Declaração Universal dos Direitos Humanos: onde ela está na prática?
Documento fez 75 anos neste domingo
Publicado em 11/12/2023 - 07:15 Por Eliane Gonçalves - repórter da Rádio Nacional - São Paulo
No dia 10 de dezembro, um documento muito importante completou 75 anos. É a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Uma carta de princípios a ser seguida por países e governos do mundo inteiro para garantir vida digna para todas as pessoas.
O texto foi aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU), recém-criada na época e ainda abalada pelos horrores da Segunda Guerra Mundial. Três quartos de século depois, ainda é um desafio para muitos de nós alcançarem os parâmetros estabelecidos pelo documento.
"Se realmente existe os direitos humanos, por que que não tá na prática? Porque que não serve pra todo mundo? Pro índio? Pros quilombolas? Cadê? Nós tem nossos direitos? Nós tem?! Cadê nossos direitos, onde foi parar?!".
A líder comunitária de Porto de Areia lança as perguntas no ar empoeirado da favela que fica na região metropolitana de São Paulo, a cidade mais rica do Brasil.
"Meu nome é Gleide. Sou uma líder comunitária da Porto de Areia. Sou uma presidente de uma associação, tá? E eu sou uma líder que defendo o direito dos moradores, não só daqui da Porto de Areia, mas de outras comunidades também. Porque eu acho que o direito tá aí, que é para todos ter uma moradia digna nesse Brasil, e é por isso que eu tenho como liderança."
Em Porto de Areia vivem cerca de mil famílias. Lá não tem asfalto. O esgoto corre a céu aberto. Água e luz elétrica também não tem. A comunidade surgiu no início dos anos 2000, depois que as famílias perderam tudo em um incêndio em outra favela, no centro de São Paulo.
A saída foi ocupar o terreno vazio entre uma antiga cava de mineração e um lixão, na cidade de Carapicuíba. Lutar por direitos faz parte do cotidiano da comunidade.
Direitos que, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, já deveriam estar assegurados. Um compromisso firmado há 75 anos pelos países que integram as Nações Unidas, entre eles o Brasil.
“É de primordial importância que tenhamos em mente o caráter básico desse documento. Não é um tratado. Não é um acordo internacional. Não é e não pretende ser uma declaração de lei ou obrigação legal”.
Eleonor Rooselvet, ex-primeira dama dos Estados Unidos, presidiu a comissão que elaborou a declaração. No dia 10 de dezembro de 1948, coube a ela explicar o caráter do texto que seria aprovado logo depois pelos países. Não se trata de uma lei, mas de um compromisso.
A Declaração conta com 30 artigos.
- O primeiro garante que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
- O segundo explica que esses direitos não distinguem raça, cor, sexo, idioma, religião ou opinião política.
- Depois, garante que todos tem direito à vida, à liberdade e à segurança, e quem ninguém pode ser escravizado ou submetido a torturas.
- Ninguém pode ser detido, preso ou desterrado arbitrariamente. E todos tem direito a julgamentos justos nos tribunais.
- O texto também diz que as pessoas têm direito à propriedade e que os espaços privados não podem ser violados.
- E que todos têm direito a uma nacionalidade, a circular livremente e eleger seus representantes. E que, em caso de perseguição, têm o direito de procurar asilo.
- Também prevê que as pessoas têm direito a se casar, desde que na idade adequada.
- Que o direito à liberdade de pensamento e religião é garantido. Assim como é garantido o direito à livre opinião e livre associação. Sabe partido político?
- Também diz que cada pessoa tem o direito à segurança social, à cultura e às artes, à educação, ao trabalho livre e ao descanso, e a condições de vida adequadas, com casa e comida que garantam a saúde e o bem-estar.
- E determina como obrigação o respeito aos direitos dos outros seres humanos.
“É uma declaração de princípios básicos de direitos humanos e liberdades e que deve servir como um padrão comum para todos os povos de todas as nações”, diz Roosevelt.
Mas nem todos conseguem ter acesso a esse padrão. Não é, Gleide?
"A gente mora numa comunidade. Cadê o direito da nossa água? Cadê o direito da nossa luz? Cadê o direito dos meus filhos, dos filhos dos meu vizinho terem uma escola boa? Fala pra mim, cadê? Onde que foi parar esses direitos?"
As questões de Gleide mostram os desafios que não só o Brasil, o mundo todo, precisa enfrentar para fazer valer a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Mas isso não significa que, só porque nem tudo o que foi escrito virou realidade, a Declaração não seja importante. Pelo contrário.
“Eu acho que a gente tem que entender, em primeiro lugar, que direito não é algo essencializado. O direito é uma conquista coletiva ou um processo coletivo de reconhecimento. Às vezes a gente pensa que o direito está dado, é facilmente reconhecido, e não é”.
Esse é o Marcos Toletino. “Sou uma bicha que vive com HIV, historiador e ativista”, descreve.
Ele deixa claro: entre a teoria e a prática, é preciso que existam pessoas como a Gleide, de Porto de Areia.
“Sempre tem essa discussão da contradição entre a norma e a prática. Quais processos estão envolvidos na afirmação de um direito, no reconhecimento de um direito, na demanda por um direito? Que é fruto de processos culturais, sociais, mas principalmente processo de articulação da sociedade civil. O Estado não acorda um dia e fala: ‘tem um direito aqui que a gente acha que está faltando’. Você precisa de articulação social, política”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada por 50 dos 58 países que integravam as Nações Unidas naquele momento. Oito se abstiveram. Ninguém votou contra.
*Com produção e colaboração de Thiago Padovan e sonoplastia de José Maria Pardal.
Edição: Beatriz Arcoverde/ Sumaia Villela