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Despoluição de rios é desafio para cidades paulistas

Rio Jundiaí voltou a ter peixes; Rio Pinheiros deve ser limpo até 2022
Ludmilla Souza – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 15/12/2019 - 18:11
São Paulo
Testes com dois barcos coletores de resíduos flutuantes, os chamados Ecoboats, no rio Pinheiros, em São Paulo.
© Rovena Rosa/Agência Brasil

O governo de São Paulo anunciou no início deste mês investimentos de R$ 2,5 bilhões para obras de saneamento, incluindo infraestrutura de saneamento, na bacia do Rio Pinheiros. Os financiamentos permitirão a execução de obras rumo à universalização da oferta de água e do sistema de esgoto nas regiões de maior vulnerabilidade social, impactando diretamente na despoluição dos principais rios da metrópole.

Na ocasião foi anunciada a assinatura dos quatro primeiros contratos com as empresas que estão iniciando parte dos pacotes de obras do Novo Rio Pinheiros, o programa que prevê intervenções de saneamento e socioambientais com o objetivo de devolver o Rio Pinheiros limpo à população até 2022.

“Os investimentos englobam os rios Pinheiros e Tietê. Nosso compromisso prioritário é despoluir o Rio Pinheiros e entregá-lo limpo à população da cidade de São Paulo até dezembro de 2022. O Rio Tietê é mais complexo, vai levar um período mais longo para ser despoluído, mas o trabalho é contínuo”, afirmou o governador João Doria, no dia da assinatura dos contratos.

Exemplo do interior

Enquanto na capital a despoluição do Rio Pinheiros ainda está em andamento, a 60 km da metrópole, em Jundiaí, o rio que dá nome à cidade vem passando por uma transformação importante nos últimos 30 anos. O rio – que já foi enquadrado na classe 4 (quase morto) – hoje tem peixes e é considerado classe 3, quando as águas podem ser destinadas ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado.

A classificação, normatizada pela Resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), segue uma escala de 1 a 4 - quanto menor o número, mais rígida é a fiscalização e, por consequência, a penalidade pelo descumprimento das leis.

De acordo com o diretor da Companhia Saneamento de Jundiaí (CSJ), Luiz Pannuti Carra, o trabalho de despoluição do Rio Jundiaí foi um longo processo que começou em 1984. “No começo dos anos 1980, o Rio Jundiaí era mais poluído que o Rio Tietê, nessa época, um jornalista da cidade [Jayme Martins] desafiou os candidatos a prefeito a incluir a limpeza do rio na sua plataforma de campanha”, afirmou.

O desafio acabou provocando a criação do Comitê de Estudos e Recuperação do Rio Jundiaí (CERJU), em 1983. A entidade trabalhou em várias frentes para a recuperação do rio.

“O CERJU arrecadava dinheiro das entidades e decidia conjuntamente aplicar dinheiro em canalizações e em tratamento. Esse comitê foi muito importante, foi o trabalho conjunto de muitas pessoas por muitos anos. O comitê já acabou, mas o trabalho de limpeza continua e é um trabalho para sempre”, disse Carra.

O diretor da Companhia de Saneamento de Jundiaí explica que o trabalho de despoluição depende das características locais dos municípios. “O básico é canalizar o esgoto das cidades até a estação de tratamento e fazer um tratamento do esgoto, você pode fazer estações maiores ou menores, existe uma variedade econômica do tratamento, conforme a característica do esgoto. O importante é fazer um estudo e ver qual se adequa mais a sua situação local, não existe uma solução para todos e também tem uma questão estrutural”.

Em Jundiaí, segundo ele, foi encontrada uma solução mista com apoio do Departamento de Água e Esgoto SA (DAE), uma empresa municipal, que faz o fornecimento de água tratada e coleta o esgoto em conjunto com a CSJ, a concessionária responsável pelo tratamento do esgoto gerado pela cidade, incluindo indústrias e comércio. Atualmente, a cidade tem três Estações de Tratamento de Esgoto, nos bairros Jardim Novo Horizonte, São José e Fernandes.

“Essa empresa construiu a Estação de Tratamento de Esgoto de Jundiaí (ETEJ) que, por muito tempo, foi a maior no interior de São Paulo. Essa estação vem operando desde 1998 e, em cinco anos, já tivemos uma surpresa bem interessante que foi a volta do peixe jundiá ao rio, uma espécie de bagre”.

Com 123 quilômetros de extensão, sendo 28 km dentro da cidade, o Rio Jundiaí tem seu nome originado do tupi e vem da palavra “jundiá”, que significa “bagre” e “y” significa “rio”. A bacia tem uma área de 1114 km². O Jundiaí nasce em Mairiporã, passa por Atibaia, Campo Limpo, Várzea Paulista, Jundiaí, Itupeva, Indaiatuba e Salto, desaguando no Rio Tietê.

O exemplo fez outras cidades que compõem a bacia também tratarem seus esgotos. “Em 2013, Várzea Paulista e Campo Limpo começaram a tratar. A cidade de Indaiatuba está terminando uma expansão da sua ETE e tudo isso culminou que, em 2017, o Rio Jundiaí foi promovido oficialmente para a classe 3, uma coisa muita boa que já permite captar água potável para abastecimento urbano”, comemorou Carra.

Segundo o diretor da CSJ, o trabalho não para. “O rio já tem vários peixes, ainda não é um rio para nadar, mas é um rio que dá para se orgulhar, é um trabalho que não para, ainda tem tratamento para fazer”, analisou.

ETE também gera compostagem

Além de devolver água tratada ao curso do rio, a ETEJ também transforma o lodo de esgoto gerado em material rico em matéria orgânica e nutrientes e por isso apresenta grande potencial de utilização na agricultura, como fertilizante orgânico.

“O resíduo do tratamento do esgoto é transformado em fertilizante, isso é uma iniciativa bem interessante e sustentável, veja que só de resíduos nós retiramos cerca de 5 mil toneladas por mês. Como temos uma colaboração com as indústrias e acompanhamos de perto para certificar que não tenham metais e componentes tóxicos, nós conseguirmos transformar esse resíduo todo em fertilizante de uso seguro na agricultura, isso acaba fechando ciclo de reciclagem”, explicou Carra.

Saneamento do Rio Pinheiros

Testes com dois barcos coletores de resíduos flutuantes, os chamados Ecoboats, no rio Pinheiros, em São Paulo.
Testes barcos coletores de resíduos flutuantes no Rio Pinheiros - Rovena Rosa/Arquivo Agência Brasil

As obras e ações iniciais do Novo Rio Pinheiros estão divididas em 14 lotes, que somam R$ 1,5 bilhão em investimentos. As obras vão beneficiar cerca de 3,3 milhões de pessoas que moram em locais abrangidos pela bacia do Rio Pinheiros, uma área de 271 km² que inclui bairros nos municípios de São Paulo, Embu das Artes e Taboão da Serra.

De acordo com informações da Sabesp, por meio da implantação de interceptores, redes coletoras e ligações, entre outras medidas, a iniciativa vai elevar o tratamento de esgoto na região dos atuais 4.600 litros por segundo para 7.400 l/s em 2022. O Programa Novo Rio Pinheiros contempla ainda ações de desassoreamento, coleta e destinação dos resíduos sólidos, revitalização das margens e educação ambiental.

A presidente da Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESabesp), Viviana Borges, acredita que a meta de despoluir o Rio Pinheiros até 2022 pode ser cumprida. “Vejo que o momento de consciência sobre a importância do saneamento na vida das pessoas parte de algo como o Programa Novo Rio Pinheiros. Investir num projeto deste porte em tão curto prazo é algo ousado e mostra a disposição do governo em chamar a atenção da população sobre a questão do saneamento”.

Na visão da engenheira especialista em saneamento básico, o programa também é uma forma de despertar a população para rever hábitos e necessidades básicas. “Todos precisamos de ruas limpas, sem lixo jogado pelas janelas que com as chuvas são carregados, entupindo as bocas de lobo e causando caos no trânsito e nas calçadas. Ainda há o agravante de casas e comércios que não têm seus esgotos ligados nas redes existentes em suas ruas. E todo esse lixo vai chegar nos grandes rios e deixá-los poluídos”, explicou.

“Vemos uma oportunidade de presentear a cidade de São Paulo com um rio limpo graças a um grande investimento em saneamento feito com os recursos de empresas públicas, uma ação conjunta entre prefeitura, Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE) e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), contando com a articulação do Estado", completou.

Opinião semelhante tem o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental Seção São Paulo (ABES-SP), Márcio Gonçalves. Para ele, os contratos de performance são uma ótima alternativa para o Programa Novo Pinheiros. “Este modelo visa trazer mais agilidade, um olhar de execução dos serviços de forma mais rápida. Os envolvidos no projeto ganham por performance, ou seja, tem que performar um escopo e esse escopo traz um resultado, isso é muito positivo porque é uma relação ganha-ganha”.

Para o engenheiro, o prazo prometido é adequado. “Até 2022 é possível despoluir o rio, já que esses contratos visam o resultado, ele é factível de acontecer. A sociedade paulista poderá ver uma grande ação de despoluição do Rio Pinheiros, mas é preciso que a população esteja envolvida na questão da coleta do lixo, assim como os órgãos devem trabalhar com a comunidade para buscar a coleta adequada do lixo, porque também é importante, não só a coleta do esgoto, como também a destinação adequado ao resíduo sólido”, ressaltou.