Das 130 premiações do Nobel da Paz, 17 foram para mulheres; conheça cada uma
A última personalidade a receber o Nobel da Paz foi o atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. Ele foi premiado no ano passado por seus esforços para acabar com a guerra civil instaurada no país há mais de 50 anos. Foram 130 laureados com a premiação em 97 anos -- entre 1901 e 2016. Entre todos os que puderam receber o reconhecimento por seu trabalho pela paz mundial, 17 são mulheres. Elas ficaram atrás dos 88 homens e das 26 organizações que já receberam o prêmio. Além disso, a maioria das dividiu o prêmio com outros homens ou organizações.
A historiadora e pesquisadora de história das mulheres e estudos de gênero pela Universidade de Brasília (UnB) Ana Vitória Sampaio lembra que o prêmio visa ao reconhecimento e à publicidade internacional de indivíduos que marcaram sua época.
Sobre o número muito inferior de mulheres entre os laureados, Ana Vitória diz não encontrar outra razão que não seja a permanência e a naturalização do sexismo. “A história das mulheres já nos mostrou que elas não estiveram ausentes do mundo da ciência, das artes, da tecnologia, da política e até mesmo das guerras. No caso do humanitarismo, a presença de mulheres foi maior ainda, já que elas se lançaram, sem o menor temor, como voluntárias em guerras, zonas de conflito e países arrasados pela miséria, pela fome e pela doença.”
Ana Vitória lembra que Madre Teresa de Calcutá tornou-se símbolo da luta contra a pobreza na Índia. Algumas são mais desconhecidas, mesmo tendo recebido o Prêmio Nobel, como Rigoberta Menchú Tum, ativista indígena da Guatemala, e Betty Williams e Maired Corrigan, ativistas da paz e dos direitos humanos da Irlanda do Norte. “Muitas outras ficaram esquecidas. Como disse Virginia Woolf: 'por muito tempo na história, 'anônimo' era uma mulher'”, destaca.
Quando se trata de mulheres esquecidas pela organização do Nobel, Ana Vitória destaca o trabalho da médica brasileira Zilda Arns. “Como brasileira, defendo que ela merecia o prêmio. Seu trabalho com a Pastoral da Criança é reconhecido no mundo inteiro e, como médica sanitarista, ela parecia não poupar esforços para se deslocar a outra parte do mundo e colocar a própria vida em risco. Sua morte no terremoto do Haiti foi uma perda mundial.”
De acordo com a historiadora, outra mulher que não recebeu o Nobel da Paz, mas teve uma atuação relevante para a paz mundial, foi a queniana especialista em tecnologia Juliana Rotich. “Ela desenvolveu um conjunto de plataformas com a finalidade de conectar diversos países africanos, difundindo informações sobre guerras e conflitos armados. No século 21, a comunicação é uma arma poderosa, tanto para a segurança das pessoas, quanto para a construção de medidas capazes de prevenir e erradicar a violência”, acrescenta Ana Vitória.
O Prêmio Nobel da Paz foi criado pelo inventor sueco Alfred Nobel, no fim do século 19, e os primeiros laureados receberam o prêmio em 1901, no início do século 20. As categorias originais eram física, química, fisiologia/medicina, literatura e paz. Desde então, o Nobel da Paz já foi concedido 97 vezes a indivíduos e organizações.
Os primeiros ganhadores do prêmio, em 1901, foram o suíço Jean Henry Dunant e o francês Frédéric Passy. Dunant foi o fundador do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Passy fundou a Sociedade Francesa de Arbitragem entre as Nações. De acordo com a historiadora, no caso de Henri Dunant, a Cruz Vermelha é, até os dias atuais, uma organização internacional atuante em zonas de conflito, tendo participado das duas grandes guerras nundiais e outras guerras que marcaram a história.
Conheça as homenageadas com o Nobel da Paz:
1905 – Baronesa Bertha Sophie Felicita von Suttner (nome de solteira: Condessa Kinsky von Chinic und Tettau)
Escritora, pacifista e compositora, Bertha nasceu em Praga, no então império austro-húngaro, hoje conhecido como República Tcheca. Ela recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1905 como escritora e presidente honorária do Gabinete Internacional Permanente para a Paz.
Bertha era amiga de Alfred Nobel, depois de ter virado sua secretária em 1875 por um breve período. A baronesa dedicou a vida à luta pela a paz. Ela escreveu o livro Lay Down Your Arms (Abaixe Suas Armas), que influenciou Albert Nobel a criar um prêmio anual para honrar pessoas que se dedicassem a busca pela paz. Ela foi a primeira mulher a receber o prêmio.
De acordo com artigo publicado na Universidade Federal de Campina Grande, Bertha ajudou a organizar o primeiro Congresso Internacional de Paz, em Viena (1891), e fundou a Sociedade Austríaca dos Amigos da Paz. Foi eleita vice-presidente do Escritório Internacional da Paz, durante o 3º Congresso Mundial da Paz, em Roma, e fundou o jornal Die Waffen nieder! (1892), dedicado à paz. Essa publicação foi substituída pelo jornal Friedenswarte (1899), para o qual continuaria contribuindo até sua morte. Viúva em 1902, continuou a trabalhar pela paz mundial, viajou constantemente por vários paíse. Morreu de câncer durante os preparativos do 23º Congresso Mundial da Pazantes, dois meses antes do começo da 1ª Guerra Mundial. De acordo com seu desejo, foi cremada em Gotha e suas cinzas foram espalhadas ao vento.
1931 – Jane Addams (em conjunto com Nicholas Murray Butler)
A segunda mulher a vencer o Prêmio Nobel da Paz fundou o Women’s International League for Peace and Freedom (Liga Internacional das Mulheres para a Paz e a Liberdade) em 1931. Jane Adams foi assistente social, filósofa, feminista, pacifista e reformadora estadunidense. De acordo com o site oficial do Nobel da Paz, ela lutou muitos anos pela pacificação e pelo desarmamento das grandes potências mundiais.
Nos Estados Unidos (EUA), Jane Addams trabalhou para ajudar os pobres e acabar com o trabalho infantil. Em Chicago, administrou um centro que acolhia refugiados.
Durante a 1ª Guerra Mundial, Jane tentou convencer o então presidente dos EUA, Woodrow Wilson, a mediar a paz entre os países, mas os americanos entraram na guerra. Por lutar contra isso, foi considerada perigosa para a segurança do país. A atuação de Jane Addams foi crucial para o acordo de paz assinado pela Alemanha em 1919. Ao fim de sua vida foi honrada pelo governo norte-americano por seus esforços pela paz.
1946 – Emily Greene Balch (em conjunto com John Raleigh Mott)
A terceira vencedora do Nobel da Paz foi Emily Greene Balch, que recebeu o prêmio 15 anos depois também por ter lutado pelo desarmamento e pela paz. Os EUA, no entanto, apesar do prêmio, continuaram tachando Emily de radical.
Formada em sociologia, Emily Balch estudou as condições de vida de trabalhadores, imigrantes, minorias e mulheres. Durante a 1ª Guerra Mundial, trabalhou com a vencedora do Nobel de 1931, Jane Addams, para persuadir líderes de nações neutras a intervir pela paz. Quando os norte-americanos entraram na guerra, foi declarada dissidente junto com Jane.
Em 1935, Emily Greene Balch se tornou líder da organização Women’s International League for Peace and Freedom (Liga Internacional das Mulheres para a Paz e a Liberdade). Lutou ainda contra o fascismo e criticou nações que não enfrentaram as políticas agressivas de Hitler e Mussolini.
1976 – Betty Williams e Mairead Corrigan
Em 1976, Betty Williams presenciou o assassinato de três crianças inocentes em Belfast. Após a tragédia, ela decidiu protestar contra o uso de violência entre católicos e protestantes na Irlanda.
Ela se juntou à tia das crianças mortas, Mairead Corrigan. Juntas, fundaram o Community of Peace People (Comunidade de Pessoas da Paz).
Mesmo com o fim do movimento pela paz no Norte da Irlanda, Mairead Corrigan continuou trabalhando pela paz.
1979- Madre Teresa de Calcutá
A religiosa, cujo nome verdadeiro é Agnes Gonxha Bojaxhiu, nasceu em uma comunidade albanesa no Sul da antiga Iugoslávia. Ordenou-se freira na Índia, onde recebeu o nome de Teresa. Em 1946, decidiu abandonar o convento e viver para os pobres. Sua atuação como missionária em Calcutá, na Índia, lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz em 1979.
Madre Teresa de Calcutá morreu em setembro de 1997 – seis anos antes de ser beatificada pelo papa João Paulo II. Conhecida em vida como "a santa das sarjetas", Madre Teresa foi transformada em santa pela Igreja Católica no ano passado, 19 anos após sua morte, quando o papa Francisco a declarou santa.
Ela criou a ordem das Missionárias da Caridade, uma congregação religiosa católica concebida com o objetivo de viver a caridade no dia a dia, assistir e auxiliar os pobres e desvalidos. A pequena congregação acabou se transformando em uma rede que hoje conta com mais de 4 mil religiosas trabalhando em cerca de 700 casas, dedicadas a ajudar os desfavorecidos em mais de 130 países.
1982 – Alva Myrdal (em conjunto com Alfonso García Robles)
A sueca Alva Myrdall ganhou o prêmio pelo trabalho em prol do desarmamento e do controle de armas. Representou seu país em várias instituições, como a a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e foi embaixadora da Suécia na Índia. Em 1962, entrou no Parlamento da Suécia e foi enviada como delegada à Conferência sobre Desarmamento em Genebra, função que desempenhou até 1973.
Recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1982, juntamente com o diplomata mexicano Alfonso García Robles, pela defesa do desarmamento nuclear. Era casada com Gunnar Myrdall, também Prêmio Nobel, mas de Economia em 1974, com quem desenvolveu trabalhos relacionados com a segurança social. Escreveu obras pacifistas, como Dynamics of European Nuclear Disarmament (1965) e The Game of Disarmament (1965).
1991 – Aung San Suu Kyi
Filha de Aung San, o herói nacional da independência da Birmânia (Mianmar), ex-colônia britânica, que foi assassinado pouco antes da independência do país, Aung San Suu Kyi é uma política de oposição, vencedora do Nobel da Paz em 1991, criadora e secretária-geral da Liga Nacional pela Democracia (LND) na Birmânia. Foi premiada “pela luta pacífica por democracia e direitos humanos”. Inspirada por Mahatma Gandhi, ela se opôs ao uso de violência e pediu que o governo militar entregasse o poder a um civil em seu país.
Durante a eleição geral de 1990, foi detida e colocada em prisão domiciliar, condição em que viveu por quase 15 dos 21 anos que decorreram desde o seu regresso à Birmânia, em 20 de julho de 1989, até sua libertação, depois de forte pressão internacional, em 13 de novembro de 2010.
1992 – Rigoberta Menchú Tum
Nascida na Guatemala, com origem indígena, Rigoberta Menchú Tum recebeu o Nobel da Paz em 1992, “em reconhecimento pelo trabalho por justiça social e reconciliação étnico-cultural, baseada no respeito pelos direitos das pessoas indígenas”. Ela foi criada em um país marcado pela violência, e alguns membros de sua família foram mortos pelo Exército.
Rigoberta foi ainda embaixadora da Boa Vontade da Unesco e vencedora do Prêmio Príncipe de Astúrias de Cooperação Internacional. Sua premiação coincidiu com o quinto centenário da chegada de Cristóvão Colombo à América e com a declaração de 1993 como Ano Internacional dos Povos Indígenas.
1997 – Jody Williams (em conjunto com a ICBL – International Campaign to Ban Landmines)
A americana Jody Williams recebeu o Nobel da Paz em 1997, prêmio que dividiu com a Campanha Internacional para a Eliminação de Minas (ICBL), pelo trabalho em defesa da proibição do uso de minas antipessoais e sua remoção. Quando ainda era estudante, nos anos 1980, envolveu-se com trabalho humanitário com vítimas da guerra em El Salvador.
A partir de 1991, dedicou-se à luta contra minas terrestres, que representavam perigo constante para os civis.
2003 – Shirin Ebadi
Shirin Ebadi foi a primeira mulher a se tornar juíza no Irã. Após a revolução de Khomeini em 1979, ela foi demitida e abriu um escritório de advocacia para defender pessoas que estavam sendo perseguidas pelas autoridades. No ano 2000, foi presa por ter criticado a hierocracia do país.
Shirin Ebadi assumiu a luta pelos direitos humanos fundamentais e, especialmente, pelos direitos das mulheres e das crianças. Ela participou da criação de organizações que colocaram essas questões na agenda e escreveu livros propondo emendas às leis de sucessão e divórcio do Irã. Também queria retirar o poder político do clero e defender a separação entre religião e Estado.
Na escolha de Ebadi, o Comitê do Nobel manifestou o desejo de reduzir as tensões entre os mundos islâmico e ocidental após o ataque terrorista aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Ao mesmo tempo, o comitê desejou estender uma mão ao movimento de reforma iraniano.
2004 – Wangari Muta Maathai
A queniana Wangari Muta Maathai foi professora e ativista política do meio ambiente. Primeira africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, ela venceu “pela contribuição ao desenvolvimento sustentável, à democracia e à paz”.
Maathai fundou o Green Belt Movement, uma organização não governamental ambiental voltada à plantação de árvores, conservação ambiental, e direitos das mulheres. Wangari Maathai foi eleita membro do Parlamento queniano e era ministra dos Recursos Ambientais e Naturais no governo do presidente Mwai Ação contra Temer e DilmaKibaki, de 2003 a 2005. Além disso, era conselheira honorária do World Future Council. Em 2011, Maathai morreu de câncer de ovário.
2011 – Ellen Johnson-Sirleaf, Leymah Gbowee e Tawakel Karman
O prêmio foi para a presidente da Libéria, Ellen Johnson-Sirleaf, Leymah Gbowee, ativista pelos direitos das mulheres africanas, e a opositora iemenita Tawakel Karman. Após a decisão, o primeiro-ministro da Noruega declarou: “Este prêmio é uma homenagem a todas as mulheres do mundo e seu papel nos processos de paz e reconciliação”.
Economista formada em Harvard, Ellen Johnson-Sirleaf foi a primeira mulher democraticamente eleita presidente da Libéria. Ela trabalhou para promover a paz, a reconciliação e o desenvolvimento econômico e social em seu país.
Leymah Gbowee trabalhou em prol de pessoas traumatizadas pela guerra civil, especialmente crianças que eram recrutadas como soldados. Ela liderou um movimento de mulheres pela paz que ajudou a acabar com a guerra civil na Libéria.
No Iêmen, a jornalista Tawakel Karman liderou um grupo, por ela fundado, chamado Mulheres Jornalistas Sem Correntes. Lutou pela democracia e direitos humanos. Foi presa e teve sua vida ameaçada diversas vezes no país.
Elas foram premiadas “pela luta não violenta para a segurança das mulheres e o direito de participarem integralmente de trabalhos pela paz.
2014 – Malala Yousafzai (com Kailash Satyarthi)
A paquistanesa Malala Yousafzai dividiu o Nobel em 2014 com o ativista indiano Kailash Satyarthi. Os dois foram premiados “pela luta contra a opressão de crianças e jovens e pelo direito de todas as crianças à educação”. Com 17 anos, Malala Yousafzai tornou-se a pessoa mais jovem a receber o prêmio.
A jovem tornou-se conhecida após ser baleada na cabeça por talibãs ao sair da escola. O ataque ocorreu no dia 9 de outubro de em 2012. Malala estava em um ônibus escolar. Seu crime foi se destacar entre as mulheres e lutar pela educação das meninas e adolescentes no Paquistão. O país é dominado pelos talibãs, que são contra a educação das mulheres.
Em 2008, o líder talibã local determinou que todas as escolas interrompessem as aulas dadas às meninas por um mês. Na época, Malala tinha 11 anos. Seu pai, que era dono da escola onde ela estudava e sempre incentivou sua educação, pediu ajuda aos militares locais para continuar dando aulas às meninas, mas a situação no país era de muita tensão.
Ao discursar na cerimônia de entrega do prêmio, Malala prometeu lutar até que a última criança seja escolarizada. “Vou continuar essa luta até que eu veja todas as crianças na escola.”
2015 – Wided Bouchamaoui (Membro do Quarteto do Diálogo Nacional da Tunísia)
Wided Bouchamaoui foi a primeira mulher presidente da Tunisian Confederation of Industry, Trade and Handicrafts (Utica). Em 2013, Wided Bouchamaoui, acompanhada dos chefes de mais três organizações da sociedade civil, formou o Quarteto do Diálogo Nacional da Tunísia. A esperança do grupo era combater as crescentes tensões no país.
Pelo trabalho desenvolvido, o júri do Nobel concedeu o prêmio às quatro organizações da sociedade civil que patrocinaram uma solução negociada para a aguda crise política que a Tunísia vivia em 2013 e ameaçava acabar com o processo de transição, iniciado após a primavera árabe em 2011.