Violação de direitos humanos era política de Estado dos militares, diz CNV
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, disse hoje (23), que o depoimento do ex-delegado da Polícia Civil do Espirito Santo, Cláudio Guerra, tomado nesta tarde, mostrou mais uma vez aos integrantes da comissão que a violação de direitos humanos era uma política de Estado do governo militar.
“Ao longo do tempo, as Forças Armadas quiseram caracterizar as graves violações de direitos humanos como resultado de excesso de algumas pessoas e o depoimento do ex-delegado Cláudio Guerra mostra que não é assim, que era uma política de Estado”, disse Dallari.
Cláudio Guerra foi investigador da Polícia Civil do Espírito Santo e o responsável por dar fim a cadáveres de vítimas torturadas e mortas na Casa da Morte de Petrópolis, local criado pelo regime militar para torturar e assassinar presos políticos. Ele já havia reconhecido dez vítimas que, na década de 1970, levou no porta malas de carros para serem incineradas na Usina de Cambaíba, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.
Hoje, reconheceu mais três vítimas, entre elas o coronel dissidente Joaquim Cerveira, dado como desaparecido na Argentina. “Quando o coronel Perdigão [coronel influente do regime militar] entregou, disse quem era, disse que era um melancia”, relatou Guerra. Melancia era como os militares chamavam os membros considerados traidores.
O depoente contou que recebia os corpos ensacados, e que, chegando à usina, abria o saco para ver a vítima. “Na época eu não sentia nada. Hoje, olhar as fotos das pessoas... Deus sabe como estou por dentro”, relatou, acrescentando que hoje sabe que o que fez foi grave. “Eu pensava que estava lutando contra o mal que era o regime comunista”, disse. O ex-delegado também foi responsável pela morte de pelo menos seis pessoas. Ele cumpriu dez anos de prisão.
Guerra também confirmou durante o depoimento a presença do coronel Freddie Perdigão na cena do acidente que matou a estilista Zuzu Angel. “Até hoje as Forças Armadas insistem em negar que a estilista tenha sido vítima de um assassinato”, relatou Dallari, lembrando que Zuzu era considerada uma figura “incômoda” para o regime e que a presença do coronel no local mostra a relação do acidente com o “regime de repressão”.
O ex-delegado também falou sobre o Caso Riocentro, em que ele seria o responsável por prender inocentes pela explosão de uma bomba, caso o atentado tivesse dado certo. Na ocasião, militares planejaram incriminar inocentes por um atentado terrorista em uma comemoração do Dia do Trabalho, em 30 de abril de 1981, na qual mais de 20 mil pessoas festejavam. Antes que eles instalassem a bomba, o artefato explodiu nas mãos dos militares. Na época, as Forças Armadas responsabilizaram radicais de esquerda pelo atentado.
Dallari também conclui, após o depoimento de Guerra, que o regime militar organizava uma estratégia na qual os executores eram remanejados de um estado para outro de forma que as atividades de execução de pessoas não se dessem no estado onde o executor tinha atividade regular. Para o coordenador, esse é um dos fatores que mostram o grau de organização do regime repressor.
Amanhã (24), Guerra prestará outro depoimento à CNV, às 10h, desta vez sem a presença da imprensa. Na próxima semana, serão ouvidos 26 depoentes no Rio de Janeiro. Além dos 25 já previstos, a CNV pretende ouvir o general José Antônio Nogueira Belham. O depoimento dele estava marcado para esta semana, em Brasília, mas foi transferido para o Rio de Janeiro.