Sem estudo e com saúde debilitada, crianças venezuelanas chegam em Roraima
Linda Yuraima Lopez está doente. Na Venezuela disseram que o caso era para cirurgia. Na vinda para o Brasil, ela enxergou a possibilidade de sobreviver e cuidar da filha pequena.
“Estou lutando por minha vida porque não consigo chegar a um médico. Não consigo uma operação. Eu não quero deixar a minha filha órfã. Eu quero ver a minha filha crescer. Se ela puder crescer aqui, num lugar como Pacaraima, eu seria muito feliz, muito feliz”, disse a venezuelana.
Linda é uma entre as várias mães imigrantes que se desesperam pela situação do próprio país e querem uma vida melhor para os filhos. Aqui, acabam esbarrando em burocracias e na falta de dinheiro para ter acesso à saúde e à educação.
Pela falta de documentos traduzidos, por exemplo, outra venezuelana, Maria Celeste Celicato, não conseguia matricular a filha na escola, já em meados de abril.
“Mandaram eu traduzir a documentação dela toda! Mas eu não tinha dinheiro para traduzir. Eu pesquisei e cada folha saia R$ 50. E teria que registrar na junta comercial, que saia R$ 300, mais ir e voltar de Boa Vista. Eu não tinha esse dinheiro não!”.
Além da dificuldade para voltarem a estudar no novo país, muitas crianças venezuelanas enfrentam, também, as doenças.
Irmã Clara, que coordena as ações da Organização Não Governamental (ONG) Fraternidade, uma das principais na ajuda aos imigrantes, conta que muitos pequenos indígenas Warao já chegam doentes.
O abrigo precário no ginásio do Bairro Pintolândia não ajuda. Até mesmo piora a saúde de muitas delas.
“Temos malária, temos ali tuberculoses, diarreias e várias doenças infecciosas, não infectocontagiosas que são advindas da desnutrição. Eu tenho ali, crianças indígenas de 2 anos de idade que pesa sete, oito quilos. A desnutrição é algo crítico ali”, relata a irmã.
A saúde de grávidas e recém-nascidos é outro problema. Na maternidade Nossa Senhora de Nazaré, em Boa Vista, os partos de venezuelanas mais que dobraram de 2014 para 2016: de uma média de 120, foram para 270.
Mas o que preocupa os médicos, segundo o diretor da maternidade, Luiz Gustavo Araújo, é a gravidade de muitos casos.
“A quantidade de bebês, grávidas e prematuros que vem é muito alta. Então, assim, chegou dia que a gente tinha dentro da UTI com 12 leitos, oito leitos eram de venezuelanas. De 12 leitos, oito eram de venezuelanas. É uma quantidade de pacientes muito grande”.
Equipes de saúde do estado e da Secretaria Especial de Saúde Indígena se alternam no atendimento aos imigrantes, no Centro de Referência em Boa Vista. Mas é visível que grande parte dos problemas de saúde se resolveriam com moradia, higiene e alimentação adequada para os pequenos imigrantes.
O professor de relações internacionais da Universidade Federal de Roraima Gustavo Simões alerta, no entanto, que a imigração em massa de venezuelanos e os problemas decorrentes dela ainda estão longe do fim.
“As causas desse deslocamento, que é justamente o desabastecimento na Venezuela, uma situação caótica na economia, e não só na economia, mas social e política também, não é algo que nos parece que vai reverter num futuro muito próximo”.
A médio ou longo prazo, muitas crianças venezuelanas ainda vão cruzar as fronteiras do Brasil em busca de uma vida melhor.
* Título alterado às 12h46 de 25/06/2017 para correção de informação.