Coluna - Em busca de horizonte

Mizael Conrado fala de cenário e desafios do paradesporto pós-pandemia

Publicado em 08/06/2020 - 16:06 Por Lincoln Chaves - Repórter da TV Brasil e da Rádio Nacional - São Paulo

O novo coronavírus (covid-19) segue impactando o movimento paralímpico mesmo após o adiamento dos Jogos de Tóquio (Japão) para o ano que vem. Com a pandemia ainda sem controle, e o estado (e a cidade) de São Paulo ocupando o epicentro da doença no país, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) prorrogou "por tempo indeterminado" o fechamento do Centro de Treinamento Paralímpico, iniciamente previsto para terminar na última sexta-feira (5). Segundo o presidente do CPB, Mizael Conrado, menos de 5% dos mais de 300 funcionários do comitê estão trabalhando in loco há quase três meses. Ele próprio, deficiente visual devido a uma catarata congênita, é uma dessas exceções.

Há previsão de reabertura? "Horizonte não existe. É tudo muito incerto. Temos evitado de falar em qualquer tipo de prognóstico para não criar expectativa nos atletas que, naturalmente, já estão angustiados com essa situação", reconhece Conrado, embora garanta que o protocolo para o retorno às atividades esteja definido. "É completo, um documento amplo, de aproximadamente 70 páginas. Ele envolve uma série de procedimentos, como a quantidade de pessoas treinando ao mesmo tempo, higienização, formato de alimentação, uma permanência 24 horas por dia dos atletas nas instalações do CT... São vários aspectos", detalha.

Mizael Conrado, presidente do CPB/2017
Segundo  Mizael Conrado, menos de 5% dos mais de 300 funcionários do CPB vêm trabalhando in loco, nos últimos três meses - DanielZappe/MPIX/CPB/Direitos reservados

Vale lembrar que o governador de São Paulo, João Doria, condicionou a retomada de atividades não essenciais a situação de cada região do estado de São Paulo no enfrentamento do vírus. As regiões têm sido avaliadas em cinco fases, com maior flexibilização à medida que se avança de etapa. A capital paulista, onde fica o CT, está na chamada fase dois, que permite a reabertura de concessionárias, escritórios e shoppings, com restrições. A reabertura de academias esportivas, a princípio, consta somente na fase quatro.

O dirigente conversou com a Agência Brasil por cerca de 20 minutos. Na entrevista, avaliou que a realização da Olimpíada e da Paralimpíada de Tóquio (Japão) estarão sob ameaça, mesmo após o adiamento dos Jogos, se a vacina contra a covid-19 não for desenvolvida até o fim do ano. Detalhou, também, o "Movimente-se", uma plataforma de videoaulas com exercícios físicos voltados a pessoas com deficiência, atletas ou não. Por fim, analisou o cenário do paradesporto no país em virtude da pandemia e o papel do CPB no processo.

Agência Brasil: O comitê anunciou o fechamento do CT para treinamentos em meados de março. Como tem sido esse período de quarentena?
Mizael Conrado: É um momento desafiador. A gente busca alternativas para entender o momento e criar caminhos para superar a crise, mas com todos os cuidados. Usando máscara, passando álcool em gel, fazendo tudo que é necessário, com segurança para não se expor e não expor os demais. Não temos nem 5% das pessoas [que trabalham] aqui. Basicamente, só aquelas pessoas que são estritamente necessárias para desenvolver as tarefas que temos que fazer. A maioria delas atuando em home-office. Todo mundo que é possível trabalhar assim, está fazendo.

Agência Brasil: A gente tem visto federações e clubes anunciarem protocolos para retomada das atividades. O CPB já tem esse protocolo definido para o CT?
Conrado: Sim, já temos um protocolo. O doutor Hesojy [Gley, médico do CPB] foi o líder desse processo. É um protocolo completo, um documento amplo, de aproximadamente 70 páginas, estabelecendo todos os requisitos de segurança. Esse protocolo vai ser submetido às autoridades municipais e estaduais para que a gente vá acompanhando. O cenário muda todo dia. Um dia vai ter lockdown, outro dia é abertura... É um momento de incerteza e de muita falta de horizonte. A única coisa que dá para fazer é exatamente nos prepararmos para voltar [às atividades] quando for permitido e possível. É um documento que a gente entende que garante a segurança dos atletas, técnicos e todos envolvidos nessa operação. Ele envolve uma série de procedimentos, como a quantidade de pessoas treinando ao mesmo tempo, higienização, formato de alimentação, uma permanência 24 horas por dia dos atletas nas instalações do CT... São vários aspectos. A gente está, também, no processo de aquisição de uma quantidade muito significativa de testes, exatamente para que possamos fazer o controle.

Agência Brasil: E já existe uma expectativa de quando será possível retomar as atividades?
Conrado: Não. Horizonte não existe. É tudo muito incerto. Temos evitado falar em qualquer tipo de prognóstico para não criar expectativa nos atletas que, naturalmente, já estão angustiados com essa situação.

Agência Brasil: Durante essa pandemia, temos visto agremiações esportivas dispensarem atletas por falta de recursos, e até projetos serem encerrados. No paradesporto, teve o caso do Vasco, tradicional em modalidades como futebol de 7, natação e vôlei sentado. O CPB tem sido procurado pelos clubes e associações que trabalham no segmento, no sentido, realmente, de pedirem ajuda a vocês?
Conrado: Temos sido procurados no sentido de dialogar com relação às perspectivas de volta, de retorno, com relação às possibilidades, ao horizonte... Os clubes paralímpicos têm uma característica diferente dos clubes olímpicos, que são condições já bastantes modestas. A gente tem alguns pilares. Por exemplo, o alto rendimento está garantido com as confederações, o paralimpismo através do CPB, mas a questão dos clubes, a gente realmente precisa avançar e garantir uma forma de financiamento da atividade clubística paralímpica brasileira. Realmente, é uma necessidade que a gente tem. Na verdade, essa pandemia é mais um problema, mas os nossos clubes, infelizmente, no dia a dia, enfrentam dificuldade de falta de recurso. Então para eles, infelizmente, isso não é novidade. Agora, permanece uma prioridade nossa trabalhar para que esses clubes também possam ter financiamento para suas atividades. Não tenho dúvidas que a consolidação do movimento clubístico paralímpico vai representar mais um salto no desenvolvimento do nosso esporte.

Agência Brasil: O comitê tem condição de fornecer esse apoio?
Conrado: A questão da Lei Piva [legislação que garante repasse de recursos públicos para fomento do esporte] é muito específica. Então, o CPB realiza competições e financia, por meio da descentralização de recursos, as atividades das confederações. Basicamente, a gente não consegue apoiar os clubes financeiramente. O que vamos buscar trabalhar e intensificar é a busca de alternativas criativas, que possam representar receitas a esses clubes. Agora, infelizmente, nem possibilidade jurídica e nem possibilidade financeira, porque a gente tem uma base quase mil clubes paralímpicos no Brasil e seria impossível que o CPB conseguisse resolver todos os problemas financeiros do segmento clubístico.

Agência Brasil: Em 2018, o CPB atualizou o planejamento estratégico para os ciclos dos Jogos de Tóquio e Paris (França), em 2024, tanto em termos de resultados, como de governança. Com a pandemia, vocês já sabem se o planejamento terá que ser alterado?
Conrado: A gente se faz essa pergunta todo dia e ainda não tem resposta. Não temos como fazer qualquer tipo de revisão de plano estratégico porque ainda não temos horizonte. O pessoal do departamento técnico, que trabalha com treinamento, com o que é fundamental para conquista de medalhas, nos cobra isso, mas não é possível estabelecer qualquer tipo de planejamento sem ter ideia de quando voltaremos. O pessoal aqui já fez esboço de cinco calendários. Se a gente continuar, o número de alterações vai quebrar recorde, porque ninguém tem condição de prever nada. O dia que tivermos ideia de reabertura, de volta das atividades e da força de trabalho, aí vamos partir para um novo planejamento.

Edição: Cláudia Soares Rodrigues

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