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Direitos Humanos

Série especial mostra a realidade de ocupações em São Paulo

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Fernanda Cruz
09/09/2015 - 05:00
São Paulo

Confira o primeiro capítulo (de um total de três) da série especial "Vida em ocupação". Neste áudio, conheça a Comunidade Douglas Rodrigues, na cidade de São Paulo. Acesse também a versão do especial da Agência Brasil no Portal EBC

 

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Sonora:  “Meu nome é Queiciane, tenho 21 anos. Eu vim da Paraíba, de João Pessoa, aí arrumaram um barraco para mim, porque eu não tinha dinheiro mais dinheiro para pagar aluguel. Era muito caro. O dinheiro do aluguel já dá para gastar com os meus filhos

 

Queiciane é uma das 8 mil pessoas que vivem na ocupação Douglas Rodrigues, na zona norte da capital paulista. São mais de 2.600 barracos em um terreno de 50 mil metros quadrados de frente para a Marginal Tietê.

 

A comunidade é cercada por muros. Do lado de dentro, barracos de madeira e alvenaria, vielas, terra batida, esgoto a céu aberto, cachorros e crianças compõem o cenário. O tamanho impressiona.

 

A ocupação Douglas Rodrigues é coordenada pelo Movimento Independente de Moradia de Luta por Habitação da Vila Maria. Antes de servir de moradia às famílias, o local funcionou como um depósito de uma transportadora de caminhões e está abandonado há mais de 20 anos. Os moradores da ocupação defendem que o local seja transformado em um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida 3.

 

Ali, cada família se organiza como pode, instalando tapumes como divisórias. Apenas pequenos comércios como mercadinho, salão de cabeleireiro e lanchonete são permitidos. Dona de uma pequena quitanda na ocupação, Josefa Quitéria da Conceição, de 52 anos, lucra 300 reais por mês com a venda de frutas, verduras e legumes.

 

Sonora: “Morar aqui é uma delícia. Quem mora de aluguel, tem que pagar prestação, água e luz. E tem o 'se'. Se sobrar, você come”.

 

Com déficit de 230 mil moradias, a cidade de São Paulo vive uma situação de emergência habitacional, na opinião da urbanista e ex-relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik.

 

Sonora: “Vivemos um ciclo de expansão econômica na cidade, que teve aumento de renda e enorme aumento da disponibilidade de crédito para a aquisição de imóveis. O reflexo foi a elevação nos preços, muito acima do aumento da renda das pessoas. Isso significa que terrenos e imóveis capturaram uma parte importante das riquezas que foram produzidas na cidade”

 

Movimentos em defesa do direito à moradia estimam a existência de 100 ocupações de terrenos e de imóveis por toda a cidade. O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos destaca que a cidade passou por uma expansão de ocupações nos últimos dois anos.

 

Sonora: “De 2013 para cá, não apenas em São Paulo, mas em várias regiões metropolitanas no país, houve aumento expressivo das ocupações, o que, na minha avaliação, tem relação direta com a explosão da especulação imobiliária. A terra virou ouro no Brasil e o aluguel virou uma coisa impagável”

 

Proprietária do terreno onde está a ocupação Douglas Rodrigues, a Ideal Empreendimentos S/A, pertencente ao Grupo Tenório, tem dívida estimada em mais de R$ 1 bilhão em impostos com a União, segundo ofício da Procuradoria-Geral da Fazenda. Para garantir o pagamento de parte da dívida bilionária, a Fazenda Nacional conseguiu a penhora e o bloqueio da matrícula do imóvel.

 

Apesar disso, a ameaça de despejo é constante. A reintegração de posse determinada pela justiça paulista para esta quarta-feira foi adiada e não tem data para acontecer.

 

A reportagem tentou entrar em contato o juiz Fábio Pellegrino, responsável pelo caso, mas ele não se pronunciou por se tratar de um processo em andamento. Já a advogada Maria Rafaela Porto, que representa a Ideal Empreendimentos, afirma que as dívidas e o possível penhor da área são questões alheias ao pedido de reintegração de posse.

 

Apesar de toda a dificuldade e insegurança de viver em uma ocupação, quem está ali mantém firme a esperança de continuar na comunidade. Sem dinheiro para pagar aluguel, Daniele Araújo Adelino, de 17 anos, se mudou há dois anos para a ocupação. Grávida de gêmeos à época, ela descobriu que tinha câncer e que os bebês nasceriam com problemas pulmonares. 

 

Sonora: “Esse lugar foi o que salvou a nossa vida. Nós estamos felizes aqui. Mesmo não tendo nada para comer, mas tendo para eles [os bebês] é tudo o que a gente precisa”.

 

Segundo levantamento do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos -  organização não governamental voltada ao direito à moradia, até o fim deste ano, 50 reintegrações de posse devem ser cumpridas, no centro de São Paulo. Isso significa o despejo de 22 mil pessoas.

 

Série especial “Vida em ocupação” - Capítulo um: Comunidade Douglas Rodrigues


Reportagem: Fernanda Cruz

Sonorização: Priscila Resende

Edição: Lilian Beraldo e Beatriz Pasqualino

Coordenação: André Muniz, Lilian Beraldo e Juliana Cézar Nunes


Esta é uma produção da Agência Brasil, em parceria com a Radioagência Nacional.

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