Corte internacional condena Brasil pela Chacina de Acari em 1990
O Estado Brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo desaparecimento forçado de onze jovens negros, moradores da Favela de Acari, zona norte do Rio de Janeiro.
O caso, que ficou conhecido como Chacina de Acari, ocorreu em julho de 1990. Na ocasião, homens encapuzados, ligados a um grupo de extermínio, invadiram casas, sequestraram e sumiram com os jovens. A condenação apontou falhas nas investigações sobre o desaparecimento e também dos assassinatos de duas mães que lideravam os esforços para exigir justiça.
A Corte condenou o Brasil pela omissão em investigar com seriedade os crimes, incluindo aspectos como violência sexual contra algumas vítimas, e reconheceu o impacto devastador na integridade dos familiares, em especial das Mães de Acari.
O país foi responsabilizado por violações aos direitos à vida, liberdade pessoal, integridade pessoal e reconhecimento da personalidade jurídica, compromissos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e na Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.
A sentença inclui, ainda, condenação por violar os direitos das crianças.
Para Aline Leite de Souza, irmã de Cristiane Leite de Souza, uma das desaparecidas, a decisão é um marco histórico não só para o processo, mas para a história brasileira.
"Nós estamos há anos na corte interamericana de direitos humanos e ontem foi um dia emblemático. Eu vejo, para o Brasil, como uma maneira de estar revertendendo essa história, reescrevendo essa história"
Aline diz esperar que agora o país de fato assuma a responsabilidade do caso e faça a devida reparação para os familiares das vítimas.
" A gente não precisaria passar por uma Corte Interamericana de Direitos Humanos se o Brasil já se considerasse responsável pelo caso. A gente tem que entender que foi uma violência de gênero, um caso de racismo, um caso de desaparecimento forçado, porque eles foram retirados de um sítio em Magé e nunca mais apareceram, entre crianças, mulheres, adolescentes."
O presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, Carlos Nicodemos, avalia que a sentença da Corte deve impactar as políticas públicas de proteção dos direitos humanos no país, especialmente de grupos vulneráveis.
"O caso Mães de Acari aponta a necessidade do Estado brasileiro buscar políticas públicas que efetivem direitos em relação a temas como desaparecimento forçado, a violência contra crianças e adolescentes, a violência nas comunidades, o tema da memória, além de outras questões."
Como reparação, a Corte determina que o país investigue o desaparecimento forçado dos onze jovens, reconheça publicamente a responsabilidade, além da emissão de certidão de óbitos das vítimas, apoio médico e psicológico aos familiares e criação de um espaço de memória. Também foi determinado o pagamento de indenizações, a inclusão da tipificação do crime de desaparecimento forçado na lei brasileira e a elaboração de estudo sobre atuação de milícias e grupos de extermínio do Rio de Janeiro.
Em nota o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que a sentença é recebida com atenção e respeito a memória das vítimas e familiares e manifestou compromisso em trabalhar com o estado do Rio de Janeiro para a implementação integral da decisão, que chamou de histórica. A nota destacou que a condenação simboliza um passo importante na luta contra a impunidade e na construção de um Brasil que respeite os direitos humanos de maneira plena. Em cumprimento a sentença o Ministério publicou a decisão em seu site oficial.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro disse que acompanha o caso desde o início, dando todo suporte necessário para as famílias, inclusive apoio para correção e emissão de certidão de óbitos para as vítimas. A nota diz ainda que a Secretaria elabora uma proposta de regulamentação de lei estadual para possibilitar o pagamento de indenizações.