Entrevista: Conheça a história do Festival Latinidades
Vem aí mais uma edição do Festival Latinidades, que, segundo a organização do evento, é o maior festival de mulheres negras da América Latina. Ele já ocorre há 16 anos, e surgiu como uma afirmação de negritude do Distrito Federal e um espaço de articulação política e cultural em torno do 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Neste ano, o Bem Viver é tema do festival procura trazer um ensinamento dos povos andinos para inverter a lógica de funcionamento do mundo e da economia. No lugar do lucro e do desenvolvimento desigual, o cuidado com as pessoas e o planeta.
E, pela primeira vez, o festival ocorre não só em Brasília, mas também no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Salvador. A repórter Sumaia Villela conversou com a idealizadora do Latinidades e diretora do evento, Jaqueline Fernandes.
Sumaia Villela (Radioagência) A criação do Festival Latinidades foi motivada pelo Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, no dia 25 de julho. Eu queria que você falasse primeiro sobre essa identidade que é expressa na data. O que une essas mulheres, independente de suas regionalidades?
Jaqueline Fernandes (Festival Latinidades) Primeiro é importante dizer que a gente foi motivada pelo 25 de julho, Dia da Mulher Afrolatina-americana e Caribenha, mas junto com isso a gente foi motivada pelo fato de vivermos no Distrito Federal e sermos mulheres negras e periféricas.
Brasília tem uma população majoritariamente negra, 58%. A gente tem uma grande dificuldade de reconhecimento dessa negritude. As pessoas não veem Brasília como uma cidade negra, não imaginam esse percentual. Então a gente queria unir as duas coisas: mostrar para o Brasil que existe essa população potente de mulheres negras do Distrito Federal, e também celebrar o 25 de julho.
O 25 de julho foi criado em 1992 em um grande encontro na República Dominicana que reuniu mais de 700 mulheres. Essas mulheres vinham conversando, essas ativistas negras de cerca de 70 países, se articulando em torno desse histórico da presença das mulheres negras na América Latina. A presença massiva das mulheres negras nesse território vem através de um processo de colonização e, com esse processo, vem tudo o que a gente conhece de legado escravocrata, racista e machista.
Esse encontro discutiu as dificuldades e as semelhanças, o que nos aproxima uma das outras como mulheres negras da América Latina e do Caribe e, a partir daí, se cria uma data que é um marco de muita resistência, uma data que elas sabiam que precisavam popularizar. E essa data ia impulsionar várias discussões e transformações na América Latina. Hoje a gente percebe isso, depois de 30 anos.
Sumaia Villela (Radioagência) Existe uma demanda que a gente pode eleger como principal, que une todas essas mulheres?
Jaqueline Fernandes (Festival Latinidades) Ainda continua sendo a superação do racismo e do machismo na América Latina e no Caribe, que é essa herança realmente escravocrata, é poder pensar em políticas públicas para o acesso de mulheres negras à saúde, à educação, à moradia. É reconhecer os saberes, os fazeres e as contribuições das mulheres negras para sociedade. É olhar para políticas de ações reparatórias pensando nesse histórico de exclusão e desigualdade das mulheres negras dentro da sociedade.
Sumaia Villela (Radioagência) Que nos leva a falar sobre o tema desse ano, o Bem Viver. Você pode falar do processo de escolha do tema e também o que que ele significa?
Jaqueline Fernandes (Festival Latinidades) O Bem Viver tem seu conceito mais conhecido no povos originários dos Andes, e ele vem como uma contraposição ao modelo - mesmo antes desse modelo existir - que a gente vive hoje, dentro do sistema capitalista, que é o desenvolvimentismo, que é a exploração desmedida da natureza, dos seres humanos. Essa visão originária se encontra em toda América Latina com visões de povos das florestas, da diáspora negra, e hoje ela ganha um corpo, um olhar milenar, mas que ainda está muito atual, e vem sendo encorpado pelo movimento de mulheres negras desde 2015, quando foi tema da Marcha de Mulheres Negras.
Então a gente teve uma ativista do Pará que teve a ideia de criação da marcha e, a partir desse território amazônico, convivendo ali povos negros e indígenas, ela tem a sabedoria de indicar o tema do Bem Viver como esse grande guarda-chuva de possibilidades de discussões, de soluções para a sociedade e todo esse conjunto de opressões que o sistema capitalista traz e que recai justamente sobre a população negra e indígena. Esse tema acaba sendo incorporado pela América Latina inteira, inclusive a gente tem em outros países, bem antes disso, como a Bolívia e o Equador, a constituição do plano de política públicas baseado em Bem Viver. Então realmente é um tema que ele está muito vivo na América Latina.
E a gente está discutindo isso no Latinidades sobre várias perspectivas. O que é o Bem Viver do ponto de vista de acesso à política pública, à reparação, cuidado, auto cuidado. É um olhar de forma transversal para a pauta do Bem Viver como um conjunto de políticas e práticas integrativas que garantam o aceso de mulheres negras a esse Bem Viver".
Ouça e baixe a entrevista completa no player do topo da página.
A EBC, Empresa Brasil de Comunicação apoia o Festival Latinidades em 2023. Confira a programação completa no site do evento.