logo Agência Brasil
Direitos Humanos

Historiador defende espaço de memória em assentamento do MST

Usina foi usada como crematório de corpos durante a ditadura militar
Ana Cristina Campos – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 26/08/2023 - 18:05
Rio de Janeiro
23/08/2023, Famílias do acampamento Cícero Guedes seguem lutando para que o Incra estabeleça as negociações para criação do assentamento. Foto: MST/RJ
© MST/RJ

O historiador Lucas Pedretti, coordenador da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia, defendeu a criação de um espaço de memória no assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) destinado à reforma agrária nas terras da antiga Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, usada como local de incineração de corpos durante a ditadura militar.

“Seria muito importante que o assentamento a ser construído na usina pudesse ser pensado como lugar de memória da violência do Estado, das lutas por democracia, das lutas pela reforma agrária, das lutas por Justiça e por direitos humanos porque aquele espaço é muito significativo ao acumular esse conjunto de simbolismos que nos mostram o quanto a gente ainda tem a avançar na consolidação de uma democracia no Brasil”, disse o historiador.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou no Diário Oficial da União dessa quarta-feira (23) portaria que cria o Projeto de Assentamento Cícero Guedes. A área de 1.319,8148 hectares foi desapropriada em 2021, pela Justiça Federal, e destinada a assentar famílias do MST, que lutam pelo local desde 1998, quando um decreto presidencial considerou as terras improdutivas por não cumprir função social. De acordo com portaria do Incra, 185 famílias serão assentadas no local.

23/08/2023, Famílias do acampamento Cícero Guedes seguem lutando para que o Incra estabeleça as negociações para criação do assentamento. Foto: MST/RJ
Na última quinta-feira (24), portaria do Incra criou o Projeto de Assentamento Cícero Guedes – MST/RJ

As terras da Usina Cambahyba pertenciam à família de Heli Ribeiro Gomes, já falecido. Ele foi vice-governador do Rio de Janeiro, de 1967 a 1971, e seria próximo ao agente do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS), Cláudio Guerra.

Segundo Lucas Pedretti, Guerra teria sugerido a Gomes no auge da repressão à luta armada que a usina fosse usada para incinerar 12 corpos de militantes políticos desaparecidos, principalmente os que haviam sido torturados e assassinados na Casa da Morte, aparelho clandestino de repressão em Petrópolis.

“Essa narrativa do Cláudio Guerra foi recentemente atestada por uma perícia feita pela Comissão Nacional da Verdade que cita a possibilidade física de que os fornos foram utilizados para esse fim e mais recentemente a Justiça Federal condenou o Cláudio Guerra em uma decisão muito rara no Brasil por violações aos direitos humanos. Na decisão da Justiça, se confirma que os fornos da usina foram utilizados para a ocultação de cadáveres”, afirmou o historiador.

Para a dirigente do MST no Rio de Janeiro Iranilde de Oliveira Silva, a Eró, o anúncio do assentamento é um processo de reparação histórica da classe trabalhadora e do avanço da reforma agrária no estado.

“Uma área que foi utilizada para incinerar corpos de militantes durante a ditadura militar hoje ali pulsam famílias, pulsam vidas, pulsa produção de alimentos saudáveis. O assentamento tem uma referência muito grande para avançarmos no combate à fome e à miséria no campo.”

O nome do assentamento lembra Cícero Guedes, líder do MST em Campos dos Goytacazes, assassinado em 26 de janeiro de 2013 com mais de dez tiros nas costas e cabeça, próximo ao Assentamento Oziel Alvez, uma das ocupações feitas pelo movimento para pressionar a destinação do Complexo Cambahyba para reforma agrária.