Quase 40% das crianças e adolescentes exercem algum trabalho infantil
Quase 40% das crianças e adolescentes brasileiros, em idade escolar, exercem algum tipo de trabalho infantil. Esse percentual é oito vezes maior do que os dados oficiais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que apontam apenas 4,9%.
As informações estão no relatório “Evidências da prevalência de trabalho infantil na população escolar brasileira”, do professor de Educação da Universidade de Stanford, Guilherme Lichand. A pesquisa foi apresentada nesta sexta-feira, no “Seminário Internacional Comemorativo dos 5 anos do Pacto Nacional pela Primeira Infância”, em Brasília.
Lichand alerta que, apesar de os dados da pesquisa representarem a população em idade escolar, o trabalho infantil pode estar presente entre crianças mais novas. E aproveita para tirar uma dúvida muito comum sobre crianças que desempenham pequenas tarefas onde residem.
"Uma preocupação ao se falar com as crianças é simplesmente perguntar: Você trabalha? e elas responderem: Sim, eu ajudo em casa. Isso pode ser erroneamente contabilizado como trabalho infantil. No entanto, atividades domésticas que não envolvem perigo não são consideradas trabalho infantil. Essa é a primeira pergunta da pesquisa: Você ajuda em casa, cuidando do irmão mais novo, arrumando, cozinhando...? Se não houver risco, isso não é considerado trabalho infantil."
O seminário é uma realização conjunta do Conselho Nacional de Justiça e da Justiça do Trabalho, por meio do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da instituição, além de Signatários do Pacto Nacional pela Primeira Infância.
Entre as medidas de enfrentamento, a mais comum é reportar os casos ao Conselho Tutelar. Também presente ao seminário, a gestora do Programa Regional de Combate ao Trabalho Infantil do Tribunal Superior do Trabalho, Eliana Alves dos Santos Nogueira, avalia ser necessário analisar outras variáveis, sempre colocando o bem-estar da criança em primeiro lugar:
"Qual é o melhor interesse da criança nessa perspectiva? A proteção dela está vinculada diretamente aos interesses dos trabalhadores do seu núcleo familiar, das pessoas do seu grupo que vão gerar renda para melhorar as condições de vida dessas crianças. É importante pensar na conciliação entre vida e trabalho, não apenas no aspecto direto do direito ao lazer, mas também no direito a uma subsistência digna e adequada para essas famílias."
Outro caminho é preencher lacunas que atrapalham o fluxo de trabalho entre as instituições, como detalha a magistrada.
"Só preenchendo esses vazios institucionais é que essa engrenagem começa a rodar, e eu vou conseguir garantir o direito à proteção prioritária e integral das nossas crianças e adolescentes. Qualquer um desses órgãos do sistema de garantia precisa entender o contexto, o todo, o que cada um faz, e como eu chego nele para fazer com que ele também atue. Se nós preenchermos esses vazios institucionais com ações de cooperação, conhecendo o que os sistemas fazem, nos qualificando para isso e criando sinergias positivas entre esses atores, vamos conseguir fazer essa engrenagem rodar."
Para o estudo, foram entrevistados 2.889 alunos em 162 escolas de todos os estados. As entrevistas foram feitas em escolas urbanas e rurais, públicas e privadas. Os estudantes foram questionados se faziam alguma atividade por, pelo menos, uma hora de maneira remunerada ou atividade não remunerada acompanhada de algum adulto.