Doutora em Educação, Iracema Nascimento atua por diversidade na escola
No último episódio do podcast Ciência: Mulheres negras dão tom trazemos Iracema Nascimento, professora doutora da USP - Universidade de São Paulo, que tem toda uma trajetória em instituições públicas, desde a pré-escola até o doutorado e hoje atua na formação de professores buscando recuperar os conhecimentos dos povos ancestrais que foram apagados ou considerados inferiores pela cultura eurocentrada.
"O que eu costumo dizer é que a pretensa universalidade eurocentrada ela é muito redutora, ela reduziu a formação de todos nós porque ela escondeu, ocultou, muitos saberes e conhecimentos. Então todo esse trabalho de recuperação da contribuição de pessoas negras, que já partiram e das pessoas em atividade atualmente em todas as áreas do conhecimento, vai trazer uma ampliação, um enriquecimento de repertório para pessoas de quaisquer pertencimentos étnico-raciais, não só pessoas negras, isso significa uma ampliação da ciência, uma qualificação e complexificação da produção científica e tecnológica"
Este ano a professora lançou o livro Gestão da Educação - Coordenação do trabalho coletivo na escola. A obra trata de questões históricas políticas e pedagógicas relacionadas a gestão escolar de um modo simples, direcionada especialmente às pessoas que vão ser futuros gestores nas escolas.
O livro tem um diferencial em comparação a tantos outros materiais relacionados à gestão da educação. É que nele tem um capítulo específico sobre desigualdades, diferenças e diversidade. Assim a pesquisadora apresenta um caminho para o enfrentamento das desigualdades e das discriminações na escola e de promoção das diferenças e da diversidade.
O podcast Ciência: Mulheres Negras dão o tom é um produto original da Radioagência Nacional, feito especialmente para celebrar o Novembro Negro. Nos cinco episódios desse podcast, que podem ser ouvidos nas plataformas de áudio, nós trouxemos histórias de mulheres negras que foram fundamentais para o desenvolvimento da ciência no Brasil. algumas nos deixaram muito precocemente. Seus legados se misturam com as histórias e contribuições das nossas entrevistadas, em uma espécie de continuum intelectual negro.
Assim também lembramos da trajetória de Enedina Alves, a primeira engenheira negra do Brasil; Maria da Glória, doutora e professora de geologia; Virginia Leone Bicudo, figura central no desenvolvimento da psicanílise do Brasil; Nicea Amauro, química e doutora em Ciências. E Lélia Gonzalez, precursora do feminismo afro latino americano. Foi uma honra relembrar e contar essas histórias.
Episódio 5 – Iracema Nascimento - Diversidade e luta anti-racista
FRAN: Neste mês de novembro a Radioagência Nacional traz histórias de mulheres negras incríveis que contribuem para a pesquisa nacional nas mais diversas áreas de conhecimento e ainda atuam na luta por Direitos Humanos e contra o racismo.
BEATRIZ: Eu sou Beatriz Arcoverde, jornalista negra e vamos falar, aqui, de mulheres potentes.
FRAN: Eu sou Fran de Paula, também uma jornalista negra. Juntas, nós conversamos com 5 pesquisadoras que dão o tom nas suas áreas de atuação.
VINHETA: Ciência: Mulheres negras dão o tom🎶
FRAN: Quando a gente pensa em ciência no Brasil, em pesquisa científica, na produção de conhecimento e inovação, estamos falando, em muito, de um trabalho que é realizado nos campi das universidades públicas e institutos federais espalhados pelo país.
BEATRIZ: Um levantamento divulgado em 2019, mostrou que 60% de toda pesquisa realizada no Brasil, entre 2013 e 2018, estava concentrada em 15 universidades Federais e estaduais. Uma das consequências dessa alta produção científica é a porcentagem de pedidos de patentes de invenção que saem das instituições de ensino superior: quase 25% de todos os pedidos depositados no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa porcentagem não chegava a 5%.
SOBE SOM🎶
FRAN: A carreira de cientista permite a atuação em centros de estudo, em consultorias, empresas e ONGs. No entanto, na pesquisa, e na escolha das entrevistadas para este podcast, ficou muito evidente que as nossas pesquisadoras e pesquisadores estão é nas instituições de ensino mesmo.
BEATRIZ: E esse caminho começa a ser traçado já na graduação, com projetos e bolsas de iniciação científica.
IRACEMA: Eu sempre fui muito estudiosa dedicada, na universidade, no curso pelo menos né, eu fui uma das poucas pessoas que participou de iniciação científica. Não estou destacando isso apenas como um mérito pessoal. Isso é um problema que até hoje nós temos, que é a maior parte das pessoas que fazem ensino superior não tem a oportunidade de fazer iniciação científica, que é a primeira porta, né, para a formação de cientistas no país. Mas eu tive, felizmente, essa oportunidade.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Quem está falando é a Iracema Nascimento.
IRACEMA: Eu sou Iracema Santos do Nascimento, doutora pela Universidade de São Paulo, onde eu sou professora na graduação e na pós-graduação na Faculdade de Educação.
SOBE SOM🎶
FRAN: Iracema se formou em Comunicação na Unesp, a Universidade Estadual de São Paulo, no início da década de 90. E, desde 2019, é professora e pesquisadora na USP. As duas universidades lideravam o ranking no levantamento que citamos no início deste episódio, com mais de 100 mil trabalhos publicados no período analisado.
BEATRIZ: Assim como nossas outras entrevistadas, Iracema sempre se deu muito bem na escola. Era como se ali fosse mesmo o seu lugar.
IRACEMA: Bom, então, eu tenho uma trajetória escolar bem linear. Muito afeita a escola, desde muito pequena, que tive nenhuma dependência ou reprovação. Fiz a minha escolaridade básica, a partir dos cinco anos, na pré-escola, até o ensino médio, assim, sem nenhuma interrupção. Eu atribuo isso ao fato de que eu tenho dois irmãos mais velhos do que eu, sou filha de imigrantes alagoanos, nascida na periferia da zona sul de São Paulo, no Jardim São Luiz, região do Campo Limpo, numa família simples. Uma família que não passou necessidade, mas uma família pobre, simples, da periferia de São Paulo. E tendo dois irmãos mais velhos do que eu, eu tinha muita curiosidade pela escola, né, naquela época nós não tínhamos, por exemplo, livros de literatura em casa a não ser os livros obrigatórios que os meus irmãos precisavam ler por causa da escola. Então, eu tinha muita curiosidade pelo material escolar, pela escola, pelos livros, né? E, enfim, sempre então fui uma aluna, a chamada aluna fácil da escola, né? Aquela aluna que é aceita a escola como ela é né?
SOBE SOM🎶
FRAN: Ela conta que os pais, embora tenham baixa escolaridade, sempre incentivaram os estudos. Se não conseguiam acompanhar o conteúdo, acompanhavam todo o processo, perguntando sobre lições, indo às reuniões, conferindo boletins... mais nova de dois irmãos que não eram, assim, tão afeitos à escola, tinha sobre si grandes expectativas. O que, hoje, sabe ser algo positivo.
IRACEMA: As expectativas sobre mim, tanto da escola, né, das professoras, da equipe gestora, é, também quanto dos meus pais, eram mais altas. E isso eu sei que é algo que, hoje em dia as pesquisas mostram, que termina sendo uma influência positiva para a vida escolar das crianças, quando os adultos depositam sobre as crianças boas expectativas, né, com relação ao desempenho escolar. Então, hoje em dia, olhando para trás, como uma pessoa de pesquisa educação, eu sei que isso me favoreceu. Né, o ensino fundamental, no bairro onde eu vivia, eu sempre fui boa aluna, tirava boas notas, né, então, ou seja, a queridinha dos professores e professoras. Eu gosto de reforçar que isso é uma marca da escola, a escola, o professorado tende a dar mais atenção a e aos estudantes que gostam da escola, que se dedicam mais. O que é ruim, né? Porque aquelas pessoas que não se adaptam à escola, terminam ficando de lado.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Iracema não ficou de lado. Foi por incentivo de uma professora que foi estudar fora do bairro onde morava. Permitindo que novas possibilidades fossem sonhadas. Uma bolsa em cursinho pré-vestibular pavimentou ainda mais o caminho. E a Comunicação foi a escolha.
IRACEMA: Eu sempre gostei muito de escrever e escrevia bem, né, naquelas atividades escolares e também, ah, me expressava muito bem. Isso já no ensino fundamental, né? No primeiro grau, tinha uma professora, Dona Terezinha, da quinta à oitava série tive a mesma professora de língua portuguesa, que trabalhava muito com comunicação e expressão e eu me dava bem nisso. Teatro, jornal falado, enfim, mas eu tinha muitos interesses. Principalmente no segundo grau, né, no ensino médio, quando a gente começa a discutir mais essa questão de carreira, eu tinha muitos interesses, que passavam por estatística, meteorologia, letras e assim por diante. No final das contas, meu pai tinha um sonho, desde muito cedo, ele queria que eu fosse professora. E eu terminei prestando o vestibular para pedagogia na Unicamp, onde não havia Jornalismo, e resolvi prestar jornalismo na USP e na Unesp, cujo o curso fica em Bauru. Eu descobri a Unesp nos materiais de divulgação dos cursinhos, né? Não sabia que existia universidade pública, assim, fora da cidade de São Paulo. Eu passei para segunda fase da Fuvest, mas não fui aprovada, né, no final passei em pedagogia na Unicamp e um jornalismo na Unesp. Só prestei universidades públicas. E acredito que pra contrariar meu pai, também para poder sair de casa, eu resolvi fazer Comunicação Social Jornalismo em Bauru.
FRAN: Uma escolha que parecia óbvia.
IRACEMA: Depois de um tempo, quando eu já estava lá cursando, eu encontrei uma colega do primeiro grau ainda, e daí quando ela soube que eu estava fazendo jornalismo, ela me disse assim, “que bom que você tá fazendo curso que você queria”. E eu não me lembrava que eu quisesse cursar jornalismo, desde aquele momento. Eu disse “eu, é mesmo? Eu queria esse curso?” Ela falou “sim, desde a época da 7ª série que você escrevia pro Jornal mural da escola, você falava que tinha interesse em jornalismo”. Então isso foi muito interessante, mas eu gostaria de destacar que embora eu tenha começado a trabalhar como estagiária, né, em rádio, no jornalismo, já no primeiro ano da faculdade, eu descobri durante a faculdade que meu interesse nunca foi um jornalismo, né? O meu interesse era a comunicação de organizações e movimentos sociais e logo, com isso, eu me encontrei com a educação popular e percebi que o meu ingresso na comunicação já tinha a ver com educação, porque a comunicação está na base da interlocução humana, né? Que por sua vez está na base da educação.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: O caminho para a educação, que era o sonho do seu pai, foi acontecendo de uma forma natural.
IRACEMA: Desde a graduação eu me envolvi em questões de educação por meio de projetos de extensão e também pelo ativismo político. Enquanto eu estava na faculdade, eu ingressei na Comissão Pastoral da Terra. Fui até coordenadora da região de Bauru da CPT. E isso me levou a participar de encontros da Comissão Pastoral da Terra, encontro dos níveis estadual, de nível nacional, onde a gente passava por formação política. Formação política que tinha como base metodológica a educação popular. Paulo Freire é um autor que eu conheço dessa época, ou seja, de 30 anos atrás. Então já tinha uma ligação com educação popular. Depois que eu me formei, eu ingressei no Centro Paula Souza, que é o órgão do Governo do Estado de São Paulo responsável pelo ensino técnico e tecnológico, né? Eu entrei para trabalhar na assessoria de comunicação desse órgão. Mas então, desde 1994, que eu trabalho profissionalmente com comunicação na área de educação. E eu continuei, né, passei por organizações não-governamentais. Nesse meio tempo, eu queria fazer doutorado, não tinha bem certeza de que, tinha certeza que seria no campo da Educação, na área da Educação, mas não tinha certeza sobre o campo, assim, a temática, enfim.
SOBE SOM🎶
FRAN: O doutorado veio aos 40, com o desejo de aprofundamento. É a tal da veia científica que falamos nos outros episódios.
IRACEMA: Em 2012 quando eu completo 40 anos eu decido que eu precisava ir para o doutorado e me aprofundar na área da educação, eu sentia necessidade de um aprofundamento. E aí então que eu presto o processo seletivo no doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, fui aprovada. À época, eu trabalhava, já há quase 10 anos, na Campanha Nacional pelo Direito à Educação. No meio do curso do doutorado, em 2014, eu percebi eu não ia conseguir concluir o doutorado com a qualidade que eu queria, que eu desejava, trabalhando um tempo integral, né? Então eu decidi, é, deixar aquele trabalho que eu tinha, pra me dedicar exclusivamente a pesquisa, né, e lógico, fazendo alguns trabalhos esporádicos pra conseguir sobreviver. Aí percebi, fazendo doutorado, que queria me tornar professora.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: A entrada na USP como professora efetiva acontece em 2019. Pesquisadora em políticas e gestão educacional, percebe um que a área se dedica pouco às questões de diversidade e raciais, de modo geral. E essa questão passa a ser o seu objeto de estudo.
IRACEMA: Inclusive eu crio um grupo denominado e Ijoba Moyãmi, grupo de pesquisa sobre política e gestão educacional e diferença e diversidade. Ijoba é uma palavra em língua Yorubá, que significa governo e Moyãmi é uma palavra em língua Yanomami que significa prudente, cuidadoso, inteligente. E, ao longo desse percurso, eu vou entrando em contato com a perspectiva do pensamento decolonial, que propõe uma virada de chave, em todas as áreas do conhecimento, mostrando como o projeto colonial moderno, que envolveu as invasões dos territórios americanos, né, e em outros partes do mundo, pela Europa, como esse projeto colonial moderno, um dos sustentáculos desse projeto, foi criar a inferioridade intelectual, humana mesmo, né, da população desses territórios invadidos, e realizar o apagamento das produções intelectuais, científicas, culturais, das manifestações religiosas, desses grupos populacionais. Então os estudos da colonialidade e da decolonialidade fazem essa crítica de modo muito contundente e se propõe, em todas as áreas do conhecimento, a recuperar a autoria e a produção intelectual de povos que foram subalternizados. Essa é uma perspectiva que eu alio à perspectiva marxista, né, nos estudos das políticas e gestão educacional, e que estamos ainda em início, né. O grupo Ijoba Moyãmi é um grupo recém-nascido. Eu sou orientadora de mestrado e doutorado desde 2021, apenas, então, até hoje não cheguei a concluir nenhuma orientação. E nós, do grupo, os estudantes, né, estamos construindo esse caminho, né, amadurecendo essa perspectiva, essa abordagem.
SOBE SOM🎶
FRAN: Pensar novas abordagens sobre o Brasil e as nossas questões foi também o que fez Lélia Gonzalez. Intelectual, ativista, professora e filósofa, Lélia cunhou a categoria “amefricanidade”.
BEATRIZ: Segundo ela, a amefricanidade “trata-se de um olhar novo e criativo no enfoque da formação histórico-cultural do Brasil”. Lélia propõe o “amefricanos”, para designar todos nós, em contraposição ao “americanos”, que aponta para uma reprodução, mesmo que inconsciente, da posição imperialista dos Estados Unidos, que afirmam ser “a américa”.
FRAN: Ela se perguntava: quanto a nós, negros, como podemos atingir uma consciência efetiva de nós mesmos, enquanto descendentes de africanos, se permanecemos presos a uma linguagem racista?
BEATRIZ: Ela afirma ainda que as implicações políticas e culturais da categoria de amefricanidade são democráticas, exatamente porque o termo permite ultrapassar as limitações territoriais, linguísticas e ideológicas. E continua: a categoria incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural, que é afrocentrada. Assim, a amefricanidade nos encaminha no sentido da construção de toda uma identidade étnica.
FRAN: Essa é apenas uma da vasta contribuição de Lélia, uma das principais intelectuais do século 20. O artigo sobre amefricanidade foi publicado em 1988, quase 40 anos atrás. Mas que ainda carrega uma atualidade e um certo quê de novidade, visto que os referenciais que temos ainda são outros.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Nesse sentido, o trabalho de Iracema, ao fazer ciência trazendo outras perspectivas e referências, em um ambiente que ainda preza por um tipo de intelectualidade, muito voltada para o ocidente e para os colonizadores, é, sim, dar continuidade ao que Lélia propôs. Mesmo sem ter tudo esses referenciais quando foi aluna.
IRACEMA: Eu ingressei na universidade em 1990, é, na turma do diurno, né? De 50 pessoas na turma, só havia duas pessoas negras, eu e uma outra colega, da turma de jornalismo do período vespertino. Acredito que a noite também não, não tinha muito mais do que isso, e, de modo geral, tinha algumas poucas pessoas negras nos outros cursos. É, algo muito distante da diversidade que a gente vê hoje nas universidades públicas brasileiras. É interessante destacar também, hoje olhando para trás, né, a gente vê, eu vejo que o fato de ter poucas pessoas negras no espaço também fazia com que houvesse pouco ou praticamente nenhum debate sobre o assunto, sobre as relações raciais. Eu mesma não me lembro de ter tido, de ter participado de alguma atividade pública, ainda que fosse alguma reunião de um grupo, que tratasse do assunto. Embora com a minha colega, que é a minha amiga e minha irmã até hoje, a outra pessoa negra, embora a gente conversasse.
SOBE SOM🎶
FRAN: Não dá para ignorar a mudança e a transformação que vieram com um maior acesso das negras e negros nas universidades. Tanto como alunos, quanto como professores. A professora Iracema encontra uma universidade bem diferente da encontrada pela estudante Iracema.
IRACEMA: É muito bom, para nós, que somos pessoas negras aí nessa faixa etária de 50 anos, que frequentamos a universidade, sobretudo a universidade pública, em uma época onde havia baixíssima presença de pessoas negras. Hoje a gente perceber, nas nossas universidades, onde atuamos, uma presença muito maior de estudantes negras e negros no ensino superior. E esses estudantes, eles vêm de um engajamento de cursinhos populares preparatórios para o Enem ou para vestibulares, esses cursinhos já dão um laço de discussão política, e essa discussão a discussão das relações sociais, né, a discussão sobre o mito da democracia racial no Brasil, está na pauta do dia, né? Então, essas discussões acontecem na educação básica, por mais que se pense silenciar, essas discussões e explodiram, vieram à tona.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Iracema relaciona essa mudança nos alunos que chegam nas universidades à lei 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB, e incluiu o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar. Lélia já dizia que o racismo estabelece uma hierarquia racial e cultural, opondo a “superioridade”, entre aspas, com a “inferioridade” negro-africana. Inferioridade também entre aspas. Iracema vai pelo mesmo caminho.
IRACEMA: O que eu costumo dizer é que a pretensa universalidade eurocentrada, ela é muito redutora. Ela reduziu a formação de todos nós, porque ela escondeu, ocultou, muitos saberes e conhecimentos. Então, todo esse trabalho de recuperação da contribuição de pessoas negras, que já partiram, e das pessoas em atividade atualmente, em todas as áreas do conhecimento, vai trazer uma ampliação, um enriquecimento de repertório para pessoas de quaisquer pertencimentos étnico-raciais, não só pessoas negras. Isso significa uma ampliação da ciência, uma qualificação e complexificação da produção científica e tecnológica, né, no Brasil. Então, na verdade, em todas as áreas do conhecimento e na educação também, estudantes negras e negros na graduação, na pós-graduação e também os docentes, vêm se questionando sobre a busca de novas fontes, novas referências, que possam nos subsidiar na implementação da DCNEREs, que se voltam também para o ensino superior. Então, na área de educação, a gente passa a buscar referências de autorias negras, com uma outra perspectiva, e outras perguntas, portanto, e que possam subsidiar novas pesquisas, em todos os campos. Então, esse tem sido um movimento muito, é, muito frutífero, muito produtivo, que já está contribuindo para uma melhor formação e para uma ampliação de repertório cultural de todas as pessoas, não só das pessoas negras.
SOBE SOM🎶
FRAN: Este ano, Iracema lançou o livro Gestão da Educação - a coordenação do trabalho coletivo na escola. A obra trata de questões históricas, políticas, pedagógicas relacionadas à gestão escolar de um modo simples, direcionada especialmente às pessoas que vão ser futuros gestores nas escolas.
BEATRIZ: O livro tem um diferencial em relação a tantos outros materiais relacionados à gestão da educação. É que nele tem um capítulo específico sobre desigualdades, diferenças e diversidade. Assim, a pesquisadora apresenta um caminho para o enfrentamento das desigualdades e das discriminações na escola e de promoção das diferenças e da diversidade.
IRACEMA: O que acontece é que, é, sobretudo quando se diz respeito ao racismo, muitas vezes as pessoas brancas afirmam, professoras, professores, que não sabem lidar com a situação. E normalmente recorrem à professora negra, ao professor negro. Isso é muito ruim, porque o racismo não é um problema das pessoas negras. O racismo é um problema grave que estrutura a sociedade brasileira e que, portanto, é problema de todas as pessoas, de quaisquer pertencimentos étnico-raciais. Então, pensando no público para o qual o livro é voltado, né, a pessoa que ocupa um cargo ou função de gestão escolar, diretor, coordenador pedagógico, assistente de direção, é, ela tem não só o dever ético de enfrentar as desigualdades que assolam a sociedade brasileira, e o racismo é uma dessas mais graves desigualdades, como essas pessoas também têm o dever legal, né, porque o enfrentamento do racismo está definido na Constituição Brasileira e na LDB, que é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que é a lei maior da educação no Brasil.
SOBE SOM🎶
FRAN: Iracema, como tantos cientistas, contou com o apoio dos professores. Hoje, ela atua na formação de novos professores, tendo a luta antirracista e da diversidade como meta para uma escola mais acolhedora e com a responsabilidade de mostrar aos estudantes que podem sonhar e conquistar objetivos.
BEATRIZ: Nos cinco episódios desse podcast, nós trouxemos histórias de mulheres negras que foram fundamentais para o desenvolvimento da ciência no Brasil. Algumas nos deixaram muito precocemente. Seus legados se misturam com as histórias e contribuições das nossas entrevistadas, em uma espécie de continuum intelectual negro. Enedina Alves, a primeira engenheira negra do Brasil. Maria da Glória, doutora e professora de Geologia. Virgínia Leone Bicudo, figura central no desenvolvimento da psicanálise no Brasil. Nicea Amauro, química e doutora em Ciências. E Lélia Gonzalez, precursora do feminismo afro-latino-americano.
BEATRIZ E FRAN: Foi uma honra caminhar com essas mulheres e contar essas histórias.
FRAN: Gostou do conteúdo? Comente e avalie nas plataformas de áudio. E confira os outros podcasts da Radioagência Nacional, como Imprensa Negra no Brasil, Histórias Raras, Crianças Sabidas e 50 Anos do Hip Hop.
BEATRIZ: A produção, a entrevista, roteiro, apresentação, montagem e edição foram feitas a quatro mãos, por mim, Beatriz Arcoverde, e pela Fran de Paula. A sonorização é minha e de Jaime Batista. Cibele Tenório gravou a vinheta. Gravação de áudio e entrevistas, Jaime Batista. A arte, com Caroline Ramos. Interpretação em libras, da equipe de tradução da EBC.
SOBE SOM🎶
Apresentação, produção, entrevistas, roteiro, edição e montagem |
Beatriz Arcoverde e Fran de Paula |
Sonorização | Beatriz Arcoverde e Jaime Batista |
Voz da Vinheta | Cibele Tenório |
Arte | Caroline Ramos |
Interpretação em Libras: | Equipe EBC |
Implementação na web:: | Beatriz Arcoverde e Lincoln Araújo |