Fórum denuncia genocídio de negros brasileiros a conselho da ONU

Publicado em 29/11/2017 - 16:30 Por Vinícius Lisboa - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

A alta taxa de homicídios de jovens negros levou o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) a protocolar denúncia contra o Estado brasileiro em relatorias do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A denúncia foi formalizada em 22 de agosto e divulgada hoje (29), no aniversário de um ano do fórum, que reúne movimentos em defesa da igualdade racial, como a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa).

A denúncia tem como principal base o relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Assassinato de Jovens, do Senado, finalizado em 2016. Na página 145, o documento afirma, em sua conclusão, que a comissão, desde o início, "se deparou com uma realidade cruel e inegável: o Estado brasileiro, direta ou indiretamente, provoca o genocídio da população jovem e negra".

A expressão genocídio aparece já no Capítulo 1 do relatório, cujo título é O genocídio da população negra. "É a que melhor se adequa à descrição da atual realidade em nosso país com relação ao assassinato dos jovens negros", diz o texto.

Rio de Janeiro -Daniel Teixeira, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, participa do Fórum Permanente Pela Igualdade Racial (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Representante do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, Daniel Teixeira, diz que no Brasil

o  próprio Estado reconhece  que  há um genocídio  em  curso contra os jovens negros Tânia Rêgo/Agência Brasil

Advogado do fórum, Daniel Teixeira argumenta que o Estado assumiu a existência do genocídio ao produzir o documento. "Textualmente, o Estado Brasileiro, por meio de uma de suas casas legislativas, reconhece que há um genocídio em curso contra os jovens negros", disse. "É tão naturalizada essa situação dos jovens negros, que é um dos únicos casos na história em que o próprio país a assume".

Consta ainda no relatório da CPI que um jovem negro é assassinado no Brasil a cada 23 minutos, e que, entre as vítimas de homicídio no país, 53% são jovens, 77% são negros e 93% são do sexo masculino.

A denúncia foi apresentada a diferentes relatorias do conselho: a de afrodescendentes, a de racismo, a de questões de minorias e a de execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais. O texto será avaliado pelas relatorias, que podem pedir esclarecimentos e fazer vistorias no país, além de emitir um posicionamento formal na próxima sessão do Conselho de Direitos Humanos, em março.

A intenção do fórum é gerar pressão internacional para a implementação de políticas que enfrentem o problema, como as que foram recomendadas pelo relatório.

Segregação

Para Hélio Santos, do Instituto Baobá, uma das entidades integrantes do fórum, só foi possível encerrar a segregação racial na África do Sul com pressão estrangeira.

"Acreditamos que haverá, como na África do Sul, o reconhecimento de um absurdo. Entre os 10 mais ricos, o Brasil é o único de maioria negra. É uma situação avassaladora. A palavra genocida também cabe se pensarmos no impacto demográfico: são 23 mil homens [assassinados por ano], com idade entre 12 e 29 anos. Homens que ainda não procriaram. Durante 10 anos, são menos 230 mil pessoas".

A denúncia endossa as recomendações da CPI no Senado e também traz proposições próprias, como a formulação de um Plano Emergencial de Políticas para a Juventude Negra e uma CPI da Segurança Pública. 

Rio de Janeiro - Valdecir Nascimento, do Instituto Mulher Negra, participa de evento do Fórum Permanente Pela Igualdade Racial (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

A coordenadora executiva do Instituto Odara, Valdecir Nascimento, diz que é preciso cobrar responsabilidade do estado e discutir a falta de sensibilidade da sociedade e da mídia em relação às mortesTânia Rêgo/Agência Brasil

A coordenadora executiva do Instituto Odara, Valdecir Nascimento, defendeu que é preciso cobrar a responsabilidade do estado, mas também é necessário discutir a falta de sensibilidade da sociedade e da mídia em relação às mortes.

"Precisamos de novas formas de comunicar e implodir o imaginário que a mídia criou sobre a população negra brasileira. Não basta colocar negros na TV se você não implodir esse imaginário racista", disse a coordenadora. Ela criticou a associação constante de periferias e favelas à criminalidade.

"A mídia não consegue enxergar as riquezas dessas comunidades. Ela tem um olhar cotidiano de desqualificação".

Divulgado neste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência mapeou que, entre 2005 e 2015, a taxa de homicídios entre negros subiu 18,2%, enquanto a de não negros caiu 12,2%.

Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Ministério da Saúde, o estudo mostrou que a taxa de homicídios da população negra em 2015 foi quase 2,5 vezes maior que a da população não negra.

Edição: Maria Claudia

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