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Direitos Humanos

Roraima investe na primeira infância e acolhe crianças refugiadas

Crianças venezuelanas são atendidas por programas sociais
Amanda Cieglinski – Repórter da TV Brasil
Publicado em 12/10/2019 - 08:05
Pacaraima (RR)
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© TV Brasil
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As mãozinhas pequenas e a aparente fragilidade escondem um enorme potencial. A primeira infância, que vai do nascimento aos 6 anos de vida, é quando o cérebro do indivíduo está em formação: são mais 1 milhão de novas conexões cerebrais por segundo. O ganhador do prêmio Nobel de economia James Heckman defende que o investimento nesta fase traz o maior retorno para a sociedade. A partir das evidências, alguns governos já desenvolvem programas específicos para a primeira infância, como é feito há seis anos pela prefeitura de Boa Vista (RR).

“Assim como é importante a gente trabalhar na drenagem, no asfalto, na iluminação, é importante trabalhar com a primeira infância. Tem o mesmo peso. Isso porque é a fase mais importante da vida de uma pessoa”, defende a prefeita da cidade, Teresa Surita. O programa Boa Vista Capital da Primeira Infância reúne uma série de ações para atender essa fase, incluindo atendimento a gestantes, aumento de vagas na educação infantil e a criação de praças e espaços públicos para a criança, dentre outros.

Mas, em meio à implantação do programa, que já é referência para outros estados, Boa Vista se viu de frente a outro enorme desafio: a crise migratória. Desde 2017, mais de 200 mil venezuelanos já entraram no Brasil fugindo da crise política e social do país. De acordo com a prefeita, já são 70 mil venezuelanos vivendo na cidade – incluindo milhares de crianças até 6 anos de idade em situação de vulnerabilidade.

“Nós não vemos diferença entre a criança brasileira e a venezuelana, elas são tratadas da mesma forma e atendidas nos programas sociais da mesma maneira. Por exemplo, hoje, no programa Bolsa Família, cerca de 26% das famílias atendidas são venezuelanas, em um programa que a princípio era para brasileiros. Porque a gente entende que, dessa maneira, nós vamos evitar a xenofobia e trabalhar para que essas crianças que chegaram encontrem seu lugar. A gente cuida da primeira infância e sabe da importância que é você ter segurança, trabalhar os vínculos afetivos. Uma criança nessa situação chega toda fragilizada”, afirma Surita.

Uma das políticas públicas para a primeira infância do município é o espaço Família que Acolhe, onde mães e bebês recebem atendimento especializado. Além das consultas médicas, as gestantes participam de aulas sobre amamentação e aprendem a fazer brincadeiras estimulantes com os bebês. O foco principal, além de cuidar da saúde, é fortalecer os vínculos afetivos, que são fundamentais para o desenvolvimento infantil. Em seis anos, o programa já atendeu 15 mil famílias e mais de mil são venezuelanas.

Entre as mães atendidas está Leonela Azocar, que chegou ao Brasil grávida, como muitas venezuelanas. Deixou lá a filha Bárbara, de 2 anos, que hoje vive com os avós. Dormiu na rua e passou fome enquanto esperava o nascimento de Antonela, que hoje tem 5 meses.

“Me trataram tão bem, foi a primeira vez que eu tinha sido tratada tão bem assim no Brasil. Aqui me ensinaram muito porque eu já tinha minha primeira filha, mas lá eu tinha minha mãe e meu pai que me ajudavam. Aqui eu estava sozinha”, compara. Leonela sonha com o dia em que poderá trazer a outra filha para o Brasil.

“Todos os dias é como se faltasse um pedacinho do meu coração porque ela está longe. Quando eu como, eu penso: será que minha filha está comendo? O que será que minha filha, meu pai, minha mãe, estão comendo?”, diz.

Educação

Na rede municipal de Boa Vista, 12% das matrículas já são de crianças venezuelanas. Na Escola Waldinete de Carvalho Chaves, dos 333 alunos, seis são venezuelanos. Um deles é Elvis Rivas, que tem 4 anos e vive com a família no Brasil há três.

A mãe dele, Keiddy Rivas, conta que ele teve problemas no começo com o idioma, mas agora já exibe todo o vocabulário que aprendeu em português. Para ela, a escola teve um papel importante na adaptação do filho e conta que as professoras foram muito compreensivas com as diferenças linguísticas e culturais. Ela sente saudades da família e do país, mas por enquanto não pensa em voltar. “Pode ser no Brasil, na China. A gente pensa primeiro neles, na qualidade de vida dos nossos filhos”, reconhece Rivas.

Na escola, o projeto De Mãos Dadas busca integrar crianças brasileiras e venezuelanas. Alguns dos principais espaços da unidade, como o banheiro e a copa, receberam identificação nas duas línguas – espanhol e português.

De acordo com a prefeita, os professores e assistentes da rede foram capacitados em espanhol para facilitar a adaptação.  “A criança dentro da escola, eu diria que é o que tem de mais simples porque elas se integram. E como toda sala de aula tem venezuelanos, acaba sendo uma coisa natural. Acaba que o problema entre crianças praticamente não existe. O problema maior está na rua, com os adultos”, compara Teresa Surita.

Na cidade, muitos moradores reclamam da vinda dos imigrantes. Dizem que a qualidade de vida de Boa Vista piorou com a chegada dos imigrantes, principalmente a criminalidade, o atendimento nas unidades de saúde e a quantidade de pessoas morando nas ruas. Para a prefeita, a população ainda está se adaptando à nova realidade.

“É difícil você ver essa situação na rua, Boa Vista não tinha gente pedindo esmola. A violência também aumentou, com pequenos furtos. A população sofre com isso. Agora, a população que chega também precisa ser assistida. Então, é um aprendizado tanto de quem está recebendo, quanto de quem tá chegando. Eu acredito que daqui há 15 anos, nós vamos ver os benefícios dessa migração, assim como aconteceu no Sul do país anos atrás. Eu como prefeita tenho que olhar os dois lados: aquilo que os brasileiros sentem, mas eu também não posso deixar de olhar o que os venezuelanos precisam. Então, é trabalhar essa integração da melhor forma possível”, defende Surita.