Histórias Raras #7🎙️Mais que rótulos

Episódio para esclarecer rótulos: neurodiversidade x neurodivergência

Publicado em 18/08/2023 - 22:35 Por Leyberson Pedrosa e Patrícia Serrão - Brasília e Rio de Janeiro

No penúltimo episódio desta temporada de Histórias Raras, a gente define esse guarda-chuva conceitual chamado neurodiversidade a partir das histórias de pessoas que receberam o "rótulo" de neurodivergente somente na vida adulta.

Para relembrar as percussoras que ajudaram a sociológa Judy Singer a criar o conceito, a gente separou um trecho de uma teleaula do do canal Autismo Pensante. Nele, Ricardo Oliveira fala sobre o protagonismo da psiquiátrica britânica Lorna Wing e da psicóloga estadunidense Temple Grandin.

Debaixo desse guarda-chuva, a gente encontrou a Maria Eugênia Ianhez, assessora de comunicação e vice-presidenta da Associação Brasileira de Dislexia (ABD). Ela resume sua trajetória com a neurodivergência da seguinte frase:

"Em casa era aquela coisa, né, casa de Ferreiro, espeto de pau. Todo mundo falava assim: Maria, você é disléxica mesmo, mas só na piada e não na seriedade."

A gente também se aprofunda na história da Jéssica Borges, que apareceu no episódio Mães Neurodivergentes. Ela se descobriu dentro do espectro autista depois do diagnóstico do filho. Como mulher negra e educadora da área de inclusão, ela ajuda a gente a desconstruir alguns esteriótipos sobre o autismo e outras neurodivergências:

É uma quebra de padrão, quebra de estereótipo você ir atrás de um diagnóstico, entender que o autismo é um espectro amplo e vai se manifestar de formas diversas em cada pessoa.

Em resumo, o episódio "Mais que Rótulos" conta histórias sobre a chegada tardia de rótulos e de como a palavra espectros parece combinar melhor com a definição de neurodiversidade.

Ouça aqui na íntegra. ou clique em ▶️ para ouvir por partes:

▶️ 00:00 Prólogo: hora da revisão
▶️ 01:23 Abertura: Mais que Rótulos
▶️ 02:31 Parte 1: Vozes neurodivergentes
▶️ 12:16 Aviso de utilidade pública
▶️ 13:05 Parte 2: Espectros
▶️ 19:24 No último capítulo
▶️ 21:23 Créditos

HISTÓRIAS RARAS #7: MAIS QUE RÓTULOS

PRÓLOGO: HORA DA REVISÃO

[música-tema da temporada] 🎶.

[Patrícia] Neste penúltimo episódio, a gente vai adicionar novas vozes neurodivergentes. Antes, hora da revisão.

[trilha do extinto Telecurso 2000] 🎶.

[Leyberson] Neurodiversidade, neurodivergente, neuroatípico, neurotípico, neuronormativo, neuropsiquiátrico, neurocognitivo, neurobiológico.

[Patricia] Essas palavras já apareceram diversas vezes. Elas nos ajudam a descrever histórias de pessoas que chegaram até a vida adulta sem saber que o desenvolvimento ou funcionamento neurológico de seus cérebros eram diferentes de um padrão esperado pela sociedade.

[Leyberson] Tivemos o Fábio Cizotti, que se descobriu com um distúrbio neurológico que causa tiques involuntários. A Alana Yaponirah, uma mãe que lida com a desatenção e hiperatividade, frutos de um transtorno neurocognitivo.

[Patrícia] E outras mães neurodivergentes: A Ana Rosa, a Taís Gollo e a Jéssica Borges, que estão dentro do espectro autista.

[Leyberson] E pra dar ainda mais esse tom de revisão, a gente pediu ao Pardal pra tocar ao fundo um trecho da vinheta do Telecurso. Um programa de teleaulas que foi popular nos anos 1980. E que vai parar de tocar agora.

[trilha continua tocando] 🎶.

[Leyberson] Agora.

[trilha continua tocando] 🎶.

[Leyberson] Agorinha!

[/trilha finalmente para] 🎶.

[Leyberson rindo] Obrigado, Pardal!

[Patrícia] Então, sem mais demora, bora para a abertura.

ABERTURA: MAIS QUE RÓTULOS

[trilha do projeto Pulsos] 🎶.

[Leyberson] Olá! Sou Leyberson Pedrosa, jornalista da EBC. Comigo, Patrícia Serrão; que está perto de mim no fone de ouvido, mas tão distante dos estúdios de Brasília.

[/trilha do projeto Pulsos] 🎶.

[Patrícia] Oie, gente. Eu continuo na área, daqui do Rio de Janeiro, dos estúdios da EBC, um prédio bem antigo e bem quente, que tem lá seus mistérios.

[Leyberson] E a gente deixa o nosso pedido de desculpas porque, nessa ponte entre cidades, de vez em quando tem surgido uns ecos ou ruídos parecidos com chuva fina.

[sons de estática em uma rádio am] 🎶.

[Patrícia] Uns espectros radiofônicos que a gente tem tentando desvendar e ajustar.

[/sons de estática em uma rádio am] 🎶.

[trilha do projeto Pulsos] 🎶.

[Patrícia] Neurodivergentes é o tema da segunda temporada de Histórias Raras, um podcast original da Radioagência Nacional.

[Leyberson] No apoio de produção, a gente conta com Simone Magalhães. A sonorização é feita pelo Pardal. Caroline Ramos cuida do Design e a Bia Arcoverde, da revisão final.

[Patrícia] Nos minutos finais, tem a lista completa de quem nos ajuda a distribuir o podcast nas plataformas digitais.

[/trilha do projeto Pulsos] 🎶.

PARTE 1: VOZES NEURODIVER[a]GENTES

[Leyberson] Mais que rótulos, parte 1: vozes neurodivergentes.

[música-tema da temporada] 🎶.

[Patrícia] No passado,o tema neurodiversidade dificilmente faria parte de uma vídeoaula.

[Patrícia] O autismo, por exemplo, já era discutido, mas sempre com foco na doença.

[/música-tema da temporada] 🎶.

[Leyberson] Os tempos são outros e o catálogo se tornou mais digital. No Youtube, por exemplo, a gente encontrou uma revisão sobre o termo neurodiversidade feita pelo Ricardo Oliveira, do canal Autismo Pensante."\n"[Ricardo Oliveira] O termo neurodiversidade ele se cunhou ao longo do tempo. Antigamente, o autismo era tratado bastante como uma patologia, como uma penitência, por exemplo. Os estudos de Lorna Wing, que é um psiquiatra britânica e mãe de um autista grau 3, foram bastante avançados pra época, em comparação com antigamente que estudava muito Leo Kanner e muito Hans Asperger, e ela foi a avançar nesse debate e cunhou o termo espectro. E isso meio que fomentou a entrada da Temple Grandin, que é uma psicóloga e zootecnista estadunidense. Ela é autista.

[Patrícia] As precursoras dessa discussão ajudaram outras autistas a popularizar a ideia de diversidade neuronal como característica social. Em 1998, Judy Singer publicou o conceito de neurodiversidade em uma tese, que se tornou bastante conhecido pela comunidade autista.

[Ricardo Oliveira] E esses outros autistas chegaram dentro do debate e falaram: não, o autismo é uma característica do ser humano, isso quer dizer que é uma diferença neurológica. O autismo não é um castigo, o autismo é apenas uma outra forma de lidar com a vida.

[Leyberson] Por causa desse protagonismo, pessoas autistas estão bastante presentes quando se fala sobre o tema. Mas a psiquiatra Ana Rosa, também autista, deixa claro que, debaixo desse guarda-chuva conceitual, tem muito mais gente:

[Ana Rosa] Vale lembrar aqui que os neurodivergentes não são só autistas. Dentro desse guarda-chuva, a gente tem o espectro autista que pode estar em transtorno ou não. Você tem o Déficit de Atenção e Hiperatividade, Tourette, Acalculia, Disgrafia. São todos transtornos que começam ainda lá na no ventre materno e se prolongam ao longo do desenvolvimento cerebral que continua fora do útero. Então, eu queria que vocês imaginassem a imagem realmente de um guarda-chuva com vários tagzinhos pendurados, né.

[Leyberson falando no sentido figurado] Pode deixar. Mas em vez da gente ficar lendo essas etiquetas penduradas, a gente preferiu levar o microfone para debaixo desse guarda-chuva.

[som de chuva] 🎶.

[Leyberson] E assim, ouvir o que essa neurodivergência significa, no dia-a-dia, para quem só saiu dessa tormenta de dúvidas na vida adulta.

[/som de chuva] 🎶.

[Patrícia] Tava demorando para o Ley fazer alguma analogia no roteiro, né. Daqui a pouco começa com as brincadeirinhas:

[frases se repetem em qualidade de rádio am:] 🎶.

[Leyberson] “som que parece ser de chuva”.

[/som indicando início de chuva] 🎶.

[Leyberson] “guarda-chuva conceitual.”

[/som de chuva e ventania] 🎶.

[Leyberson] “tormenta de dúvidas”

[/som de chuva agora com trovões] 🎶.

[Patrícia] Não falei? Só falta ele soltar um Raios e Trovões do doutor Victor do Castelo Ratimbum.

[/frase misturada a raios e trovões:] 🎶.

[Patrícia] Raios e Trovões!

[Patrícia fingindo bronca] Pardaaaaal!

[/música que marca retorno ao assunto] 🎶.

[Leyberson] Debaixo desse guarda-chuva, a gente encontrou a Maria Eugênia, que sempre teve dificuldade em ler, escrever e compreender contextos em português.

[Maria Eugênia] Na escola, repeti duas vezes, tinha um problema de segurança, autoestima. Até na faculdade eu me recusava a fazer anotações de grupo.

[Leyberson] Você foi para fora do país para um país estrangeiro que falava qual idioma?

[som de fado] 🎶.

[Maria Eugênia] Português mesmo, eu fui para Portugal, eu fui fazer Comunicação Social em Portugal.

[Patrícia] A Maria Eugênia nasceu e cresceu no Brasil, mas viveu quatro anos de sua juventude em Portugal.

[Maria Eugênia] Eu passei pelas mesmas coisas, pelas mesmas dificuldades.

[Patrícia] Lá as dificuldades com o português continuaram.Tudo bem que o jeito de pronunciar as palavras escancaram as origens de cada país.

[trecho de Aleixopédia/Antena3/RTP:] 🎶.

[Renato Alexandre] Já dominas os sotaques do Brasil, tú?

[Bruno Aleixo] Vai pra lá andar a táxi sem saber o sotaque local, vai.

[Renato Alexandre] Hum, não pode falar à portuguesa, só?

[Bruno Aleixo]: Não!

[Leyberson] Mas o problema da Maria Eugênia não foi com o sotaque lusitano. Foi com os fonemas, o jeito de escrever, a combinação das letras e por aí vai.

[Patrícia] Bote ou pote, paca ou vaca. São exemplos de algumas palavras com letras e fonemas parecidos que podem gerar um grande tilt nas conexões neuronais da Maria Eugênia.

[Maria Eugênia] Pedia, muitas vezes, provas diferenciadas, como prova oral, e era o que me safava.

[som de fado se transforma em samba] 🎶.

[Maria Eugênia] Aí eu voltei em 94, aí em 95 eu já entrei para a ABD, mas como eu não estava trabalhando, cheguei no final do ano, festas e tudo mais e para não ficar sem fazer nada eu fui fazer voluntariado para a ABD.

[Leyberson] Esse ABD significa Associação Brasileira de Dislexia. E você deve estar pensando que já sabe o desfecho dessa história.

[som de samba vira música de ninar] 🎶.

[Leyberson] Provavelmente, a Maria Eugênia chegou na ABD e aprendeu bastante sobre dislexia, começando a conectar os pontos, a marcar as palavras desse bingo de sintomas, completar esse quebra-cabeças…

[Patrícia] Leyberson, olha o TDAH, foco!

[/som de música de ninar] 🎶.

[Leyberson]...tá, tá, só mais um! Finalmente, matar a charada. Só que não!

[/Meme do Faustão falando “errooou”] 🎶.

[Leyberson] A ABD não era uma desconhecida para Maria Eugênia. Ela viu a associação ser fundada quando ainda era uma criança. Logo, a dislexia não era nenhuma novidade.

[Patrícia] A gente explica. O pai da Maria Eugênia trabalhava na empresa de um senhor chamado Jorge Jacó, que procurava respostas para o insucesso escolar do seu filho, um rapaz que sempre foi capaz e inteligente.

[Maria Eugênia] O seu Jorge Jacó, ele foi buscar ajuda fora do Brasil, e por orientação de uma profissional ele buscou a British Dyslexia Association, na Inglaterra, né? A associação britânica. E veio com o diagnóstico de Dislexia para o filho. Como ele não conseguiu suporte, apoio, orientação, nada no Brasil, ele veio com a ideia de abrir uma associação que pudesse dar orientação para os pais, né, que também deviam estar nessa mesma situação. Ele abre em 1983 a associação, começa com alguns eventos, e aí então meu pai começa a fazer os eventos, a divulgação, e aí começa a ABD.

[Leyberson] Por isso, Maria Eugênia cresceu familiarizada com o tema dislexia ao mesmo tempo que as suas dificuldades na aprendizagem formal da escrita e leitura se tornavam mais evidentes.

[Maria Eugênia] Então, eu desde muito menina ouvia falar sobre dislexia. Então, todos os materiais eu tinha acesso. Então, ficou aquela coisa desde os 13 anos eu ouvindo sobre dislexia. Em casa era aquela coisa, né, casa de Ferreiro, espeto de pau, aquela coisa bem antiga que se fala, mas que é muito verdade, né. Então, todo mundo falava assim. Ah, Maria, você é disléxica mesmo, mas só na piada e não na seriedade.

[Patrícia] Mas sabe como é mãe. Não ia deixar a filha reprovar de ano sem tentar ajudar. Fez o que pode.

[Maria Eugênia] A minha mãe já tinha percorrido aí um caminho gigantesco que todo pai percorre de procurar neurologista, fonoaudióloga, psicóloga, faz milhões de exames e atendimentos e, muitas vezes, não se chega a lugar nenhum ou nenhum dado conclusivo ou um diagnóstico conclusivo.

[Leyberson] Coincidências, destino ou aleatoriedade. Não importa. O fato é que María Eugênia, já adulta, voltou ao Brasil e resolveu ajudar logo a instituição que conhecia bem.

[Maria Eugênia] Me liguei à ABD com esse voluntariado e acabei sim sendo contratada como assessora de comunicação da ABD. E numa época que a gente fez uma pesquisa de dislexia em adultos, eu me voluntariei. Não, eu quero fazer esse negócio aí, mas já com muita certeza de que vou finalmente ter meu diagnóstico e tive. Então, fui diagnosticada aos vinte e sete anos de idade na própria ABD.

[Patrícia] Maria Eugênia é a prova viva de que a dislexia, mesmo sendo um transtorno que se manifesta já na na infância, pode chegar até a vida adulta como um fantasma no meio da sala. E daqueles que não adianta ficar em silêncio para ver se vai embora.

[/vento balançando algo] 🎶.

Afinal, esse fantasma é uma condição neuronal que atinge entre 5% e 17% da população mundial, de acordo com dados da própria ABD.

[Maria Eugênia] Mas os disléxicos também são adultos, também tem em adultos, né? Os adultos crescem com a dislexia, então a gente fala em criança, em diagnóstico precoce, acompanhamento na escola, mas é muito importante saber que os disléxicos também estão na faculdade, também estão nos cursinhos, também estão nos espaços laborais.

[Leyberson] Com ou sem diagnóstico para chamar de seu, neurodivergentes adultos costumam criar estratégias para minimizar o seu jeito disfuncional frente aos outros. Nessas horas, pode até parecer que o diagnóstico tardio não vai fazer muita diferença. Mas faz.

[Maria Eugênia] Tinha umas adultas disléxicas, senhoras mesmo, que iam levar o filho ou acompanhar o neto [e diziam]: 'ah, cê sabe que eu acho que tenho, mas agora que se passou tudo, que eu já fiz faculdade…” Olha, sempre vale a pena. Porque aquela dúvida da sua capacidade, da sua competência, do que você, do que está acontecendo vai sempre pairar. Porque não são só os outros que te julgam, a sociedade. Você se julga. Por que isso acontece? Por que eu não consigo controlar? Por que que eu não supero isso? Será que eu sou burra? Será que eu sou incompetente? Será que eu sou desatenta? É ansiedade? Meu QI é baixo? Quando você tem o diagnóstico é uma libertação. Tira um peso gigantesco do nosso ombro.

AVISO DE UTILIDADE

[/som de porta rangendo] 🎶.

[Patrícia] Aviso de utilidade.

[Patrícia] A dislexia é um transtorno que afeta a compreensão das palavras escritas. Não é um problema de visão embaralhada como a Síndrome de Irlen, ou de desatenção como ocorre no TDAH.

[Leyberson] Por isso, a gente precisa repetir: o cérebro é um grande labirinto neurocognitivo. O diagnóstico de uma neurodivergência não se trata de um checklist de sintomas.

[Patrícia] Há diferentes transtornos com sintomas parecidos. Por isso, é preciso uma investigação séria, baseada em evidências científicas. Se você se sente identificado com os sintomas relatados, o primeiro passo é conversar com seu médico de confiança.

[Leyberson] E se a dúvida persistir, ir atrás de mais opiniões médicas.

PARTE 2: ESPECTROS

[/trilha que marca mudança de assunto] 🎶.

[Leyberson] Mais que rótulos, parte 2: espectros

[música-tema da temporada] 🎶.

[Leyberson] Pelo que você me lista, a gente pode falar em autismos, no plural?

[Jéssica] Isso. É um espectro.

[Leyberson] Espectro, ou Spectrum em latim, significa aparição. Mas por que Lorna Wing e outras cientistas escolheram usar essa palavra? Marizete, ajuda a gente a encontrar uma definição, por favor.

[Voz da Marizete em qualidade de rádio AM ] 🎶.

[Marizete] Conceito do dicionário para ESPECTRO. Substantivo masculino. Imagem incorpórea de alguém falecido; fantasma, aparição, visão, espírito.

[Leyberson] Pera! Muito de outro mundo. Tenta o próximo.

[Marizete] FÍSICA. Conjunto dos raios coloridos, resultantes da decomposição de uma luz complexa.

[Patrícia] Poético. Mais parece uma revisão de vestibular. Mais uma, por favor!

[Marizete] Espectro Autista ou Transtorno do Espectro Autista (TEA). Designação geral de variadas e diferentes síndromes que se enquadram no autismo.

[Leyberson] Já deu para perceber que a até a definição de espectro é plural.

[Patrícia] Se a gente vai no catálogo mais recente de Classificação Internacional de Doenças, o CID 11, o Transtorno do Espectro Autista ganhou um código com várias subdivisões, de acordo com a presença ou não de deficiência intelectual e ou comprometimento da linguagem funcional.

[Leyberson] Deixa eu ver se eu entendo, é mais fácil diagnosticar alguns autismos com níveis mais fortes, né? Você acha que isso não tem muito a ver com o processo de diagnóstico?

[Jéssica] Sim, tem sim. A gente costuma chamar o nível 1, 2 e 3 de suporte, mais conhecido popularmente como grau, mas na verdade são níveis de suporte que existem para identificar qual é o nível de suporte que aquele autista precisa. E quando o autista é nível 1 de suporte, conhecido como autista leve, as condições podem passar despercebidas. Então, é importante que o profissional especialista e ele ser criterioso. Levar em consideração fatores de gênero, classe e raça porque podem passar desapercebidos.

[Leyberson] Neste podcast, a gente lida com o desafio de capturar a essência das histórias a partir de diferentes vozes. E o telefone acaba sendo o meio mais prático pra isso.

[Patrícia] Só que nos diferentes níveis de autismo existem certas dificuldades no processamento de comunicação simultânea. Muitos optam pela comunicação assíncrona como um e-mail mesmo, outros dependem de recursos tecnológicos como a comunicação aumentativa e alternativa. De certa forma, essas dificuldades explicam porque a gente acabou falando mais com autistas de suporte nível 1.

[Leyberson] Foi o caso da nossa entrevista com a Jéssica Borges. Na noite anterior, eu recebi um e-mail da Simone Magalhães, que nos ajuda a deixar tudo organizado, confirmando a hora da entrevista. Ela também deixou uma observação: a Jéssica tem incômodo com os sons. No dia da gravação, eu fui para o estúdio preocupado com a chance de algum ruído na linha telefônica, de uma microfonia involuntária ou, pior, de aparecer algum desses mistérios sonoros que incomodam qualquer um.

[/som de tensão!] 🎶.

[Leyberson] Mas a ligação deu certo e logo a Jéssica se descreveu como uma pessoa com rigidez cognitiva e de padrões restritos de comportamento, e me contou como foi o seu diagnóstico de autismo na vida adulta.

[JÉSSICA] Lendo e estudando para entender a condição do meu filho acabei me identificando com várias questões, várias características como rigidez cognitiva, padrão restrito de comportamento, padrão repetitivo, prejuízo de comunicação. Tudo isso eu também tinha. Acredito também que, levando em consideração que a maior predominância do autismo é genética, a carga genética já aponta pra 97%, então, eu achei um número alto demais para ignorar.

[Leyberson] De repente, o papo tinha virado uma aula, bem mais interativa do que a do telecurso. A Jéssica foi trazendo detalhes sobre sobre outros diagnósticos que tinha recebido: o de TDAH e de altas habilidades;superdotação.

[voz em qualidade de rádio AM] 🎶.

[Leyberson] Nessa hora, meu cérebro começava a reverberar ideias de como separar os entrevistados de acordo com suas neurodivergências. Afinal, surgiam personagens com mais de um diagnóstico. Foi aí que um estalo forte surgiu na caixa de som, me trazendo de volta para a entrevista. [/som de mistério] 🎶. Era a Jéssica, escancarando o fato de que pessoas são mais que rótulos.

[voz em qualidade de rádio AM] 🎶.

[Jéssica] Eu costumo dizer que ir atrás de um diagnóstico já na fase adulta é um processo de coragem, um processo que requer bastante coragem porque a gente cresceu com a ideia de como um corpo autista deve performar. A gente começa esse ideal, esse imaginário que a gente cria a partir da mídia que coloca a pessoa autista como uma pessoa estereotipada, como um homem, branco, gênio, que tem acesso a todas as intervenções, tratamentos e enfim…

[Patrícia] Bem mais que rótulos, mesmo!

[Jéssica] Então, é uma quebra de padrão, quebra de estereótipo você ir atrás de um diagnóstico, entender que o autismo é um espectro amplo e vai se manifestar de forma diversa em cada pessoa. E para além de todos esses fatores que nos atravessam, a gente ainda tem essa questão do gênero. Mulheres são diagnosticadas tardiamente com mais frequência justamente por conta dessas questões. As nossas características de autista são manifestadas de forma diferente nas mulheres. Então, a gente é rotulada como grosseira, fresca, chata, mimizenta, ignorante, arrogante. A gente recebe um monte de rótulos ao longo da vida. Tudo isso na tentativa de invisibilizar quem, de fato, a gente é.

[Leyberson] No final das contas, o estalo era interno porque rotular ou colocar etiquetas é uma forma até justa de tentar organizar as coisas.

[Patrícia] Só que esses rótulos costumam ser opacos, mais úteis na hora de um laudo médico ou de identificar um medicamento.

[música-tema da temporada] 🎶.

[Leyberson] Então, a palavra espectro como aparição passou a fazer mais sentido pra gente. Não como um fantasma, mas como histórias raras que merecem ser contadas, mesmo com todos os mistérios do cérebro humano.

[Patrícia] No último capítulo desta temporada, a gente traz dois novos personagens. Um deles é o Pedro Alcântara, que nos conta sobre os seus dias bons e ruins

[/música-tema da temporada] 🎶.

[Pedro] Em dias que não são tão legais, em dias ruins, que ninguém me entende e eu não entendo ninguém. Isso é um pouco angustiante. Mas em dias bons eu tenho a sensação de que eu tenho a habilidade e o poder de ver o que ninguém tá vendo. O que faz com que o mundo ao meu redor me complete e eu complete o mundo.

[Patrícia] E a gente vai apresentar também a Maria Júlia. Ela investiga o tema da camuflagem social e os impactos psíquicos.

A camuflagem social se refere a uma série de esforços que pessoas autistas fazem conscientemente ou não para suprimirem seus comportamentos autísticos ou parecerem menos autistas possível nos ambientes.

[Leyberson] Pedro e Maria Júlia se somam aos outros entrevistados para nos ajudar a discutir as barreiras sociais que pessoas neurodivergentes enfrentam e as estratégias criadas diante um mundo de maioria neurotípica.

[Patrícia] Muitas vezes, basta observar ao redor para encontrar pequenas dicas de como lidar com o diferente. Essas dicas podem estar indicadas em broche ou colar, não é mesmo, Ana?

[Ana Rosa] Pessoal que trabalha em qualquer lugar e vê uma pessoa com um colar, seja do girassol, seja da neurodiversidade ou seja do autismo, se vocês virem isso não se não se dirija a pessoa que está ao lado de quem está com colar, a pessoa que está ao lado de quem está com colar pode ser uma amiga pode ser um marido ou pode ser o suporte dela. Não significa que essa pessoa tem um problema cognitivo. tá bom? E é extremamente humilhante você fazer isso.

[Patrícia] Inclusive, que tal outra dica: a gente já falou sobre o Girassol, símbolo das deficiências ocultas, lá no terceiro episódio da primeira temporada.

[Leyberson] Então é isso. Até o último episódio.

[Patrícia] Tchau!

CRÉDITOS

[/música-tema da temporada] 🎶.

[Leyberson] Histórias Raras é um podcast original da Radioagência Nacional. Os episódios podem ser encontrados no site da Agência Brasil. Lá você acessa a transcrição do episódio e conteúdos complementares.

[Patrícia] Nos canais da Rádio Nacional no Spotify e Youtube, o Histórias Raras também é videocast e traz a interpretação simultânea do áudio para a Língua Brasileira de Sinai, a Libras.

[Leyberson] O podcast é apresentado por mim e pela Patrícia Serrão, responsável pela concepção de pauta, produção e entrevistas.

[Patrícia] O Leyberson é idealizador do formato e assina o roteiro e direção. Ele também participa das entrevistas e montagem dos episódios.

[Leyberson] A Simone Magalhães atua no apoio de produção e a Bia Arcoverde é responsável pela coordenação de equipe e edição final do roteiro.

[Patricia] A sonoplastia e identidade sonora são de José Maria, o Pardal. E neste episódio, a operação de áudio é de Tony Godoy e Lucia Safatle. A Marizete de Souza faz as vozes das leituras de textos e conceitos.

[Patrícia] Liliane Farias e Raíssa Saraiva atuam nas estratégias de publicação e distribuição em redes. A identidade visual e design são de Caroline Ramos.

[Leyberson] Na equipe de Libras, temos a interpretação de Neide Lins sob direção de vídeo de Lorena Veras e captação de imagens de Daniel Hiroshi. A montagem do videocast fica por conta de Felipe Leite e de Fernando Miranda.

[Patrícia] Esta série tem finalidade jornalística e utilizou trechos de artigos científicos. A gente também usa dados do CID-11, Classificação Internacional de Doenças, publicado pela Organização Mundial de Saúde. Os links do material estão disponíveis em bit.ly/historiasraras7.

[Leyberson] A gente também usou falas do Canal Autismo Pensante, frases do Bruno Aleixo, do Faustão e trecho da vinheta nostálgica do Telecurso 2000.

[Fim. Até o último episódio da temporada!]👋.

Apresentação e entrevistas: Leyberson Pedrosa e Patrícia Serrão
Roteiro, direção, idealização do formato e montagem do áudio: Leyberson Pedrosa
Concepção de pauta e produção: Patrícia e Simone Magalhães (apoio)
Edição de texto e coordenação: Bia Arcoverde
Identidade sonora e sonoplastia: José Maria Pardal
Operação de áudio:Equipe de operação de áudio dos estúdios da EBC (DF e RJ).
Leitura das definições Marizete Cardoso
Distribuição em redes: Liliane Farias e Raíssa Saraiva
Identidade visual e design gráfico: Caroline Ramos
Versão em Libras: Neide Lins (intérprete); Lorena Veras (direção de vídeo); Daniel Hiroshi (captação de imagem); Felipe Leite e Fernando Miranda (montagem do vídeo).
Implementação web: Leyberson Pedrosa sob código do Especial Histórias Raras.

Edição: Bia Arcoverde

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