Viva Maria: mulheres de PE garantem manutenção de resolução do Conanda

Saudações democráticas a todas as pessoas que, de alguma forma, ontem viveram um dia único na história desse nosso Brasil.
Depois da redemocratização do país, nunca vivenciamos um processo criminal que, por unanimidade, acatasse o parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet, na denúncia que acusava os artífices de tentativa de golpe de Estado, que em 8 de janeiro de 2023, e acabou por destruir o centro do poder em Brasília, em cenas dignas de um filme aterrorizante.
Não admira que aquele domingo trágico tenha entrado para a história como o Dia da Infâmia. E ontem, sem Bíblia nem batom, Bolsonaro tornou-se réu junto com seus aliados e ex-assessores, entre eles os ex-ministros Braga Netto e Anderson Torres. Agora, eles responderão a um processo que pode, inclusive, levar à prisão do ex-presidente.
E nós, aqui, comemoramos essa primeira resposta da Justiça e seus desdobramentos com a enfermeira Paula Viana, do grupo Curumim, de Recife, que, há anos, como militante feminista, trava uma luta incansável pelos direitos das crianças e das meninas. É com ela que vamos celebrar duas vitórias conquistadas a duras penas conquistadas no início desta semana, não é verdade, minha amiga?
"Pois é, estamos aqui comemorando! Foram duas vitórias importantes no cenário político brasileiro."
Eu queria que você explicasse a razão dessa conquista que vocês, com muita luta, conseguiram alcançar. Conta pra gente o começo dessa história.
"Bom, Mara, essa resolução chega muito atrasada no Brasil. O Conanda, na verdade, pela primeira vez desde a sua fundação, que ocorreu junto com o ECA, há quase 30 anos, não havia tratado o o tema da violência sexual de forma tão séria e com responsabilidade sobre os direitos sexuais e reprodutivos de crianças e adolescentes. Infelizmente, a cada ano que passa, aumentam os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Essa população é a que mais sofre estupro, e a maioria das vítimas tem menos de 13 anos. São crianças, e algumas ficam grávidas. A violência sexual contra meninos é terrível e tem consequências graves para a saúde mental e sexual, mas, para as meninas, para as pessoas com útero que podem gestar, as consequências vão além: elas engravidam. Muitas vezes, esses corpinhos ainda em formação correm risco. Na verdade, a interrupção da gravidez de crianças menores de 14 anos se enquadra nos dois permissivos previstos no Código Penal de 1940: risco de vida e gravidez resultante de estupro. Então, essa resolução apenas estabelece um fluxo de atendimento. O sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente envolve vários campos, como saúde, segurança pública, conselhos tutelares e educação. São diversas instituições responsáveis por esse sistema de garantia.
O Conanda tomou essa decisão a partir de uma provocação do grupo "Criança Não É Mãe". Inclusive, essa resolução ficou conhecida como Resolução "Criança Não É Mãe". No ano passado, esse movimento cresceu por conta do caso 1904 . Na época, inclusive, participei do Viva Maria para falarmos sobre isso. O que vimos foi que 82% da população não quer retrocessos nos direitos reprodutivos e no acesso ao aborto."
Eu queria que você falasse agora sobre a proposta de autoria do vereador Gilson Machado Filho, do PL, que tentou barrar essa resolução na Câmara Municipal do Recife, não foi?
"Infelizmente, estamos vendo projetos de lei pipocando para tentar tirar a função do Conanda, anular a resolução e revogar tudo, baseados em preceitos religiosos, e não científicos ou sociais. É um ataque. Aqui em Recife, conseguimos identificar a movimentação para colocar o tema em votação e nos mobilizamos. Na segunda-feira, vários movimentos estiveram na Câmara: o Movimento de Mulheres Sem Terra, o Movimento de Trabalhadoras Sem Teto, o Fórum de Mulheres de Pernambuco, a Frente Pernambucana pela Legalização do Aborto e várias outras organizações, como o Grupo Curumim e a Gestos. Muitas de nós lá. O vereador recuou, visivelmente assustado. Mas, no dia seguinte, tentou colocar a proposta em votação novamente, achando que não teríamos força para reagir. Aí fomos em dobro e não só o grito, palavras de ordem, o que também motiva, mas fizemos corpo a corpo, conversamos e explicamos o que a resolução realmente significa. O que acontece é um mar de desinformação. Muitos vereadores votam contra sem sequer ler ou entender a proposta. O grande aprendizado dessa mobilização foi ampliar a conscientização sobre o tema. Chamamos esse fenômeno de "terraplanismo reprodutivo". O que estamos enfrentando são ataques à ciência, às políticas públicas e às leis já existentes."
Em nome de todas as Marias, agradecemos a força do movimento feminista de Pernambuco por essa vitória contra a tentativa de anular a resolução do Conanda.



