Famílias removidas da Vila Autódromo querem indenização da prefeitura do Rio

Pelo menos 120 famílias pretendem entrar com processo contra a

Publicado em 28/06/2016 - 06:03 Por Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

Rio de Janeiro - Moradores do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, fazem assembleia para discutir os problemas de finalização na obra dos apartamentos em que foram realoc

Rio de Janeiro - Moradores do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, fazem assembleia para discutir os problemas de finalização na obra dos apartamentos em que foram realocados pela prefeituraTomaz Silva/Agência Brasil

Das cerca de 400 famílias que saíram da Vila Autódromo e trocaram suas casas por um apartamento no condomínio Parque Carioca, na Estrada dos Bandeirantes, zona oeste da cidade, pelo menos 120 pretendem entrar com processo contra a prefeitura para receber uma indenização pelos imóveis derrubados. Os moradores da Vila Autódromo foram removidos para a construção do Parque Olímpico.

Um deles é o eletrotécnico Orlando Santos que não considera justa a negociação feita com a prefeitura. Segundo ele, não houve negociação no processo, e sim uma imposição sem alternativa para boa parte das famílias que aceitaram o programa do Minha Casa, Minha Vida. Apesar de as parcelas estarem sendo pagas pela prefeitura, a dívida de R$ 77 mil está no nome dos moradores e há um compromisso de permanecer no imóvel até 2024.

Rio de Janeiro - O eletrotécnico Orlando Santos, morador do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, critica os problemas de finalização de obra nos apartamentos (Tomaz Silv

Rio de Janeiro - O eletrotécnico Orlando Santos, morador do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, critica os problemas de finalização de obra nos apartamentos Tomaz Silva/Agência Brasil

“Estamos pedindo indenização desapropriatória pelas nossas residências porque, com a indenização, iremos decidir se queremos quitar o apartamento ou assumir de fato a dívida. É uma decisão que cabe a nós tomar, e não o município tomar por nós. Da forma como foi feito, é como se eles tivessem nos amordaçando. Eles nos tiraram a possibilidade de decisão, dentro de um estado democrático e nos impondo à força: 'vocês vão ficar ali, nós vamos pegar a sua residência e a dívida vai ficar no seu nome, não é no meu'”.

Orlando afirma que a quitinete em que morava valia pelo menos R$ 250 mil e que outras pessoas chegaram a negociar o valor de R$ 400 mil em um imóvel do mesmo tamanho que o dele.

>> Leia as matérias da série Vida Removida: a luta pela permanência na Vila Autódromo

A cozinheira Maria de Fátima Alves da Silva diz que a “briga” foi longa e que as condições de negociação foram mudadas diversas vezes. “Antes não falavam nada, só que tinha que sair. Daí falaram que [a indenização] ia ser R$ 20 mil, veio a briga, depois falaram que tinha que ser o apartamento, depois falaram ou apartamento ou dinheiro, depois teve indenização e apartamento. Sempre mudavam o que eles falavam. Teve gente que tinha casa grande, de dois andares e terreno enorme e ganhou só um apartamento de dois quartos, os que vieram depois trocaram uma quitinete por indenização e apartamento de três quartos”.

Rio de Janeiro - A dona de casa Sônia Maria da Silva moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, fala sobre os problemas de seu apartamento (Tomaz Silva/Agência Bra

Rio de Janeiro - A dona de casa Sônia Maria da Silva moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, fala sobre os problemas de seu apartamento Tomaz Silva/Agência Brasil

A dona de casa Sônia Maria da Silva não ficou satisfeita com a troca. “Perguntaram pra gente se preferia o apartamento ou dinheiro, mas que seria melhor o apartamento porque o dinheiro seria muito pouco. O certo seria ter ganhado um dinheirinho a mais. Teve gente que saiu depois que pegou apartamento de três quartos e dinheiro, e tinha casa só de madeira. A minha era toda na cerâmica e não ganhei nada”.

A prefeitura não comentou as diferenças de valores informados pelos ex-moradores e informou apenas que “aqueles que não aceitaram o apartamento do Parque Carioca puderam optar por indenização”.

Projeto modelo

Rio de Janeiro - Escombros da Vila Autódromo e o Parque Olímpico no fundo (Akemi Nitahara/Agência Brasil)

Rio de Janeiro - Escombros da Vila Autódromo e o Parque Olímpico no fundo Akemi Nitahara/Agência Brasil

Antes das remoções começarem, em março de 2014, um grupo de apoiadores elaborou o Plano de Desenvolvimento Urbano, Econômico, Social e Cultural da Vila Autódromo, levando em conta que o local é designado pela Lei Complementar 74/2005 como área de especial de interesse social para fim de moradia.

Participaram do projeto o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ) e o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense (Nephu/UFF). A coordenadora do núcleo, Regina Bienenstein, explica que o trabalho foi feito em parceria com os moradores e respeitava as casas existentes.

“Daria para urbanizar e fazer o acesso [aos Jogos Olímpicos]. Nós mantemos a ocupação da orla com o cuidado de manter a faixa marginal de 15 metros na beira da lagoa, então algumas famílias teriam que ser reassentadas. Outra faixa era baixa com condições de alagamento que pioraram com o aterro que fizeram no Rock in Rio. Na nossa proposta, a gente iria refazer aquela quadra mais baixa, aproveitando para aumentar a densidade, com prédios de quatro andares e sobrados, cada família escolheria”.

Segundo a professora, a estimativa de custo para urbanizar o local para 450 famílias era de R$ 13 milhões e os gastos da prefeitura com as remoções e indenizações ultrapassou R$ 200 milhões. O projeto também contemplava um espaço cultural, uma creche comunitária e um horto aproveitando as árvores existentes.

Moradora da Vila Autódromo há 25 anos, a acupunturista Sandra Maria de Souza é uma das que resistiu até o fim. Ela lembra que o projeto ganhou o primeiro lugar no prêmio internacional de urbanismo Urban Age Award do banco alemão Deutsche Bank, em 2013. “O projeto é premiado internacionalmente, participou de um concurso com 170 projetos e ficou em primeiro lugar. É um projeto reconhecidamente bom, que supria todas as nossas necessidades de infraestrutura e de moradia com dignidade.”

O defensor João Helvécio lembra que o projeto alternativo foi levado à prefeitura. “Nunca houve diálogo, a prefeitura nunca respondeu, nunca aceitou discutir a implantação desse plano. A defensoria protocolou, fez todas as gestões para que o plano fosse aplicado. A equipe técnica que ficou responsável pelo acompanhamento do plano, a cada vez que o município derrubava uma casa, construía algo do projeto olímpico ou viário, os técnicos atualizavam a planta, os dados, os números. Foram cinco alterações desde 2012”.

Perguntada sobre o projeto das universidades, a prefeitura do Rio de Janeiro se limitou a dizer que apresentou um plano de urbanização às famílias no último dia 8 de março que consiste em derrubar todas as casas e construir uma vila padronizada. A prefeitura diz ainda que o projeto foi discutido com as famílias remanescentes e assinado no dia 13 de abril.



Vida removida: a luta pela permanência na Vila Autódromo

Edição: Lílian Beraldo

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