O Banco do Brasil teve participação no tráfico de pessoas escravizadas no século 19. É o que aponta um estudo desenvolvido por pesquisadores e professores de universidades públicas e estrangeiras, como UFF, UFRRJ, UFRJ, UNICAMP, e Harvard, encaminhado ao Ministério Público Federal, que instaurou inquérito civil. O órgão notificou o banco a respeito, e aguarda manifestação sobre o reconhecimento desta participação e medidas de reparação.
O procurador Julio Araujo, responsável pela apuração, dá mais detalhes sobre o material apresentado na pesquisa.
“Tem uma análise histórica, baseada nas pesquisas, que mostra o vínculo de pessoas que fundaram o banco e que participaram de diretorias do banco, com o tráfico de pessoas escravizadas, nas várias formações do banco, isso é importante dizer também”.
Alvaro Pereira do Nascimento, professor titular de História do Brasil na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e um dos responsáveis pelo estudo, ressalta que a ideia surgiu da percepção da necessidade de reparação pelo crime cometido. Ele também explica a partir de que tipo de material a pesquisa foi desenvolvida.
“A partir de documentos históricos encontrados, e oficiais, encontrados em arquivos nacionais e estrangeiros foi possível perceber que acionistas do Banco do Brasil se beneficiavam de empréstimos ou investimentos do banco, provenientes do comércio ilegal de escravos”.
O prazo para a resposta do Banco do Brasil é de até 15 dias úteis. O banco deverá, ainda, apresentar medidas que pretende implementar no curto prazo em decorrência do eventual reconhecimento de seu papel na escravidão e no tráfico transatlântico. Também deverá se manifestar sobre o financiamento de pesquisas sobre esse passado.
Álvaro enfatiza a necessidade do reconhecimento por parte da instituição.
“Nós esperamos que o banco em primeiro lugar reconheça a sua história, o seu passado. Nós entendemos que o banco será mais forte ainda quando ele reconhecer os seus erros, o erro cometido na sua origem, no seu passado, no século 19”.
O procurador Julio Araujo reforça que o estudo é importante para provar que a escravidão no Brasil se estendeu por muito tempo além de seu término legal, e a grande presença desta realidade nas instituições nacionais.
“Certas instituições, como é o caso do Banco do Brasil, foram constituídas pelo tráfico de pessoas escravizadas e pela escravidão. Elas se ergueram pelo tráfico. O tráfico de pessoas escravizadas no Brasil é proibido por lei pelo menos desde 1831, mas isso não foi o suficiente para libertar as pessoas que chegavam aqui e seus descendentes. O tráfico, a lei de 31, que é a considerada lei para inglês ver, ela não pegou, e o tráfico só acaba mesmo para valer em 1850”.
O Ministério Público Federal assumiu a responsabilidade de promover audiências públicas para tratar de um possível plano de reparação a ser adotado pelo banco. A primeira delas já está marcada para o próximo dia 18, no Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, no Rio de Janeiro, com o tema “Consciência negra e reparação da escravidão”.
Em nota, o Banco do Brasil ressaltou que lamenta profundamente esse capítulo da história, valoriza o trabalho realizado pelos pesquisadores e mantém o compromisso com a diversidade, desenvolvendo boas práticas nesse sentido. Além disso, a instituição ratificou sua disponibilidade para prestar esclarecimentos sobre o tema.