Produtores retirados de área indígena querem apoio do governo para sobreviver

Publicado em 04/12/2014 - 14:19 Por Carolina Gonçalves - Repórter da Agência Brasil - Brasília

Famílias desintrusadas da Terra Indígena Marãiwatsédé recebem benefício do Minha Casa Minha Vida

Famílias desintrusadas da terra indígena Marãiwatsédé recebem benefício do Minha Casa, Minha VidaDivulgação Incra

Por mais de dez minutos, o agricultor João Machado silenciou e emocionou representantes do governo e deputados da Comissão de Agricultura da Câmara. Aos 72 anos, Machado é um dos posseiros retirados, em janeiro de 2013, da área indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, reconhecida pela Justiça Federal como propriedade dos índios da etnia Xavante.

“É minha profissão. Foi o que aprendi e não tenho mais o que fazer. Minha carteira [profissional] é de lavrador”, disse hoje (4), durante audiência pública para discutir as consequências, medidas e atitudes tomadas no processo de desintrusão e pós-desintrusão dos moradores do Posto da Mata, distante mil quilômetros de Cuiabá.

O debate foi marcado por depoimentos de ex-moradores e agricultores da região. Machado ressaltou que os agricultores reconhecem a importância da preservação e criticou a forma como a produção agrícola é considerada vilã ambiental.

“É um povo que enriqueceu o país com a ousadia do trabalho que hoje é criminoso. Decidiram chamar de agronegócio. Vocês estão vivendo hoje de um crime. O crime de trabalhar, produzir, adquirir. Eu não sei falar, mas vivemos uma época de inconsciência, falta de respeito ao ser humano. É falta de respeito e consideração a essas vidas. Estou com 72 anos, mas e os outros?”, completou Machado.

Outros produtores que tiveram de deixar a região lembraram que a desintrusão atingiu pequenos, médios e grandes proprietários. Segundo eles, muitos fazendeiros de porte à época dependem hoje da distribuição de cestas básicas pelo governo do estado. Outra parte com menos condição foi selecionada para deslocamentos para um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“O pessoal está jogado debaixo de lona, sem água e energia”, protestou Renato Teodoro, ex-presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Agropecuária Suiá Missu, que ocupou a região desde os anos 60. Segundo ele, na época, uma comissão de moradores esteve em Brasília, com autoridades do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para alertar sobre o problema que seria causado após a desintrusão. “Mas não houve nenhum ajuste ou providência. Se algo aconteceu, a culpa é dos direitos humanos”, afirmou.

Para Renato Teodoro, mais de 50 pessoas morreram no local desde a retirada dos moradores de Posto da Mata. “A sensação é de abandono. Estamos pedindo clemência para o povo, e as autoridades não ouvem. Dois anos já se passaram”, completou.

Vice-prefeita de Alto Boa Vista, Irene Maria Rocha dos Santos reforçou a falta de condições do local. “Somos 1,5 mil famílias e 5 mil pessoas. Dessas, apenas 12 estão assentadas no [projeto de assentamento] Casulo. Disseram que as casas sairiam até julho, mas até agora nada. Onde estão o assentamento, a casa, moradia e vida digna?”, questionou.

Irene acrescentou o caso de uma família que se alimenta de restos do lixão. “[O pessoal dos] direitos humanos nunca nos procurou. Esse povo deveria participar para sentir a realidade. Das 12 pessoas que têm casa montada lá, uma estava no lixão outro dia pegando lixo e comendo coisa podre”, assinalou.

O ouvidor Nacional de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Bruno Renato Nascimento Teixeira, explicou que a ouvidoria acompanhou o processo até o deslocamento dos moradores para o assentamento. Segundo ele, não há informações sobre a atual situação.

“Se as coisas não avançaram a contento, cabe ao governo continuar acompanhando e dialogando com os senhores, porque o papel da ouvidoria é colher informações e buscar soluções. Este caso nunca foi minorizado. Temos um servidor destacado para acompanhar a discussão. Vamos continuar acompanhando”, garantiu. Segundo Teixeira, uma comissão irá até o local para fazer um novo diagnóstico da situação do assentamento.

O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) explicou que “a ideia [da audiência] é ter a responsabilidade de construir um novo futuro, já que não é possível mudar o que passou”. Leitão assegurou que não adotou o discurso de oposição, mas afirmou que o governo não assumiu postura clara em relação ao problema. “Vou propor à Casa um grupo de trabalho. Sugerimos isto para ao governo e não tivemos êxito. Vamos reunir deputados e senadores e tentar construir um novo futuro”, concluiu.

O fiscal federal Paulo Alex Meneses Mendes, coordenador-geral substituto de Sustentabilidade do Ministério da Agricultura, observou que a pasta não pode atuar diretamente nesse caso. Mendes adiantou que o processo sobre a situação de ex-moradores e produtores da região está na Justiça. “Para o ministério, é uma surpresa muito desagradável. É sempre complicado e difícil deparar com tal cenário. Realmente tem coisa errada”, avaliouMendes. Ele informou que o ministério terá representantes no grupo de trabalho do Legislativo.

Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Richard Torsiano explicou que o órgão enfrenta problemas na gestão territorial, principalmente por causa da dificuldade na aquisição de terras. Ele reconheceu que o ideal seria a desintrusão de terras ser feita apenas quando o assentamento estivesse pronto.

Criticado pelos ex moradores e produtores, que o acusaram de “enganar as pessoas” ao afirmar que o Incra faz o que é de sua competência e dentro de limitações legais e financeiras, o diretor prometeu buscar informações sobre recursos que a superintendência do órgão afirma estarem sendo liberados.

“Concretamente o que a superintendência nos apresenta é a celebração de convênio com repasse de R$ 300 mil reais para enfrentar o tema". Segundo ele, R$ 294 mil já foram liberados em créditos de R$ 3,2 mil por família. “Temos de avaliar o que está sendo considerado liberado. Teremos a resposta concreta e a levaremos para vocês”. Outro compromisso será buscar informações sobre o dinheiro operado pelo Programa Minha Casa, Minha Vida Rural, para construção das casas. “A informação é que os recursos estão assinados na agência do Banco do Brasil de São Félix do Araguaia. Vamos buscar essa certeza”, afirmou o diretor.

Edição: Armando Cardoso

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