Jovens surdos e intérpretes buscam ar da inclusão
Integrante da nova geração da comunidade surda, Maurício Massouh nasceu em 1994, é digitalizador terceirizado no TJDFT e é universitário em Brasília. Tinha apenas 6 anos quando a Lei Nº 10.436, que oficializou a Língua Brasileira de Sinais, foi sancionada. Em 2008, já na adolescência, pôde presenciar a sanção da lei que estabelece o Dia Nacional do Surdo.
Mas a memória do Dia do Surdo é bem mais antiga. Vem do século 19. Em 26 de setembro de 1857, o imperador Dom Pedro II fundou o Instituto Imperial de Surdos-Mudos por sugestão do professor francês Édouard Huet,. Mais tarde, passaria a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines).
Para Maurício, as conquistas legislativas, históricas e tecnológicas são importantes. E ele quer mesmo é se divertir e estar incluído como os jovens da idade dele. Maurício tem surdez profunda bilateral por causa de rubéola durante a gravidez da mãe dele. Mas isso não o impede de curtir músicas, dançar e escutar: “Uso aparelho auditivo, amo escutar músicas e, claro, dançar também [Risos]. Escutar é delícia [Risos]. Escuto falas e músicas com legendas sempre.” Na lista de músicas preferidas, estão Pabllo Vitar e alguns artistas do pop nacional e internacional. “O surdo poder fazer tudo! Pode dirigir, pode cantar, pode atuar em novelas”.
Ele faz questão de reforçar que, mesmo em 2020, ainda tem gente que chama surdo de surdo-mudo. “Isso é incorreto e ofensivo, né? Surdo pode falar e cantar sim. Ser surdo é apenas uma coisa que te impede de escutar sem aparelho auditivo ou implante coclear, mas ele tem voz, sim”, enfatiza.
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Mãos e outros sentidos
Quando estuda, Maurício e outros estudantes surdos contam com os tradutores-intérpretes. Parece que são apenas as mãos que se movem, em movimentos ora ligeiros, ora contemplativos. A energia dos dedos, em uma velocidade da luz dos olhares que acompanham, sai combinada com expressões que vão além dos dicionários. Os sons não estão apenas substituídos por palavras, mas por novos sentidos. Quem vê apenas mãos nessa interpretação-tradução nem imagina o que passa no esforço profissional-cidadão da pessoa nesse exercício de um código tão especial. Para a goiana Brenda Rodrigues, de 27 anos, intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), foi o encanto pela possibilidade de incluir outras pessoas que a fez mover dedos e coração ao mesmo tempo.
Há 10 anos, ela resolveu aprender com um amigo da igreja que frequentava. “Eu fui ficando encantada pelo o que eu aprendia. Minha tia também me ensinava”. Foi uma surpresa para o professor de Brenda quando ele perguntou na sala qual era o sonho profissional de cada um e ela disse que queria mesmo ser tradutora de libras. O professor ficou feliz e sugeriu vários cursos. O estímulo estava dado. Brenda, hoje, trabalha na Empresa Brasil de Comunicação e em um centro universitário em Brasília.
Outro grande momento dela foi quando, pela primeira vez, conseguiu traduzir uma informação para uma pessoa surda. Faltam até palavras em português para definir o que foi aquele momento. Os olhos emocionados descrevem, “Foi uma sensação de satisfação poder transmitir para pessoa algo. Eu não acho que tenha palavras para descrever isso”. Justo ela, tradutora, que sabe de uma responsabilidade que é mais do que um substantivo. “Saber que uma pessoa compreendeu é, de fato, um sentimento de dever cumprido. Ser intérprete é como fazer um juramento máximo de passar a informação a alguém”.
Para ela, a língua de sinais é um aprendizado constante. Inclusive, durante a reportagem, Brenda participou de uma conversa com o pesquisador e professor surdo Messias Ramos Costa, doutorando em linguística. “Foi uma grande emoção porque ele foi meu primeiro professor de libras há 11 anos”. Um idioma novo, uma cultura nova em que não se pode parar de pesquisar.
Nem pesquisar nem de sentir. Brenda tem as palavras preferidas em libras. “O sinal de compaixão é muito forte porque é como se você tivesse os seus sentimentos trocados com a da outra pessoa (assista a vídeo abaixo). É como se você tivesse pegando o sentimento dela e colocando em você. O sinal de obrigada é uma mão aqui na testa e outra aqui no peito. Eu acho lindo”.
Traduzir é um trabalho puxado. Com os universitários, aprendeu, durante a pandemia aulas de diferentes disciplinas para gravar a interpretação das aulas a distância e enviar. Ela não para. Ao vivo, não é possível porque, quando o professor faz a apresentação, não sobra janela para que ela fique em destaque para alunos surdos. Por isso, a aula vira uma tarefa de casa.
Na EBC, é uma das tradutoras das entrevistas coletivas, evento e pronunciamentos de integrantes do governo federal. Para isso, fica à disposição porque a urgência pode chegar a qualquer momento. “MInhas colegas me ajudam muito a melhorar. Vamos para o estúdio, assistimos e interpretamos ao mesmo tempo. Na primeira vez, foi frio na barriga e uma tremedeira nas pernas. Ainda bem que a câmera não mostra”, sorri.
Sempre ao final de um evento, costuma assistir aos vídeos para se autocriticar. Os telespectadores também já a reconheceram depois de eventos. “ O importante é que a informação está chegando em quem precisa ser incluído. É muito gratificante ter o retorno, como de assuntos importantes para toda a Nação. Bom saber, por exemplo, que uma pessoa conquistou um direito e eu pude também participar da informação”.
Antenada
Maranhense, Karen Elysee é a primeira surda em sua família e concorda com Brenda sobre a necessidade de todos estarem conectados a uma frequência cultural. De acordo com a jovem de 22 anos, não basta ao intérprete saber os sinais, é preciso que ele esteja inserido no contexto do idioma. “Quando o intérprete tem o domínio da língua, o surdo consegue entender melhor em lugares como a escola, por exemplo”. Aliás, foi a escola que em Brasília “mudou a vida” dela. “Eu consegui evoluir. Tive mais interações, mais informação”.
Para se comunicar com os parentes mais próximos e amigos ouvintes, utiliza aplicativos de celular que trazem intérpretes voluntários. O primeiro contato, contudo, costuma ser pela escrita. “O ouvinte pensa que é normal a escrita, mas se ele quer aprender algum sinal, eu sempre busco ensinar um pouco.
Assim que se formar, planeja criar uma empresa de jornalismo e publicidade voltada para o público surdo, nos moldes da TV Ines, que considera uma inspiração. Mas também sonha em estudar fora do país, na única universidade com um programa educacional voltado especificamente para pessoas surdas, a Universidade Gallaudet, localizada em Washington, nos Estados Unidos.
“Quando tem ouvinte e surdo em grupos de whatsapp, o ouvinte tem mania de mandar áudio. E a gente fica sem saber o que está acontecendo. Então, o ouvinte tem que estudar como funciona a comunidade surda”. Estão todos juntos, em busca de novos sentidos e sonhos, palavras universais que cabem bem nos dois idiomas.
Inclusão
Os veículos da Empresa Brasil de Comunicação procuram garantir a inclusão tanto nos conteúdos jornalísticos, nas pautas, como os de entretenimento, nos temas tratados. O programa Repórter Visual, por exemplo, exibido em Libras, se transformou no primeiro programa do gênero diário criado para levar informação à comunidade de surdos no país. Outra atração de referência é o Programa Especial, totalmente voltado à pessoa com deficiência.