todas as atribuições com a população em situação de rua, primem suas condutas pela urbanidade e pelo absoluto respeito à dignidade da pessoa humana, sendo obrigatório que estejam identificados com o uso do crachá ou de outra forma de identificação funcional”; “assegurar a obtenção de documentos pessoais pelas pessoas em situação de rua” e “impedir a apreensão ilegal de documentos pessoais e bens pertencentes às pessoas em situação de rua”.

Edição: Luana Lourenço

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