Helena Meirelles, artista livre, pioneira da viola caipira no Brasil
A história centenária da violeira Helena Meirelles dava um livro. Ela nasceu numa fazenda em meio ao pantanal sul-mato-grossense, em agosto de 1924. Cresceu numa família de músicos habilidosos, e com menos de dez anos, num tempo que mulher nenhuma tocava instrumento, aprendeu às escondidas e de forma autodidata a dedilhar a viola caipira.
Pioneira e destemida, Helena era compositora e multi-instrumentista. Enfrentou a resistência da família e da sociedade machista dos anos 1950 e 1960, e levou viola e talento para tocar com sua palheta feita de chifre de boi em tudo quanto é lugar: em bailes de roça, nos bordéis da região, nos barracões de chão de terra com teto feito de folha de acuri.
Parteira e rezadeira, teve 11 filhos, abandonou marido que a proibia de tocar e foi dada por desaparecida pela família por 33 anos.
Sobrinho da violeira, o também violeiro Milton Araújo, hoje com 61 anos, conheceu a tia quando ela reapareceu, e ele já tinha 23 anos. Dali por diante, Milton seria diretor musical da tia Helena por nove anos.
Ele conta que ela era bicho brabo, exigente e que a cada show fazia questão de não repetir os dedilhados das composições.
“As mulheres não podiam tocar. E a Helena desafiou toda uma família, uma sociedade toda, e, apesar das ameaças de cortarem até os dedos dela, ela disse que tocaria com os tocos dos dedos. Então, ela assumiu isso e se tornou uma grande solista de viola, com o repertório de cultura boiadeira, fronteiriça”.
Aos 67 anos, Helena fez sua estreia em um teatro e logo começou a gravar discos. Em 1993, foi classificada pela revista americana Guitar Player como uma das 100 melhores instrumentistas do mundo.
No seu centenário, a violeira pantaneira que viveu até 2005 permanece abrindo caminho para mulheres que tocam viola caipira. A instrumentista Leticia Leal faz parte da nova geração de violeiras brasileiras que se inspiram e têm como maior referência o legado de Helena Meirelles.
“O som da Helena é único, porque ela conseguia trazer pro som dela a história de vida, do que ela tinha ao redor dela, lá no Mato Grosso. E é uma música que tem, por mais que seja instrumental, você percebe que ela tem uma história, uma conversa ali dentro, de perguntas e respostas. E isso faz com que a música fique interessante. E ela criava isso. E isso é muito de um artista que é muito livre”.
A produtora cultural Barbara Esmenia, responsável pela programação especial do centenário de Helena Meireles no Sesc 24 de maio, no centro de São Paulo, ouvia quando criança o pai botar pra tocar na vitrola o LP com o som único da violeira.
“Acho que tem um percurso de uma mulher que a gente não consegue captar. Ela não vai se encaixar na narrativa feminista, não vai se encaixar na narrativa da família tradicional. Acho que ela vai escapando das narrativas que tentam botar ela. Acho que isso faz ela ser muito singular”.
Com uma programação especial que inclui rodas de viola e bate, o projeto chamado Viva Viola! vai saudar, no Sesc 24 de Maio, o centenário da artista até o dia 01 de setembro.
Então, viva os cem anos da dama da viola Helena Meirelles.