Exposição de fotos mostra riscos para médicos que atuam em áreas de conflito
O fotógrafo brasileiro André Liohn percorreu ontem (8) a galeria do Museu Nacional da República, em Brasília, descrevendo, à reportagem da Agência Brasil, as circunstâncias em que registrou, no interior de hospitais da Somália e da Líbia, algumas das mais de 70 imagens que serão expostas pela primeira vez no Brasil a partir de amanhã (10).
“Isso é sarampo”, diz, apontando a pele totalmente descamada de um garoto fotografado no colo da mãe. “Por conta da guerra prolongada, o governo não pôde iniciar a campanha de vacinação. Então, algo facilmente tratável resulta nisso”, comentou Liohn, único latino-americano a receber a Medalha de Ouro Robert Capa, um dos mais importantes prêmios do fotojornalismo mundial. A imagem é forte, mas, diante do dilema de exibi-la, o fotógrafo decidiu pela importância de as pessoas saberem o que está acontecendo em regiões de conflitos armados.
Liohn integra o pequeno grupo de profissionais de imprensa que se expõem a perigos para revelar ao mundo os problemas das guerras e desastres naturais. Está, portanto, acostumado a lidar com situações extremas. Entretanto, não escondeu a emoção ao ser informado que, poucas horas antes, na capital da Somália, Mogadíscio, 12 pessoas morreram após um atentado terrorista. As bombas atingiram, entre outros pontos, um comboio humanitário da União Africana, organização que reúne 54 países em defesa da democracia, dos direitos humanos e do desenvolvimento econômico do continente.
“Quem quer guerrear busca uma justificativa que permita perpetuar a guerra. Os motivos são religiosos, políticos, étnico-raciais e econômicos. Os que não lutam, que não se armam para participar, são usados como armas de propaganda de ataque ou defesa. É a lógica de um mundo dividido entre nós e eles. Um mundo no qual a maioria das pessoas perde completamente os valores éticos e morais”, salientou Liohn.
Filho de uma auxiliar de enfermagem e de um vendedor de sapatos, o fotógrafo confirmou a motivação para fotografar após conhecer o Continente Africano e lembrou a inspiração de amigos. Caso do médico somali Mohamad Yussuf, diretor e responsável, junto com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (Cicv), pela reconstrução do Hospital Medina, um dos poucos a funcionar a Mogadíscio e palco de muitas das fotos expostas.
Liohn revelou que, após se aposentar na Europa, o médico regressou ao país natal para ajudar a minimizar os efeitos da falta de assistência, uma das muitas consequências da guerra civil local. Yussuf vive no próprio Hospital Medina, sem receber salário, e ajudou a criar uma faculdade para formar outros profissionais de saúde. A primeira turma foi desfalcada pelas baixas causadas por uma bomba que explodiu durante a festa de formatura. O fotógrafo chegou ao local poucos minutos depois. Salientando que Yussuf não é o único a correr riscos para socorrer compatriotas, Liohn lembra do idealismo de jovens responsáveis por um serviço de ambulâncias grátis para socorrer feridos e que sonham com a incorporação de um helicóptero à frota.
“O que essas pessoas fazem é algo para melhorar suas comunidades. Além disso, provam que o ser humano tem valor e funciona mesmo em lugares onde tudo é disfuncional”, afirmou o fotógrafo. Salientou que a situação da Somália se tornou algo pessoal e que, entre as razões para deixar de lado o convívio diário com a mulher e dois filhos, está a certeza de que é preciso ajudar a tornar público o exemplo dos profissionais de saúde, voluntários e soldados engajados em missões humanitárias e o sofrimento das populações que vivem em áreas em conflito.
Registradas entre 2010 e 2013, as fotos expostas em Brasília foram reunidas pelo comitê. Elas fazem parte de uma campanha para denunciar a violência contra profissionais da saúde e a necessidade mundial de garantia do acesso dos feridos e doentes aos serviços médicos.
As imagens são impactantes. Na Líbia, Liohn captou ameaças a socorristas e médicos e as dificuldades do atendimento hospitalar em cidades destruídas. Fotos produzidas em 2011, durante a guerra civil na Líbia, deram a Liohn a Medalha de Ouro Robert Capa. Uma das mais observadas retrata o sofrimento do jovem Omar, um líbio que se recusou a entrar para a luta armada contra o governo de Muammar Kaddafi. Era motorista de ambulância até ser gravemente ferido em um ataque.
Na Somália, o fotógrafo correu risco de sequestro e de morte. Mesmo assim, registrou o cotidiano de médicos e enfermeiros que atendem adultos e crianças civis e combatentes feridos por tiros, bombardeios ou minas terrestres. "O reconhecimento da gravidade do problema é o primeiro passo para respostas concretas e práticas que possam garantir o acesso à saúde nos conflitos armados. É uma questão de vida ou morte. O Cicv conta com o papel influente que o Brasil e os brasileiros podem exercer nessa campanha humanitária", acrescentou Felipe Donoso, chefe da delegação regional do comitê para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
“Meu desejo é que as pessoas que visitarem a exposição vejam que não estão sozinhas diante de tanto sofrimento. Que elas pessoas procurem se informar e discutam o assunto em profundidade. Sozinhas, elas não podem nada para coisas como essa aconteçam, mas devem exigindo decisões acertadas dos políticos e cobrar cobrando posições públicas dos governantes. Se virarmos as costas , será pior, pois não haverá esperança de que o mundo se oponha a isso”, conclui Liohn. Natural de Botucatu, interior de São Paulo, o fotógrafo mudou-se para Noruega quando tinha 20 anos. Chegou a trabalhar com comércio exterior. Com 30 anos começou a fotografar.