Jovens da periferia ganham voz ativa e cidadania, diz cientista social

Publicado em 19/07/2015 - 15:33 Por Cristina Índio do Brasil - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

O surgimento dos jovens da periferia falando na primeira pessoa foi o que de melhor ocorreu no Brasil nos anos 1990, segundo conclusão da cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Silvia Ramos, apresentada no Diálogo Brasil-Reino Unido sobre Desenvolvimento Social, que ocorreu na semana passada. Para ela, os jovens de periferia, de favelas, surgiram como voz e personagem da cidade há pouco mais de 20 anos. “Se a gente imaginar que não havia tradição, nem cultura disso na cidade, foi a área que mais se desenvolveu no Brasil”, apontou.

Silvia Ramos defendeu maior participação dos jovens na elaboração de projetos de interesse da sociedade. Ela diz que os jovens de periferia estão dando show, um verdadeiro banho. "Resta a gente fazer mais debates e discussões, incorporando esses jovens em relação a tudo – educação, moradia, saúde e outros –, e não só em relação à violência”, analisou.

Na avaliação de Rene Silva, presidente do jornal Voz das Comunidades, portal do Complexo do Alemão, comunidade da zona norte do Rio de Janeiro, é importante a participação dos jovens. Ele mesmo começou a atuar quando tinha 11 anos com a criação do jornal na internet, em 2009. A ideia era falar sobre os problemas sociais entre os moradores da comunidade e como poderiam encaminhá-los às autoridades em busca de soluções. Mas o jovem pretende algo mais amplo, e destacou a necessidade da participação de toda a sociedade. “Hoje, todo mundo pode ser um comunicador, pode transmitir informação, e é essa informação que faz o mundo girar e as coisas acontecerem”, disse ele.

De acordo com Rene Silva, as novas geração dos jovens das comunidades já crescem com a ambição de questionar. “É um caminho sem volta. As novas gerações estão crescendo no formato de pensadores, de querer fazer alguma coisa, e não apenas seguir a profissão de seus pais e poder ser o primeiro [da família] a entrar em uma universidade”, completou.

O major Vitor Fernandes de Souza, assessor de ensino, pesquisa e projetos da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) do Rio, concorda que os jovens precisam ser mais ouvidos nas comunidades. No entanto, reconhece que a relação entre a polícia e os jovens é uma das mais tensas na intercessão da corporação com as comunidades. Por isso, disse ele, foram identificadas algumas ações para reduzir os impactos, e uma delas foi a necessidade de desenvolver projetos para abrir diálogo entre as duas partes e compreender porque a polícia causava tanta reação. “A polícia precisa entender que ela tem um passivo com esta cidade”, apontou.

O conselheiro de Desenvolvimento da embaixada britânica no Brasil, Indranil Chakrabarti, entende que para garantir uma cidade inclusiva é preciso assegurar educação desde a infância e promover o emprego digno, e isso depende dos formuladores de políticas públicas, mas também do setor privado, por isso, são necessárias as parcerias. “Cabe a eles pensar arduamente nas parcerias destinadas a propiciar trabalho decente, que os habitantes pobres do Rio de Janeiro, desesperadamente, precisam”, disse. Chakrabarti ressaltou que, infelizmente, o Rio é uma cidade de muita beleza, mas também de muita criminalidade.

A cientista social Silvia Ramos tem a mesma avaliação. Para ela, enquanto permanecer a ideia de que o Rio continua lindo, a população é cordial e dará um jeito nos problemas, vai ser impossível reconhecer que é discriminadora, racista, injusta, desigual e segregadora. Ela acrescentou que a beleza da cidade, como cartão-postal, é um fator inegável, mas também impede de reconhecer as tensões que a população vive.

“Vamos sentar, disputar agendas e concluir algumas delas ou, pelo menos, metas mínimas, mas não vamos fazer isso passando por cima dos outros. Vamos reconhecer as nossas diferenças”, completou.

Para juntar vários atores de órgãos públicos, do setor privado e da sociedade organizada no combate à desigualdade no Rio de Janeiro, a prefeitura do Rio vai lançar em agosto o Pacto do Rio por uma Cidade Integrada. Segundo Eduarda La Rocque, presidenta do Instituto Pereira Passos, órgão da prefeitura responsável pelo planejamento urbano e de estatísticas da cidade, a iniciativa vai fechar o círculo que nasce com as necessidades da população e volta para ela monitorar os avanços, por meio de participação direta.

“A gente acredita no poder de transformação dessa informação qualificada de indicadores para ter como cobrar dos respectivos responsáveis. É muito importante acompanhar os resultados, esse plano de metas monitoráveis pela população, que a gente está criando por meio do pacto”, explicou.

A diretora da Área Programática da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Marlova Noleto, considera o pacto necessário, mesmo que surjam diferenças de opiniões. É necessário, segundo ela, para promover o encontro das diferenças e a possível reconciliação delas, indicando que "para a Unesco é uma satisfação saber que o pacto prevê ainda medidas na área da educação".

As avaliações foram feitas durante o Diálogo Brasil-Reino Unido sobre Desenvolvimento Social, promovido pela London School of Economics and Political Science (LSE) e pela Unesno no Brasil, que reuniu especialistas brasileiros e britânicos de diversas áreas com a apresentação de projetos de políticas públicas que deram certo e os desafios de experiências de desenvolvimento social de base, criadas nas próprias comunidades.

No encontro foi lançado um guia baseado na pesquisa Desenvolvimento Social de Base em Favelas do Rio de Janeiro, elaborada pela LSE e Unesco. O guia foi coordenado pela professora de psicologia social e diretora do mestrado em psicologia social e cultural da LSE, Sandra Jovchelovitch, em coautoria com a pesquisadora Jaqueline Priego Hernandez, também da instituição londrina. No período de três anos foram feitas 204 entrevistas nas comunidades da Cidade de Deus, na zona oeste do Rio; Cantagalo, na zona sul; Vigário Geral e Madureira, na zona norte da cidade. Os pesquisadores analisaram as metodologias das organizações AfroReggae e Central Única das Favelas (Cufa), além de 130 projetos de desenvolvimento social.

Edição: Stênio Ribeiro

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