Relatório da ONU revela que, enquanto 780 milhões de pessoas passam fome, o mundo desperdiça 1 bilhão de refeições todos os dias.
O Índice de Desperdício de Alimentos 2024, publicado nesta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostra, mais uma vez, o descompasso entre a fome no mundo e o desperdício de alimentos.
O relatório traz também orientações aos países sobre o aprimoramento da coleta de dados e sugere as melhores práticas para passar da mensuração à redução do desperdício alimentar.
O documento tem dados de 2022 e leva em consideração todos os continentes. Segundo o relatório, analisando a cadeia de produção de alimentos, do produtor até a chegada aos domicílios, foram desperdiçadas mais de 1 bilhão de refeições por dia naquele ano.
Em contrapartida, 783 milhões de pessoas foram afetadas pela fome e um terço da humanidade enfrentou insegurança alimentar no período.
Foram 132 kg de alimentos desperdiçados por pessoa durante o ano de 2022. Isso equivale a US$ 1 trilhão jogados fora em todo o mundo, quase metade do valor do PIB do Brasil naquele ano.
A maior parte do desperdício aconteceu nas residências, 60%. Serviços de alimentação, como bares e restaurantes, foram responsáveis por 28% e o varejo, como os supermercados e feiras livres, 12%.
Gustavo Porpino, pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios, fala da realidade brasileira, onde há uma necessidade de implementar ações nas etapas anteriores à chegada do alimento na mesa do brasileiro, para diminuir os índices de desperdício alimentar no país.
“Parte do desperdício que acontece, por exemplo, nas famílias, se dá por deficiências nas etapas anteriores da cadeia produtiva, tais como manejo inadequado de pragas na fazenda, manuseio pós colheita ainda deficiente, uso de embalagens inapropriadas para transporte, deficiências também na cadeia do frio, e também algo muito importante, cadeias produtivas muito longas e fortemente baseadas em transporte rodoviário. Então, frutas e hortaliças, por exemplo, por vezes, podem chegar ao supermercado com o tempo de vida já reduzido e sem a qualidade ideal e, naturalmente, vão apodrecer mais rapidamente na geladeira na casa das famílias”, explica.
Kiko Afonso, Coordenador Nacional da Ação da Cidadania, um dos maiores movimentos sociais de combate à fome do Brasil, concorda com a análise do pesquisador da Embrapa.
“Mas as estimativas apontam que mais de 80% do desperdício de alimentos no Brasil, vem da cadeia produtiva do alimento até o supermercado. Os dados estimados é que, só no Brasil, o que se desperdiça, daria para alimentar oito vezes a população brasileira durante o ano. Então, é preciso de fato tomar medidas e conscientizar a população em relação ao seu papel, mas não culpar o cidadão nesse processo apenas porque ele é só um pedaço desse problema”, avalia Afonso.
Porpino, pesquisador da Embrapa, dá exemplos práticos para a redução do desperdício, por exemplo, no setor de supermercados e feiras livres.
“Requer organizar melhor as sessões de hortifruti, principalmente porque são alimentos mais sensíveis e ainda é comum vermos frutas e legumes empilhados em supermercados. Os supermercados também podem ter sistemas para incrementar a previsão de demanda e organizar melhor o estoque. E algo muito importante e essencial é treinar os colaboradores para manusear corretamente os alimentos mais sensíveis e manter os alimentos bem organizados nas gôndolas. Há também muitas oportunidades do supermercado se conectarem mais com bancos de alimentos, para ampliarem as doações dos alimentos excedentes e claro ainda seguros para consumo”, detalha.
Para além da questão da fome, o desperdício também está relacionado a questão ambiental. As perdas de alimentos geraram de 8% a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa – quase cinco vezes mais do que o setor de aviação.
Um cenário que espelha essa realidade é pensarmos que resíduos orgânicos, gerados pelas centrais de abastecimento, feiras livres, supermercados e residências, por vezes, são descartados ainda em lixões e emitem grande quantidade de gases de efeito estufa, principalmente o metano.
* Com produção de Dayana Vitor