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"Não podemos nos esquecer", diz ex-secretário sobre tragédia em Nova Friburgo

"As pessoas precisam se lembrar sempre desse desastre, para que ele
Vitor Abdala – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 11/01/2016 - 17:55
Rio de Janeiro
Nova Friburgo - A casa de Gilson da Cunha, 68 é a única que permanece ocupada nesta rua do distrito de Conselheiro Paulino. Gilson está fazendo obras de contenção para evitar outros desastres (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
© Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

Nova Friburgo - Obras de contenção de encosta ainda são vistas atualmente na cidade (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Nova Friburgo - Obras de contenção de encosta ainda são vistas atualmente na cidade, cinco após tragédiaTânia Rêgo/Agência Brasil

 

Nova Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro, manhã de 11 de janeiro de 2011. A Defesa Civil Municipal se prepara para um temporal, previsto para as próximas horas. O solo já está saturado com as chuvas das horas anteriores. Um alerta é emitido às 10h para a imprensa local e para os líderes comunitários.

Escolas são preparadas para receber possíveis desabrigados das 40 áreas de risco mapeadas pelas autoridades do município.

“Defesa Civil entrando em alerta. Chuvas passam de 75mm [milímetros] em alguns pontos da cidade. As pessoas em área de risco de deslizamento devem buscar locais seguros”, informavam duas mensagens da Defesa Civil, em sua página na rede social Twitter, que não está mais ativada.

A essa altura, ninguém espera que o temporal superará qualquer expectativa e desencadeará o maior desastre natural do Brasil na época, com quase mil mortos na região serrana.

“Fomos surpreendidos por eventos que não eram em áreas de risco, como o centro da cidade e bairros nobres, onde morreram muitas pessoas que nem sabiam que estavam em áreas de risco. As pessoas que estavam em área de risco foram avisadas”, conta o então secretário de Defesa Civil, coronel Roberto Robadey.

Várias mensagens de alerta foram enviadas por meio da rede social. Uma delas anuncia o primeiro desastre: o desabamento de um prédio no bairro de Olaria. “Às 16h, cai o primeiro prédio, no bairro de Olaria. A gente achou que aquele ali era o ápice do desastre. Mas aí recomeça a chover das 21h até as 7h. Foi a chuva do mês de janeiro todo em dez horas”, relembra Robadey.

A última mensagem de 11 de janeiro de 2011, registrada no Twitter, informava: “Pluviômetro na Defesa Civil: 226mm/24h. 241mm desde que começou a chuva”.

A partir desse momento, os agentes da Defesa Civil passam a receber notícias que apontam para um cenário de catástrofe no município, fundado no início do século 19 como uma colônia de imigrantes suíços, no meio da Serra dos Órgãos.

“Passamos a noite fazendo atendimentos. Pela manhã [do dia 12 de janeiro], ainda achávamos que o problema se resumia ao centro da cidade, porque era o que a gente conseguia ver. A gente estava sem luz e sem telefone. A telefonia fixa ainda funcionou por um tempo, mas logo depois falhou”, relata Robadey.

Comandante do quartel dos bombeiros de Nova Friburgo na época da tragédia, o coronel João Paulo Mori estava em casa quando o temporal começou. À meia-noite, ele liga para o quartel, mas ninguém atende. Às 4h, quando, de acordo com Mori, teve início a maior parte dos deslizamentos, o coronel percebe que algo está errado.

“Peguei meu carro, às 4h e fui para o quartel. Foi aí que comecei a receber os avisos. A gente, no quartel de bombeiros, não tinha muita noção do que estava acontecendo. A gente sabia que estava chovendo forte, mas, como não tinha meio de comunicação, os avisos que chegavam era por meio de pessoas que vinham andando até o quartel”, diz Mori, que sucedeu Robadey na Secretaria de Defesa Civil municipal em agosto de 2011, cargo que mantém até hoje.

“Vimos a nossa impotência”

Só mais tarde, as autoridades municipais tiveram ideia de que a tragédia era pior do que se imaginava. Fora do centro, bairros como Córrego Dantas e Campo do Coelho, sofrem enormes danos, resultando na perda de dezenas de vidas. A cada instante, o número de corpos resgatados dos escombros aumenta, até alcançar o número de mais de 400 mortos apenas em Nova Friburgo.

“Fui ter noção das coisas no dia seguinte, às 17h, quando peguei um helicóptero e pude sobrevoar a cidade. Quando levantou voo, pensei: 'Meu Deus do céu, é uma tragédia. Nesse mesmo dia, chegaram 40 corpos no quartel”, conta Mori.

Enchente de 2011 em Nova Friburgo

Nova Friburgo foi a cidade mais afetada pela enchente em 2011, que deixou quase mil mortosArquivo/Agência Brasil

São tantas as vítimas que a quadra de esportes de uma escola, no centro da cidade, precisou ser transformada em Instituto Médico-Legal. “Foi uma coisa terrível, uma comoção. Todo mundo perdeu parentes ou conhecidos. Eu perdi primos”, lembra Robadey.

Coronel Mori conta que o sentimento foi de impotência diante da catástrofe. “Tínhamos os melhores equipamentos, recém-comprados. Mas a gente não conseguia nem sair do quartel. Era alagamento e lama em tudo quanto era lugar. Todo o contingente estava no quartel [no dia 12] e, mesmo assim, a gente não conseguia atender a todas as pessoas, porque eram dezenas de locais [afetados]. Vimos a nossa impotência”, disse.

Para Roberto Robadey, que atualmente é chefe de Estado-maior do Corpo de Bombeiros fluminense, o Brasil não pode esquecer jamais a tragédia na região serrana. “A grande lição é que a gente não pode se esquecer. Em Nova Friburgo, a gente encontrou fotos, dos anos 30, de deslizamentos que estavam encobertos por vegetação nos mesmos lugares onde deslizou novamente [em 2011]. E as pessoas construíram bairros inteiros naquelas áreas que eram de risco. As pessoas precisam se lembrar sempre desse desastre, para que ele possa ser evitado. Que as defesas civis sejam melhor equipadas e tenham melhores orçamentos, condizentes com a importância delas”, diz Robadey.