Comissão da Verdade: documentos contradizem álibi de ex-comandante do DOI-Codi
Comandante do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro na época em que o ex-deputado Rubens Paiva foi torturado e morto, o general Antônio Nogueira Belham pode ter seu álibi desmentido, caso se confirmem informações contidas em um documento apresentado hoje (9) pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Conforme a folha de alterações do militar, ele teria recebido diárias para trabalhar, mesmo estando de férias – argumento que sempre usou como álibi para dizer que não estava de serviço no período em que Paiva foi preso. De acordo com a comissão, o deputado morreu entre os dias 19 e 20 de janeiro de 1971.
A folha de alterações traz os registros da trajetória funcional de Belham. Dela consta que, apesar das férias iniciadas no dia 18, o militar foi deslocado, “em caráter sigiloso”, entre os dias 17 de janeiro e 13 de fevereiro, tendo recebido diárias inclusive no dia 20. Segundo o coordenador da comissão, Pedro Dallari, no depoimento que prestou hoje (9) de manhã, o militar não soube explicar por que recebeu diárias durante as férias.
“O general Belham não conseguiu refutar de maneira consistente os documentos que, de posse da comissão, indicam que ele estava presente no DOI-Codi quando o parlamentar foi assassinado. E mais do que isso: que ele teve acesso e manipulou cadernetas apreendidas durante a prisão de Rubens Paiva”, disse Dallari.
De acordo com o coordenador da CNV, tudo leva a crer que Belham não só era comandante, como também esteve presente no momento em que Rubens Paiva foi morto. “Essa é a convicção da comissão, que deu a ele oportunidade de contestar as informações”, disse Dallari. Ele ressaltou, no entanto, que isso não prova qualquer participação direta do militar nos atos de tortura cometidos contra o parlamentar.
“Salvo algumas poucas palavras, Belham optou pelo silêncio durante o depoimento, o que não nos deu outra alternativa, que não manter a versão que temos até agora. Em diversos momentos, Belham recusou-se a responder a nossas perguntas. Sobre a folha de alterações, ele apenas disse que as informações apresentadas no documento estavam incorretas. Em outros momentos, para se esquivar das perguntas, respondeu que nada tinha a declarar”, acrescentou.
Outro a depor hoje foi Carlos Orlando Fonseca de Souza. Na época, 1972, Souza era soldado que prestava serviço militar obrigatório no Araguaia, região onde ocorreram diversos conflitos entre militares e guerrilheiros. Atualmente, ele é advogado da União aposentado e professor da Universidade Federal do Pará. Ele foi convocado para apresentar sua versão sobre a morte da ex-guerrilheira Elenira Rezende, cujo codinome era Fátima.
De acordo com Dallari, alguns dos relatos feitos por Souza apresentaram inconsistências. “Pareceu estranha a alegação de que teria havido troca de tiros por três dias consecutivos, em um cerco da guerrilha ao comando militar. Isso não se coaduna com as informações que estão disponíveis sobre o que houve na Guerrilha do Araguaia”, disse Pedro Dallari.
“Ele [Souza] sustentou uma versão diferente das que constam até agora dos registros, segundo os quais Elenira foi torturada depois de ter sido atingida. Essa é a versão revelada por testemunhas. Na versão dele, ela teria sido morta em combate, ao qual não sobreviveu. Portanto, não poderia ter sido torturada. Agora, a comissão terá de analisar essas diferentes versões, para identificar qual é a que tem maior consistência”, acrescentou.
Segundo Dallari, a Guerrilha do Araguaia foi a que gerou maior número de desaparecidos. “São 70 pessoas sobre as quais não se sabe onde estão os corpos.”
Sem entrar em detalhes, Dallari informou que, em outra frente de investigação da CNV, representantes de empresas nacionais e estrangeiras acusadas de ter colaborado com a ditadura militar deverão ser interrogados. “Em um primeiro momento, queremos apenas informações sobre supostas espionagens feitas [tendo como foco seus trabalhadores, à época]”, explicou.