Conselho de Direitos Humanos aprova resolução em repúdio ao Escola sem Partido

Publicado em 30/08/2017 - 17:40 Por Helena Martins - Repórter da Agência Brasil - Brasília

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão colegiado composto por representantes do Estado e de organizações da sociedade civil, editou resolução em que manifesta “repúdio” a iniciativas de restrição da discussão sobre a vida política, nacional ou internacional, e também relativa a gênero e sexualidade nas escolas do país. O posicionamento foi aprovado por consenso pelos integrantes do Conselho, em reunião presencial realizada na última semana.

Com a medida, o CNDH estabelece um contraponto ao chamado movimento Escola sem Partido, que tem fomentado a aprovação de legislações em estados e municípios. Um dos exemplos dessa proposta é o Projeto de Lei (PL) 867, que tramita Câmara dos Deputados desde 2015. O texto propõe que sejam vedadas, em “sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.

O movimento Escola sem Partido foi fundado em 2004 pelo procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib. Em 2014, ganhou força quando se transformou no Projeto de Lei 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj). O movimento é contrário ao que chama de “doutrinação ideológica” nas escolas e disponibilizou modelos de projetos de lei, estadual e municipal, a fim de que a iniciativa fosse replicada em outros locais do país. Nos últimos anos, essa perspectiva ganhou espaço no debate público, e gerou polêmica entre a comunidade escolar.

A posição do CNDH acompanha a da Organização das Nações Unidas (ONU), que em abril deste ano recomendou que o governo brasileiro tome atitudes necessárias para conduzir uma revisão dos projetos de lei (PLs) que expressam as diretrizes do Escola sem Partido”. Baseado na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras regras, o CNDH aponta que o direito à educação deve ser assegurado e que o Estado deve buscar garantir o direito à igualdade e à não-discriminação.               

Tendo em vista que é no período escolar que muitas crianças e adolescentes começam a manifestar suas diversas formas de sexualidade, podendo sofrer preconceitos por isso, o silenciamento da escola sobre temas de gênero e sexualidade poderá gerar permanência da violência, em vez do combate à discriminação, avalia o órgão. Diante disso, “a censura a assuntos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero constitui grave obstáculo ao direito fundamental de acesso e permanência de crianças e adolescentes na escola, pois contribui para um ambiente hostil no qual as diferenças não são respeitadas, dificultando o aprendizado e o processo de socialização”.

A resolução também demonstra a preocupação do conselho com a disponibilização, em sites na internet, de modelos de notificação extrajudicial que ameaçam processar diretores e professores que abordem conteúdos sobre gênero e sexualidade nas escolas. O órgão destaca que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) fixa que o ensino será ministrado com base em princípios como a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e o “respeito à liberdade e apreço à tolerância”.

Entendimento do STF

A resolução do CNDH sugere ainda que o Conselho Nacional da Educação (CNE) “efetivamente esclareça a todos os gestores e instituições pertencentes ao sistema" sobre a inconstitucionalidade de duas iniciativas que objeto de ações que trataram de leis aprovadas no estado de Alagoas e no município de Paranaguá (PR).

No primeiro caso, a lei criava o programa “Escola Livre”, que vedava “a prática de doutrinação política e ideológica, bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões político-partidárias, religiosa ou filosófica”. No segundo, proibia o ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas de Paranaguá. Ambas as iniciativas foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que as considerou inconstitucionais. No caso da legislação alagoana, o STF destacou que a supressão de temas das salas de aula desfavorece o pleno desenvolvimento da pessoa, além de ir de encontro à proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

Escola sem Partido

Para o fundador do movimento Escola sem Partido, o procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib, “a proposta do movimento Escola Sem Partido não restringe a discussão científica de nenhuma questão; até mesmo as questões de gênero podem e, na minha opinião, devem ser discutidas cientificamente”, por meio da apresentação de teorias diversas sobre o tema. O que o projeto busca evitar, segundo ele, é “adotar dogmatismo” ou “doutrinação”. "O que não se pode fazer, por exemplo, é vestir criança com roupa de menina, constranger menino a brincar de boneca. Isso não é ciência, é manipulação de comportamento”, opina. Na avaliação dele, crianças ainda não estão formadas para fazer uma leitura crítica de discussões controversas.

Nagib é também um dos autores dos exemplos de notificação extrajudicial citados na resolução do CNDH. Para ele, o instrumento possibilita que um pai que se sentir lesado pelo ensino ofertado ao filho na escola possa notificar o professor para que ele saiba que a conduta em sala de aula poderá resultar em processo. De acordo com o procurador, a proposta está baseada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tem peso de lei no Brasil. O artigo 12 da convenção dispõe que: “os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções”.

Questionado sobre como compatibilizar perspectivas individuais em uma escola pública, por exemplo, onde há opiniões heterogêneas, ele aponta que, nesses casos, “a única solução para o professor é se abster de tratar de convicções religiosas e morais, deixando esses assuntos a cargo da família”, defende.

Edição: Amanda Cieglinski

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