Campanha da Anistia Internacional contra mortes de jovens negros chega à Maré
A Anistia Internacional levou a campanha "Jovem Negro Vivo" para o Complexo da Maré, na zona norte do Rio. A campanha foi lançada em dezembro, mas, pela primeira vez, promove ações diretamente nas comunidades. O diretor executivo da anistia, Átila Roque, disse em entrevista à Agência Brasil, que é importante romper com uma espécie de pacto de silêncio que permanece no Estado e na sociedade brasileira em relação ao alto índice de homicídios de jovens, particularmente de negros. “A gente precisa como sociedade dizer um basta a isso. A gente não pode continuar a conviver com índices tão altos de mortes.”
Para o diretor, a campanha dá hoje (9) um passo importante e alcança outro patamar, porque se junta a organizações dos territórios de favelas e de periferias, que, no caso da Maré, são a Redes de Desenvolvimento da Maré e o Observatório de Favelas. “Sobretudo para reconhecer que não será possível mudar essa realidade se não engajar as próprias pessoas nos territórios onde essa violência ocorre de maneira mais aguda. É importante que o território de favelas, como é o caso da Maré, seja reconhecido como um território de direitos, onde as pessoas não sejam apenas receptoras passivas de políticas públicas. Elas têm que ter voz nesse processo. É importante que os jovens tenham voz nesse processo.”
Átila Roque informou que, de acordo com números do Sistema Único de Saúde (SUS), de 2012, no Brasil ocorrem 56 mil homicídios por ano, sendo que mais da metade se referem a jovens entre 15 e 29 anos. Do total de vítimas, 77% são negros. “Não há solução simples para essa realidade, o quadro é muito complexo e para nós o engajamento das comunidades é uma dimensão central. A gente acredita que política de segurança não é uma questão apenas de polícia. É muito importante que o Estado reconheça isso como prioridade de fato de todo o Estado, em que a polícia é um componente mas não pode ser o único”, acrescentou.
Na avaliação do diretor, o país não pode apostar em “soluções mágicas”, e é um desafio para o Estado, para a sociedade, para os territórios onde a violência ocorre e para a própria polícia colocar a questão em um nível alto de prioridade. “A lógica predominante da segurança pública, que é a do enfrentamento, da guerra, da criminalização da juventude, em especial a da periferia, ela já se demonstrou uma lógica que só está produzindo dor. Só está produzindo dor nas famílias, na própria polícia. Tem um grau elevado de letalidade nas duas direções, a polícia no Brasil mata muito, mas também morre muito.”
Roque destacou que o perfil do jovem policial que morre nas operações é parecido com o do jovem morto nas comunidades. “É uma tragédia a morte em escala muito alta de jovens policiais É uma tragédia também a ser reconhecida e infelizmente a gente não vê o engajamento do Estado na escala que seria necessária. Sequer temos uma coleta de informação com o aprofundamento que precisávamos. O índice de impunidade é uma sinalização do quanto a sociedade não está prestando atenção a isso. Dos 56 mil homicídios no Brasil, somente cerca de 5% viram inquérito na polícia. É muito baixo”, avaliou.
As ações na Maré hoje começaram com performances da Escola Livre de Dança da Maré e Rua C – Cia. de Dança, na localidade da Feira da Teixeira. Depois houve uma roda de conversa sobre o tema no Centro de Artes da Maré.
Para a coreógrafa Lia Rodrigues, que trabalha na comunidade em parceria com a Redes da Maré e a Escola Livre de Dança, a chegada da campanha à região é importante porque a maioria dos jovens que frequentam a instituição é negra. “São negros que estão vivos e produzindo, estudando, indo para as universidades. Acho que é para mostrar que tem uma população que precisa de investimento. É preciso que o governo faça um investimento social porque têm jovens com potencial enorme aqui”, destacou Lia. Segundo ela, cerca de 300 pessoas de todas as idades estão matriculadas nas aulas de dança da escola. “Isso é uma prova de que, quando existe um equipamento estruturado, com um projeto bacana, a população comparece”, disse.
Uma das alunas, a estudante do 3º ano do ensino médio Raquel Alexandre, de 20 anos, participou da apresentação de hoje. Ela acredita que a campanha vai levar esclarecimento para os moradores da Maré. “Quando a gente mora na favela, o conhecimento demora a chegar aos moradores. Então, quando a gente vai para a rua, é muito importante para as pessoas verem e ter o entendimento sobre os jovens que são assassinados.”
Matéria alterada às 18h25 do dia 11/05/2015 para alteração do título