Morte de missionária impulsionou melhorias na vida de assentados

Publicado em 12/02/2015 - 06:10 Por Paulo Victor Chagas – Enviado Especial da Agência Brasil - Anapu (PA)

Uma década depois do assassinato da missionária Dorothy Stang, camponeses do sudoeste do Pará avaliam que as condições no assentamento melhoraram com o passar dos anos. Houve um aumento da área destinada ao Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, e o número de famílias assentadas cresceu. Com a regularização dos lotes, os agricultores puderam receber auxílio financeiro.

Atualmente, 45 famílias vivem no Lote 55 onde irmã Dorothy foi assassinada a tiros em fevereiro de 2005. No mesmo mês de sua morte, a área foi incorporada ao PDS pelo governo federal. À época, a propriedade da área era reivindicada pelo fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado como mandante do crime.

A artesã Luzinete Sales complementa a renda da plantação de cacau feita pelo marido com a produção de bonecas para enfeite e sorvete (Tomaz Silva/Agência Brasil)

A artesã Luzinete Sales complementa a renda da plantação de cacau feita pelo marido com a produção de bonecas para enfeite e sorveteTomaz Silva/Agência Brasil

Luzinete dos Santos Sales, conhecida na região como Luzia, avalia que há dois anos, quando veio com o marido para o assentamento, a situação da família era mais difícil. “A gente está começando a plantar agora, mas já tem bastante coisa. No próximo ano, nosso cacau já vai começar a produzir. Mamão já tem bastante, tem cana, já tem macaxeira. E tem a minha hortinha ali atrás, com cebola, couve, o coentro.”

De acordo com Jaqueline Torres Carvalho, secretária da Associação Esperança, a produção média de cacau fica em 1,2 mil toneladas anuais, produzida por cerca de 200 famílias. “Não só cacau, a produtividade de banana é muito grande. Abastecemos parte do mercado de Imperatriz, Pacajá e Jacondá. Toda semana saem dois, três caminhões de banana para essa região.”

Ela conta que há moradores que já trabalham com licores, bananas industrializadas, além de geleias e bombons de cacau. Para Jaqueline, muitos avanços ocorreram na região nos últimos dez anos, mas a comunidade poderia se beneficiar mais, caso não precisasse de intermediários que acabam comprando por um preço menor do que o de mercado.

Uma das soluções para o problema é a criação de vilas para facilitar o acesso a serviços básicos e ao escoamento da produção. “Se a gente cria uma galinha, o carro já vem aqui, já compra”, compara Luzia, que mora próximo a uma vila em construção. O estabelecimento de casas na área comum do assentamento, de uma escola e de uma grande caixa d'água está sendo possível graças a essa vila.

Segundo Fábio Lourenço de Souza, presidente da Associação Agroecológica dos Trabalhadores Rurais da Comunidade Santo Antônio, conhecida com Agroeco, também estão sendo reservados espaços para um campo de futebol e um posto de saúde. “Esse ainda é um sonho”, diz.

>> Leia o especial completo sobre os 10 anos da morte de Dorothy Stang

Próximos ao PDS Esperança, outros projetos de assentamento também foram beneficiados após o assassinato da missionária. Quase 197 mil hectares estão destinados para a reforma agrária na cidade de Anapu e envolvem outro PDS, o Virola-Jatobá, além dos Projetos de Assentamento (PA) Grotão da Onça, Pilão Poente 1, 2 e 3, Anapuzinho e Anapu 3.

De acordo com a presidenta substituta do Incra, Érika Borges, a região tem capacidade para assentar 2,4 mil famílias, das quais cerca de 2,1 mil estão regularizadas.

Segundo a presidenta, R$ 14 milhões foram investidos nos últimos dois anos em infraestrutura para esses assentamentos, como estradas e captação de água. Todas as famílias são atendidas por serviços de assistência técnica, informou. “As famílias agora, pela assistência técnica, vão entrar num fluxo muito grande de acesso a diversas modalidades de crédito. E agora a gente está fechando uma parceria para manejo florestal nos assentamentos. Aí a gente vai com processo muito profissional que vai dinamizar economia das famílias”, anunciou.

Anapu - Agricultor assentado e presidente da Associação Agroeco, no PDS Esperança, Fábio Lorenço de Souza (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Para o presidente da Associação Agroecológica dos Trabalhadores Rurais da Comunidade Santo Antônio (Agroeco), Fábio Lourenço, muitos avanços só foram possíveis a partir da união dos assentadosTomaz Silva/Agência Brasil

Para o presidente da Agroeco, muitos avanços só foram possíveis depois de movimentos promovidos pelos próprios assentados. É o caso da mobilização para a construção de uma cerca com o objetivo de proteger o assentamento em janeiro de 2011. Desde 2009, uma invasão de madeireiros na área destinada ao projeto promoveu um aumento da extração ilegal. Por conta própria, os assentados decidiram cercar a entrada do PDS até que a segurança do local fosse garantida.

“[No início] Doze trabalhadores, mulheres e tudo fecharam a estrada. 'Não passa ninguém aqui que tem cheiro de madeira. Passa o povo, passa carro particular, sim. Mas madeira, daqui não passa'”, relembra Jane Dwyer, da congregação de Notre Dame de Namur.

Segundo ela, o bloqueio ocorreu após inúmeras denúncias, feitas desde 2009, sobre a situação. No acampamento levantado em uma estrada de terra próximo à mata, os moradores se mantiveram debaixo de chuva, dormindo em pé e às vezes se escondendo na mata e sofrendo ameaças, segundo relatos.

Somente em agosto, a primeira guarita foi instalada na entrada do PDS Esperança. Hoje, o local funciona 24 horas por dia com a presença de quatro vigilantes que se revesam. Em outro acesso ao PDS, uma nova guarita também foi construída.

“Muitas coisas avançaram, devido à pressão das famílias, que a partir da morte [da irmã Dorothy] foi uma reação de fortalecimento, o pessoal, uns se intimidaram e foram embora, mas outros resistiram e se fortaleceram”, explica.

Para Nilmário Miranda, ex-ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, a cada morte brutal ocorrida no Brasil, pequenos avanços foram sendo conquistados. “Essas mortes, infelizmente, precisam ocorrer para poder impulsionar determinadas políticas de proteção e avanços de direitos humanos”, avalia. Para ele, a morte de Dorothy não foi em vão – referindo-se ao aumento da presença do Estado na região.

O procurador do Ministério Público Federal no Pará Felício Pontes, que acompanha a situação da região há 18 anos, avalia que a morte da irmã Dorothy foi um marco para a segurança e o sistema de justiça do município de Anapu.

“Anapu só vai começar a ter um efetivo de polícia, um Ministério Público, e tudo, e juizado mais atuante, após a morte dela”, confirma Pontes. Um posto avançado do Incra foi instalado na cidade um ano após o assassinato da missionária. Uma terceira superintendência do órgão foi criada no Pará, no município de Santarém, ainda em 2005.

Em 2014, o Tribunal de Justiça do Pará instalou a Comarca de Anapu, já que antes os moradores dependiam do atendimento judiciário do município vizinho Pacajá. A cidade também vivenciou uma mudança demográfica saltando de 9,4 mil habitantes no Censo de 2000 para 20,5 mil no Censo de 2010.

“Quem está colocando arroz, feijão, limão, laranja, banana aqui nesta cidade é o PDS. Principalmente esse aqui [Esperança], porque a terra é melhor”, avalia a missionária Jane Dwyer.



Assassinato de Dorothy Stang completa dez anos

Edição: Lílian Beraldo

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