Índios treinam para as competições de canoagem
Índios brasileiros e estrangeiros, com pouca ou nenhuma familiaridade com a canoagem tradicional, passaram por um treinamento na manhã desta terça-feira (27), três dias antes do início das competições no Ribeirão Taquaruçu-Grande, em Palmas. O treinamento promovido pela organização dos Jogos Mundiais Indígenas foi necessário porque eles terão que enfrentar os assurinis, do Pará, e erikibaktsa, do estado de Mato Grosso, povos com mais experiência na prática da canoagem.
Jairton Kaigang foi um dos primeiros a experimentar a canoa de prova. Estreante na canoagem, ele precisou de algumas lições para conseguir avançar até as águas abertas. “Na nossa aldeia [no Paraná] não tem um rio desse tamanho. Lá perto existe só um córrego e a gente não tem o costume de usar esses barcos. Achei interessante e divertido”, disse. “Tivemos dificuldade para nos equilibrar, e ainda não estamos sabendo fazer a volta. Mas vamos tentar”, acrescentou.
Tricampeões nacionais na canoagem, os assurinis também testaram o equipamento. “Não muda muito em comparação com a nossa canoa. Viemos aqui para ver se ela é mais leve ou mais pesada do que estamos acostumados”, afirmou Toriauia. Segundo ele, equilibrar a canoa não é a parte mais difícil, mas, sim, controlá-la e conduzi-la dentro do percurso estabelecido – um triângulo demarcado por boias.
Indígenas do México, da Guiana Francesa, Colômbia, Nova Zelândia, Filipinas, dos Estados Unidos, da Finlândia, Nicarágua, do Canadá, da Costa Rica e do Uruguai também puderam testar as canoas. Pelo menos três duplas estrangeiras perderam o equilíbrio e deixaram a canoa afundar. “Foi difícil. A canoa daqui é diferente da que temos na Guiana Francesa. Foi a primeira vez que entrei em uma canoa usada pelos brasileiros”, disse o índio Martial.
O norte-americano Melt Spottedbear também testou a canoa. Apesar de achá-la diferente, disse que não foi difícil dominá-la. “Não ficamos com medo de usá-la e acredito que podemos nos sair bem”, afirmou. Já Sérgio Santana, do México, está acostumado com a prática, mas encontrou diferenças entre o estilo brasileiro e o do seu povo. “O tamanho do nosso remo é maior, e ele também é mais aerodinâmico. A nossa canoa também é cerca de 1 metro maior, e feita de uma madeira diferente”.
O presidente da Federação de Canoagem do Estado do Pará, Evaldo Malato, disse que a técnica da canoagem tradicional é a mesma da dos atletas olímpicos. “A saída do remo da água é o que dá direção à canoa, mantendo-a reta”, explica. “Para o indígena, a canoagem é uma necessidade cotidiana. Surgiu como um veículo de locomoção e hoje é uma prática esportiva, de identidade cultural própria, reconhecida pela Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa)”, afirmou.
Tetracampeão mundial da paracanoagem, o atleta Fernando Fernandes acompanhou as sessões de treino e relatou a experiência vivida durante um estágio de cinco dias na aldeia dos Javaés, em Tocantins. “Vim para cá para conhecer as raízes do meu esporte e saber de onde o esporte que eu pratico veio. A canoagem tradicional, olímpica, e paralímpica, são bem diferentes. Mas deu para sentir a capacidade física dos povos e a aptidão natural que eles têm”. Fernandes propôs a valorização dos talentos nativos. “Por que a gente não começa a desenvolver a canoagem do nosso país? Os indígenas têm essa competência e vigor, e esta [os Jogos Mundiais] está sendo uma grande oportunidade de mostrar isso”.
Confecção das canoas
A organização confeccionou 20 canoas para as disputas, todas feitas do mesmo material para evitar algum tipo de favorecimento. A madeira utilizada é a cedrorana, parecida com o cedro. Com 5,5 metros de comprimento e aproximadamente 55 quilos, as canoas foram projetadas para a competição – e, por isso, são mais estreitas, o que diminui o arrasto na água e dá mais velocidade ao equipamento.
O processo de confecção é artesanal e leva de 15 dias a um mês. Depois da derrubada da árvore, o tronco passa por desgalhamento e alinhamento, em um processo que dura de dois a três dias. Em seguida a canoa é esculpida a golpes de machado e passa pela brocação do casco, escavação do tronco e a queima, ponto em que a tora é amolecida até o seu limite para ganhar forma. Por fim, é feito o acabamento, quando os bancos são colocados e a calafetagem dos furos é concluída.
Cada canoa tem uma caracterização única – pinturas que seguem as tradições de várias etnias nacionais, nas cores preta e vermelha. A escolha das canoas será feita por sorteio, e as baterias terão até seis duplas participantes. Os canoeiros podem usar seu próprio remo, e a direção de prova fornecerá remos adequados para os que precisarem. A largada é dada na praia: os atletas devem colocar a canoa na água para, só depois, começarem a remar.
Treino de canoagem nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas