Debate na USP critica marco temporal em demarcações de terras indígenas
Com a proximidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar ações que podem influenciar a demarcação de terras indígenas em todo o país, representantes de povos indígenas, quilombolas e professores debateram hoje (8) na Universidade de São Paulo (USP) sobre a possibilidade da adoção da tese do Marco Temporal nos julgamentos, segundo a qual só teriam direito à terra os povos que estivessem no local em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. A maioria dos participantes argumenta que a tese irá prejudicar os povos.
No próximo dia 16, os ministros da Corte irão decidir sobre ações envolvendo o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci (RR e MT).
Para o professor e membro da Comissão Guarani Yvyrupa, o marco temporal não leva em consideração que comunidades indígenas foram expulsas de seu território durante a ditadura militar. “Hoje nós debatemos com essa questão, de ter papel para terra garantia do nosso território”, disse o professor, que participou do debate na Faculdade de Direito da USP e dá aulas na aldeia de Palhelheiros.
Morador do Quilombo de Ivaporunduva, em Eldorado, no Vale do Ribeira em São Paulo, o advogado da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Oriel Rodrigues de Moraes, argumenta que a tese do Marco Temporal significa “não vamos dar terra para negros”. “O STF vai explicitar seu racismo através de seus votos contra a gente, mas ainda esperamos que tenhamos votos favoráveis para discutir a questão dos quilombos”, afirmou.
Antropóloga e docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Manuela Carneiro da Cunha, ressaltou que um dos argumentos de quem defende o marco temporal é que “se não colocar um limite de tempo, os indígenas podem até ficar com Copacabana”, referindo-se ao famoso bairro do Rio de Janeiro. “Esse argumento desconhece completamente a realidade dos fatos, isso nunca vai acontecer porque os índios estão reclamando é de terras que eles ocupavam e ocupam, é isso que está sendo pedido”.
A professora considera o marco temporal incoerente. “A ideia do marco temporal é absurda porque desconhece toda uma tradição jurídica, inclusive constitucional de 1934 pelo menos, que garante as terras aos índios. Em nenhum lugar se disse que a Constituição de 1988 vai reconhecer esses direitos. Esses direitos preexistem, não tem sentido agora, dizer que só quem estava em 1988”.
Em julho, a Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou que todos os órgãos do governo federal deverão adotar o entendimento do Marco Temporal - firmado no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima - nos processos de demarcação de terras indígenas.
No último dia 19, o presidente Michel Temer assinou um parecer para balizar o entendimento dos órgãos envolvidos nas demarcações, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), e diminuir os conflitos fundiários envolvendo áreas indígenas. As regras serão aplicadas somente nas demarcações que ainda estão em andamento.
Moderador do debate, o jurista e docente da Faculdade de Direito da USP Samuel Barbosa acredita que a tese trará consequências para os povos indígenas e ainda favorece a grilagem de terras. “Aceitar a tese do marco temporal significa praticamente anistiar uma grilagem que existiu no passado já que muitos povos não ocupam as áreas porque foram removidos forçadamente no passado”.
Para ele, a pior consequência será a extinção dos povos indígenas. “O destino do povo que não ganhar a terra é a extinção física e cultural dos povos indígenas, isso vai contra o projeto da Constituição. O índio não é um resquício do passado que vai ser assimilado à nação, o indígena é uma forma de vida tradicional com direito ao futuro”.
O evento na USP foi organizado pelo Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da faculdade, que apoia a mobilização da Apib e da (Conaq) e contou com a participação de defensores dos direitos indígenas e quilombolas, juristas, professores e estudantes. Até o dia do julgamento, indígenas farão atos para pedir que o STF não adote a tese.