Ato lembra morte de vendedor ambulante em estação do metrô em São Paulo
Centenas de pessoas, entre elas diversos moradores de rua, fizeram hoje (30) um ato para homenagear o vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas, 54 anos, que morreu na noite de Natal (25), dentro da Estação Pedro II do metrô, no centro de Sâo Paulo, após ser espancado por defender dois moradores de rua. O ato ocorreu na mesma estação onde Ruas foi assassinado.
Para homenageá-lo, as pessoas levaram faixas e flores e as colocaram no local onde Ruas costumava ficar com sua barraquinha para vender refrigerantes e salgados, ao lado da passarela. Também como forma de homenagem, os manifestantes puseram uma faixa onde estava escrito Luiz Carlos Ruas sobre o nome da Estação Pedro II. Eles pretendem encaminhar ao governo de São Paulo um pedido para que o nome da estação seja alterado.
O ato começou dentro da estação, com algumas falas pedindo mais segurança no Metrô – no dia em que Ruas foi morto não havia seguranças no local. Eles também condenaram a violência contra o vendedor ambulante. Enquanto o ato ocorria, a Polícia Militar monitorava o ato do lado de fora, equipada com vários carros.
Por volta das 15h30, um grupo de manifestantes tentou pular as catracas, mas foi impedido pela segurança do Metrô. Houve um princípio de confusão e empurra-empurra e alguns manifestantes tentaram retirar as muretas de contenção. Outros participantes do ato intervieram e pediram calma. Só então a polícia apareceu e fez um cordão de isolamento para impedir que os manifestantes pudessem ultrapassar as catracas e para permitir que os usuários do Metrô passassem pelo local. Os manifestantes também hostilizaram algumas equipes de reportagem de emissoras de TV.
Os agressores do ambulante, Alípio Rogério Belo dos Santos, de 26 anos, e Ricardo Martins do Nascimento, de 21 anos, foram presos no início da semana e admitiram o crime, mas disseram estar arrependidos e terem agido sob influência de álcool.
Emocionada, Maria de Fátima Ruas, 53 anos, irmã do vendedor ambulante, disse querer justiça. “A família não quer briga. A família quer paz. Que a morte do meu irmão sirva de exemplo para não ter mais essa tragédia”, disse ela, que agradeceu aos manifestantes pela homenagem de hoje. “Agradeço a todos eles pela manifestação, pelo amor e carinho pelo meu irmão.”
Crime de intolerância
Representante da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, o padre Júlio Lancellotti disse que Ruas morreu vítima de um crime de intolerância, ao proteger dois moradores de rua – uma travesti e um homossexual – que estavam sendo perseguidos pelos dois agressores. “Não foi atacada nenhuma outra pessoa. Eles [agressores] escolheram claramente o alvo. E escolheram e mataram o Luiz porque ele defendeu essas pessoas”, disse o religioso. “O que queremos mostrar é que há um crime de discriminação, de intolerância e de preconceito. O Luiz Carlos Ruas é o símbolo da forma cruel com que se trata essa população”, ressaltou.
O delegado Rogerio Marques, titular da Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), no entanto, negou que o crime tenha essa motivação. “Não há nada que leve a um crime de intolerância, que eles tenham agredido por serem homossexuais ou moradores de rua. Por enquanto não. Tem um crime bárbaro de agressão, mas não tem nada que fale que seja por intolerância”, disse ontem (29) o delegado.
A travesti e moradora de rua Raíssa Saad, de 29 anos, participou hoje do ato. Ela contou que, na noite do crime, os agressores estavam urinando do lado de fora da estação em um local onde ela vive com outros moradores de rua e eles reclamaram do ato. “Fomos discriminados aqui na Pedro II porque os rapazes não gostaram de terem sido repreendidos e tentaram assassinar eu e o Brasil [outro morador de rua, homossexual, que também foi vítima de agressão], quando o Índio [apelido pelo qual Ruas era conhecido no local] tentou ajudar e eles assassinaram o Índio”, disse Raíssa. Ela ressaltou que, naquela noite, correu para a estação a fim de chamar os seguranças do Metrô para interceder, mas não encontrou ninguém no local. “Ele [o ambulante] só pediu para eles pararem com a agressão”, afirmou a moradora de rua, ao negar que o ambulante tenha dado uma garrafada nos agressores, conforme alega a defesa dos dois.
“O Índio era [como se fosse] meu pai. Era muito conhecido, ajudava a gente”, acrescentou Raíssa que, apesar da perda do amigo, disse perdoar os agressores.
Milton Alves, marido da irmã do ambulante, também esteve presente no ato. “Esses dois jovens não acabaram com a nossa família. Ficou um Natal triste, mas nós ainda teremos dias felizes. Eles acabaram com a vida deles e dos parentes deles e dos amigos, se é que eles tinham.”
Ajuda a moradores de rua
O ex-morador de rua Alexandre Francisco do Carmo, 44 anos, conhecia Ruas há 12 anos. Há cerca de seis meses, ele foi convidado pelo vendedor ambulante para dividir o mesmo teto. “Ele era uma boa pessoa, trabalhador. Chegava às 5h da manhã e acordava a gente para a gente ir pegar um jornal, água ou suco para ele botar para vender. Ele nunca foi uma pessoa má”, disse.
“Eu morava perto de onde ele trabalha. Ele via que eu sabia fazer coisas, como trabalhos de encanador, pedreiro e eletricista, e ele me pedia para fazer trabalhos na casa dele. Aí eu vi que tinha um lugar desocupado e pedi para ficar lá [na casa dele]”, contou Carmo.
Segundo o morador de rua, Ruas também ajudava outras pessoas em dificuldade. “Há muito tempo atrás ele vivia ajudando a gente lá na praça. Não tinha só eu. Tinha outros mendigos que viviam lá na praça. Ele sempre foi uma pessoa boa. Não merecia isso não”, disse Carmo. “Ninguém deve morrer assim. A morte só deve vir quando Deus mandar. Mas ali não foi morte de Deus, mas proposital pela mão de dois homens, dois bárbaros”, acrescentou.
Outro lado
Na terça-feira (27), o Metrô confirmou, por meio de nota à imprensa, que não havia seguranças na estação no momento do crime. Segundo a nota, no momento em que Ruas foi espancado e morto dentro da estação, agentes de segurança faziam rondas nas estações vizinhas e foram acionados pelo Centro de Controle da Segurança. “O deslocamento das equipes levou seis minutos, momento em que a vítima começou a receber os primeiros-socorros. Os criminosos, porém, já haviam fugido”, informou o Metrô.
Procurado pela Agência Brasil, o Metrô ainda não se pronunciou sobre o ato de hoje na estação Pedro II.