Crea-RJ: falha de projeto é uma das causas do desabamento da Ciclovia Tim Maia
Uma série de irregularidades e descumprimentos de normas de segurança e de licitação levou ao desabamento de um trecho da Ciclovia Tim Maia, próximo ao Leblon, na zona sul da capital fluminense, no último dia 21 de abril. O acidente, que aconteceu durante uma ressaca no mar, causou a morte de duas pessoas.
A constatação é do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), que divulgou hoje (30) laudo pericial com os resultados do estudo sobre a queda da ciclovia, que, em seu primeiro trecho, liga o Leblon a São Conrado, também na zona sul.
Uma das principais conclusões dos engenheiros civis envolvidos no estudo é que houve falha na elaboração do projeto, uma vez que faltaram estudos preliminares oceanográficos dos efeitos das ondas sobre a estrutura da ciclovia. Segundo o documento, a Fundação Instituto de Geotécnica (Geo-Rio) não tinha experiência para licitar e fiscalizar uma obra da complexidade como a exigida pela ciclovia, falhando na fiscalização do empreendimento.
Os trabalhos periciais foram executados em um prazo de 30 dias pela equipe formada por cinco engenheiros civis do Crea-RJ. No período, foram analisaram documentos, coletados dados e entrevistados profissionais que trabalharam na construção da ciclovia.
O grupo de trabalho para investigação das causas do acidente destaca alguns pontos que contribuíram para o desabamento, como a falta de estudos oceanográficos nos projetos básico e executivo, uma vez que a única referência na memória de cálculo das empresas subcontratadas pelo consórcio responsável pela obra foi considerar, em todos os vãos, o efeito das ondas sobre os pilares a uma altura de até 2,5 metros.
No que diz respeito às falhas na licitação e na fiscalização do contrato, segundo o laudo, “há evidências de que foi retirada dos itens de maior relevância técnica do edital de licitação a comprovação de experiência pelas empresas licitantes de projeto executivo de obras de arte especiais [determinados tipos de construção que requerem uma maior especialização], sob o argumento de que esta exigência restringiria o certame, na medida em que a empresa vencedora poderia subcontratar o projeto executivo”.
Na avaliação dos engenheiros do Crea-RJ, o consórcio vencedor “deixou de contratar e não realizou o projeto executivo de obras de arte especiais, prevendo estudos oceanográficos e não foi verificada nenhuma sanção contratual pelo contratante”.
No que diz respeito ao descumprimento da Lei de Licitações, segundo o Crea-RJ, há também evidências de que a NBR 6118/2014 (Projeto de Estruturas de Concreto-Procedimentos) não foi seguida em vários aspectos, destacando, por exemplo, “a não consideração das cargas previstas e quaisquer outras que possam comprometer a estabilidade ou segurança das estruturas; e a não licitação da avaliação da conformidade do projeto por um profissional ou empresa independente, que deve ser registrada em Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e em documento específico que acompanha a documentação do projeto".
A equipe do Crea-RJ também constatou indícios de falta ética do exercício profissional, uma vez que não foram verificados registros da ART de Projeto Básico, do orçamento da obra e da fiscalização da obra pelo contratante e órgão de controle-TCM. “O desenhos técnicos do projeto não identificam os autores e responsáveis técnicos e não contêm autorização por responsável para liberação para execução”, conclui o conselho.
Recomendações
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia vai recomendar a realização de estudo especializado sobre o efeito das ondas em toda a ciclovia. Vai também adotar as penalidades estabelecidas pelo Código de Ética Profissional, que vai de advertência reservada, passando pela censura pública e aplicação de multa até o cancelamento temporário ou definitivo do registro dos profissionais envolvidos.
Próximas ações
A partir das conclusões do laudo pericial, o Crea vai autuar os responsáveis técnicos pelos serviços de engenharia sem a ART; aplicar o Código de Ética Profissional; notificar todos os órgãos responsáveis (prefeitura e TCM) e empresas envolvidas; e encaminhar toda documentação aos ministérios públicos Estadual e Federal.
Outro lado
Em nota, a prefeitura do Rio destaca que, além de estar à disposição da polícia para prestar todos os esclarecimentos necessários, contratou junto ao Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ (Coppe) e ao Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) uma auditoria independente para apurar o ocorrido.
O texto afirma que, enquanto as investigações que apontarão os responsáveis pelo acidente na ciclovia estão sendo realizadas, decreto publicado em 27 de abril no Diário Oficial do Rio garantiu o afastamento das empresas Contemat Engenharia e Geotecnica S/A e Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S/A de todos os processos de contratação e licitação de obras de estrutura no município.
“Todos os pagamentos destinados às duas empresas estão retidos desde então. O decreto também determinou que os responsáveis técnicos do consórcio para a obra da ciclovia da Niemeyer sejam afastados de qualquer contrato firmado com a prefeitura. Comprovada a responsabilidade das empresas, elas serão consideradas inidôneas na forma da lei”, diz o comunicado da prefeitura.
Em nota, o consórcio Contemat/Concrejato reafirma o compromisso com a apuração dos fatos e informa que, além de realizar uma completa investigação interna, colabora permanentemente com as investigações feitas pelas autoridades. Sobre o laudo, o consórcio diz que, de maneira a garantir uma apuração rigorosa e capaz de apontar com precisão as causas do acidente, só irá se manifestar após a conclusão das investigações.
*Texto ampliado às 15h51 para incluir a posição do consórcio // Colaborou Douglas Corrêa