Escritora de 11 anos é homenageada na Flupp
Ágatha Cris, de 11 anos, não tem apenas o nome em comum com a inglesa Agatha Christie, conhecida mundialmente pelos seus romances policiais. A pequena Ágatha também é escritora e o seu primeiro livro, um suspense, tem como personagem central um detetive, ou melhor uma gata detetive, que desvenda casos misteriosos onde mora, no Morro Chapéu Mangueira, uma favela na zona sul do Rio de Janeiro.
O Mistério das Árvores da Rua Roberto foi lançado em junho e, desde então, a menina é uma referência na comunidade e entre os jovens escritores do país. Por ter sua vida transformada pela literatura, Ágatha está entre os autores homenageados pela Festa Literária das Periferias (Flupp), que começa hoje (3). Com debates, leitura de poesia, competições e lançamento de livros, a festa se estende até domingo (8), nas favelas Babilônia e Chapéu Mangueira.
Ágatha vai receber o Prêmio Carolina Maria de Jesus (a escritora Carolina Maria de Jesus morava em uma favela de São Paulo, quando foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas. Em 1960, ela lançou o livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, que a revelou para o mundo). O prêmio será entregue em uma cerimônia no Morro Chapéu Mangueira, onde a jovem escritora mora e é cenário de suas histórias. A menina diz nunca ter lido os livros da escritora inglesa, mesmo tendo dois, mas acredita que o incentivo à leitura, em casa e na escola, a despertou para a literatura. “Se não fosse isso, não conheceria outras histórias e não saberia fazer uma minha”, disse, e cita Lygia Bojunga, com contos infantojuvenis, com uma de suas escritoras favoritas.
Impulsionar novos autores e estimular leitores, com pontos de vista e experiências diferentes, é o objetivo da Flupp, que vem fazendo uma série de atividades em escolas ao longo do ano. Nesta quarta edição, o evento deve reunir mais de 20 mil pessoas e mobilizar a rede de saraus da cidade.
Um dos curadores do evento, Ecio Salles, disse que promover a literatura na periferia, feita por seus próprios moradores, é também uma forma de romper o estigma que associa as favelas “à violência ou à carência” e mostra que são espaços com grande potencial estético e criativo. “Precisamos criar oportunidades para as periferias se expressarem por si, não porque elas trazem uma verdade maior ou melhor, mas porque têm algo a dizer, uma verdade própria”.
Por meio da Flupp, várias coletâneas foram lançadas este ano, incluindo três romances: A Número Um, de Raquel Oliveira, sobre a relação da autora com Naldo, um traficante da Favela da Rocinha; Sobre Garotos que Beijam Garotos, de Enrique Coimbra, que trata dos dilemas de um jovem gay, além de Cidade de Deus Z, de Julio Pecly – uma trama de zumbis na comunidade da zona oeste do que dá nome ao livro.
Participam da festa literária cerca de 50 escritores nacionais e estrangeiros, como Martinho da Vila, Elisa Lucinda, Luiz Eduardo Soares e Fasuto Fawcet. Uma das atrações internacionais é o escocês Alan Campbel, que usa a linguagem dos games em seus romances. Além de debater literatura, eles vão conversar sobre violência, meio ambiente e ciências.
Programação
Ágatha Cris participou hoje (3), às 19h, da abertura da Flupp e recebe, domingo, às 14h, o Prêmio Carolina Maria de Jesus. Depois vai estar em um bate-papo com o público. O recém-lançado livro da jovem O Mistério das Árvores da Rua Roberto está à venda na farmácia Ofertão do Leme, na comunidade. A publicação foi editada com a ajuda de voluntários e de um professor da menina.
Entre as atividades, a Flupp também organiza uma competição de poesia falada entre poetas de 16 países, como Polônia, África do Sul e Uruguai, em seis idiomas. O juri do chamado II Rio Poetry Slam é o próprio público que pode assistir à disputa gratuitamente até sexta-feira (6).
Quem for à festa literária também vai poder conferir nos muros e postes, lambe-lambes e histórias em quadrinho sobre personagens que são um marco na histórica local.
Esta edição da Flupp homenageia Nise da Silveira, a primeira psiquiatra a rejeitar práticas cruéis no tratamento dos pacientes, como eletrochoques e o confinamento. Ela revolucionou o setor e abriu caminho para terapia ocupacional, método sobre o qual publicou vários livros.