logo Agência Brasil
Esportes

Coluna - No estouro do cronômetro

Impasse deixa futuro paralímpico do basquete em xeque
Lincoln Chaves - Repórter da TV Brasil e da Rádio Nacional. A coluna do jornalista será publicada pela Agência Brasil semanalmente às segundas-feiras.
Publicado em 10/02/2020 - 15:18
Rio de Janeiro

Um projeto de reabilitação por meio do esporte coordenado pelo médico neurologista alemão Ludwig Guttmann em Stoke Mandeville, na Inglaterra, em 1944, voltado a veteranos de guerra, é considerado o percursor do paradesporto. Uma das modalidades que integraram o projeto – e que quatro anos depois faria parte da primeira edição daquela que é considerada a primeira Paralimpíada – é o basquete em cadeira de rodas, que vem marcando presença em todas as edições dos Jogos. Bom, pelo menos até agora.

No último dia 31, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, em inglês) informou que a remoção do basquete em cadeira de rodas da Paralimpíada de Tóquio, no Japão, é uma possibilidade se a Federação Internacional da modalidade (IWBF, em inglês) não adaptar seu modelo de classificação funcional – ou seja, quem se encaixa no paradesporto – ao Código de Classificação de Atletas do IPC até o próximo dia 29 de maio. A decisão foi tomada, de forma unânime, pelo Conselho de Administração do Comitê no encontro de 23 a 25 de janeiro, em Bonn, na Alemanha.

Ainda segundo o IPC, como a IWBF tem "falhado continuamente no cumprimento desse código", o esporte estará fora dos Jogos de Paris, na França, em 2024. Essa exclusão pode ser reavaliada se a federação se ajustar "completamente" ao que pede o órgão máximo do paradesporto mundial até 31 de agosto do ano que vem.

Para entender o impasse, é necessária uma breve explicação da classificação funcional do basquete em cadeira de rodas. Os atletas são avaliados, conforme a deficiência, com uma pontuação que vai de 1,0 a 4,5 – quanto maior o número, menor o grau de comprometimento físico-motor. A soma de pontos dos cinco jogadores do time não pode superar 14.

A IWBF, representante oficial da modalidade, é quem define o grau de elegibilidade de seus atletas. O IPC, porém, entende que os critérios da federação dão abertura a competidores cuja deficiência não necessariamente os enquadraria no movimento paralímpico, colocando-os em desigualdade de condições com os demais. Por isso, quer a reavaliação, com base em seu código, de atletas com pontuação entre 4,0 e 4,5.

A estimativa é que 50 a 75 jogadores sejam submetidos a uma nova análise, segundo o chefe de Marketing e Comunicações do IPC, Craig Spence. "Hoje, se você tem artrite ou algum problema no joelho, você estaria apto para o basquete em cadeira de rodas", resumiu Spence aos jornalistas durante visita a Tóquio para acompanhar a preparação da cidade para os Jogos.

"Nós apreciamos que o basquete em cadeira de rodas seja um dos esportes mais populares nos Jogos Paralímpicos, mas isso não significa que a IWBF está acima das regras. A classificação dos atletas integra todos os esportes paralímpicos e a falha da modalidade no cumprimento do Código de Classificação de Atletas é uma preocupação crítica, pois ameaça a integridade do evento", declarou o brasileiro Andrew Parsons, presidente do IPC, que ainda destacou não se tratar de uma "questão nova". A manifestação foi por meio de comunicado publicado no site da entidade.

Também por meio de comunicado, a IWBF informou que pretende cooperar com o IPC e que, "no último ano e meio", trabalhou para entrar em acordo com o comitê e garantir que a "filosofia de classificação" da entidade não fosse perdida. O presidente da federação, Ulf Mehrens, destacou que o "forte e robusto" sistema de elegibilidade que utilizam é "modelo" e foi criado por um grupo de especialistas — entre os quais o ex-presidente do próprio IPC, Sir Philip Craven.

A portuguesa Regina Costa, que preside a comissão de classificação da IWBF, manifestou-se no mesmo comunicado. Ela afirmou ser "incorreta" a insinuação do Comitê Paralímpico Internacional de que nada teria sido feito pela federação nos últimos anos. Destacou, ainda, que o impasse não coloca em dúvida a elegibilidade dos atletas, mas que somente a "linguagem adotada nas classificações" que é diferente.

"A gente tem que enxergar isso de duas formas. Primeiro, o aspecto inclusivo da modalidade, em termos de permitir quem não têm deficiência de participar do jogo. Às vezes, você tem pessoas que não são deficientes e podem atuar de forma recreativa, para completar o número de atletas, por exemplo. Isso em nível amador, recreacional, é extremamente importante e salutar", analisou o técnico da seleção brasileira masculina da modalidade, Sileno Santos.

"Do ponto de vista competitivo, aí a situação é mais complicada. Quem normalmente não é deficiente e joga o basquete em cadeira de rodas competitivamente é bom. E ele sendo bom sem ser deficiente coloca em xeque a inclusão. Você deixa uma pessoa que não tem deficiência atuar no lugar de uma pessoa que tem", emendou o treinador.

Não é a primeira polêmica, neste ciclo pós-Jogos do Rio de Janeiro, sobre classificação funcional – que não é algo simples, como o jornalista William Douglas destacou na coluna de setembro do ano passado. Mudanças nos critérios de elegibilidade da natação, realizadas com o novo período paralímpico em andamento, trouxeram insegurança a alguns atletas. O italiano Antonio Fantin, por exemplo, desceu da classe S6 para a S5 e, antes do Mundial do ano passado, em Londres, na Inglaterra, retornou à S6 – lembrando que são 14 classes na modalidade, sendo 10 para deficiências físico-motoras, seguindo a lógica do basquete: quanto maior o número, menor o impacto da deficiência. Detalhe: na fase de S5 (ou seja, competindo com nadadores com maior comprometimento), Fantin chegou a quebrar recordes do multimedalhista brasileiro Daniel Dias.

No caso do basquete em cadeira de rodas, apesar do impasse de ambas as partes, o afastamento não faria bem a ninguém. Por um lado, trata-se de uma das modalidades precursoras dos Jogos — e também uma das mais populares. Por outro, o risco de sair do movimento paralímpico naturalmente implicaria na perda de apoio, visibilidade e atletas. A tendência, manifestada no discurso de cooperação do IWBF e na intenção do IPC de rever a decisão sobre 2024, é de um consenso.

É, também, a perspectiva de Sileno: "Não vejo como tirar o basquete em cadeira de rodas do programa paralímpico. Acho que foi uma forma de pressão (do IPC). Grande, no momento certo, adequado, mas para a IWBF entender que precisa caminhar para outro rumo", concluiu.

Assista, também, à entrevista de Sileno ao repórter Juliano Justo no programa Stadium, da TV Brasil, da última quarta-feira (5):