Carta de Conjuntura do Ipea teme piora fiscal por causa da covid-19

Documento destaca que país deve sair da crise dívida pública mais alta

Publicado em 30/06/2020 - 18:18 Por Cristina Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

A pandemia do novo coronavírus interrompeu temporariamente a trajetória de consolidação fiscal que o Brasil vinha seguindo. E a expectativa é que, por causa da piora fiscal causada pela crise sanitária da covid-19, a dívida bruta do governo geral (DBGG) em proporção do PIB (Produto Inerno Bruto) aumente de 75,8%, no fim de 2019, para 93,7% no fim deste ano, diz a Carta de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) do segundo trimestre de 202. O documento foi divulgado hoje (30).

A Visão Geral da Conjuntura, como é chamado o documento do Ipea, destaca que a prioridade na pandemia passou a ser a proteção da vida e da saúde e a preservação de empregos, da renda e das empresas. Com isso, o governo precisou adotar medidas emergenciais de apoio à saúde e à economia, com custo fiscal significativo, tanto pelo lado da despesa quanto pelo da receita. Segundo a carta, apesar da expectativa de que tais medidas não se estendam após este ano, a crise da covid-19 adiou a solução dos desafios fiscais do país, que sairá desse período com dívida pública muito mais alta.

“Vai ser preciso rearranjar as políticas sociais para ver o que está funcionando e tornar mais eficiente esse tipo de gastos. Não dá para continuar gastando com o auxílio, como está sendo feito agora, porque tem um gasto elevado por mês, e não pode continuar por um longo período. A questão terá que ser reestudada apara otimizar o gasto”, disse o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo Souza Jr.

Em entrevista à Agência Brasil, o economista destacou que, mesmo que o teto de gastos seja mantido em um cenário modesto de crescimento econômico, ainda haverá grande aumento da dívida pública, que só terá a trajetória alterada no fim da década. “Mantendo o controle, só vamos começar a ter queda do endividamento público no fim da década, considerando venda de estatais, de imóveis. E, ainda com o teto dos gastos, vai demorar um tempo para ver a reversão da trajetória da dívida pública. Se gastarmos mais do que o teto, aí vai, realmente, ser difícil ter a convergência da dívida pública”, afirmou.

Retomada econômica

A Carta de Conjuntura ressalta a queda de 1,5% do PIB no primeiro trimestre em relação ao três meses anteriores, e estima que, no segundo trimestre, o recuo pode ficar em torno de 10%, com o aprofundamento das medidas de distanciamento social em resposta à pandemia,

Porém, o economista ponderou que, com a hipótese de flexibilização gradual das restrições à mobilidade e ao funcionamento das atividades econômicas, que começou em junho, é possível projetar uma recuperação gradual do PIB no terceiro e quarto trimestres.

A economia brasileira, como outras ao redor do mundo, sofreu impacto relevante da pandemia da covid-19, e os efeitos foram notados a partir do fim de março e ao longo de abril. Em maio, vários indicadores apontaram no sentido de volta do crescimento. Segundo Souza Jr, a indústria, o comércio e os serviços já mostravam sinais de retomada em maio e em junho, embora com níveis abaixo dos anteriores à crise e, principalmente, se a comparação for feita com o ano passado.

Conforme a Carta de Conjuntura, na indústria, indicadores preliminares mostram retomada da produção em setores como o automobilístico, de vestuário, máquinas e equipamentos, informática e eletrônicos, com início de reversão da queda forte de abril. Um dos indicadores da retomada é o consumo de energia. “Observa-se melhora na produção de veículos, que teve queda expressiva e praticamente parou em abril e está tendo recuperação. As fábricas estão reabrindo e começando a produzir. A indústria metalúrgica continua bem e, aparentemente, foi uma das que menos sofreram com a crise”, disse o economista.

Em movimento contrário, na indústria de alimentos, que cresceu 3,3% em abril em relação a março, enquanto havia retração generalizada dos demais segmentos da indústria de transformação, o quadro mudou em maio e houve queda 1,3%. “Todos os setores que tinham sofrido queda muito forte estão tendo alguma recuperação, exceto os mais ligados ao turismo, que ainda estão em forte queda, mas até esses têm uma melhora marginal."

O economista acrescentou que os bens de consumo duráveis, como móveis e eletrodomésticos, e o material de construção têm sido destaque na recuperação. Para ele, as vendas pela internet favoreceram esse resultado. “Está havendo alta de demanda bastante significativa de acordo com alguns indicadores que acompanhamos. Móveis e eletrodomésticos são para atender o consumo dentro de casa e, como as pessoas estão ficando mais em casa, faz sentido essa melhora”, afirmou. O setor de vestuário, que perdeu vendas no começo da pandemia, continua em nível baixo, mas já mostra sinais de melhora.

Auxílio emergencial

Na avaliação do Ipea, o auxílio emergencial também é um fator importante na recuperação, porque parece ter coberto parcela substancial da renda dos trabalhadores informais e em condição de vulnerabilidade.

“O auxílio emergencial foi em média de R$ 846 e equivaleu a 44,6% do rendimento médio dos ocupados no mercado de trabalho e a 77,5% do rendimento médio dos trabalhadores por conta própria, chegando a ser superior em 21% ao rendimento médio do trabalhador doméstico formal ou informal. É um valor bastante expressivo e tem grande impacto, especialmente no consumo de alimentos voltados para a população de renda mais baixa”, observou Souza Jr.

Flexibilização

O economista disse que, se as medidas de flexibilização continuarem, a tendência é que a atividade econômica permaneça na trajetória de recuperação nos últimos meses do primeiro semestre para chegar a um patamar mais próximo do normal. “Tivemos atividade econômica extremamente baixa para qualquer padrão que se possa levar em consideração. Agora, tende a ter uma melhora tanto no terceiro, quanto no quarto trimestre. Serão trimestres de recuperação, que vão gerar taxas de crescimento elevadas, mas em função de taxas de comparação muito baixas." Ele ressaltou que isso não quer dizer que serão  trimestres com taxas excepcionais.

“Turismo, viagens, hotelaria, restaurantes são setores que têm dificuldade um pouco maior para retomar. Mesmo com a redução das medidas de distanciamento, esses setores ainda têm impacto bastante grande, que só vai diminuir ao longo do ano”.

Demanda

O documento do Ipea menciona ainda a expectativa de retomada gradual da demanda, aliada à capacidade ociosa presente na maioria dos setores produtivos e à redução dos custos de mão de obra e aluguéis. Isso deve apontar para uma trajetória “bem comportada para os preços dos serviços e bens livres”, disse Souza Jr.

Segundo ele, a demanda deve aumentar como consequência da retomada das atividades e da renda, com a volta dos empregados de setores que estavam parados, com salários suspensos ou com redução de ganhos.

Edição: Nádia Franco

Últimas notícias