Operação policial dispersa usuários da Cracolândia pelo centro de São Paulo
Usuários de drogas que se concentravam na Cracolândia, em São Paulo, estão agora dispersos pelo centro da cidade, depois da operação conduzida pela Polícia Civil, no domingo (21), na região da Luz. Hoje (22), os grupos de usuários perambulavam por diversos pontos da região. A menos de 500 metros do ponto alvo da operação havia duas concentrações de pessoas fumando crack, em frente ao Memorial da Resistência e no canteiro central da Avenida Rio Branco.
As barracas improvisadas, que ocupavam parte da Alameda Dino Bueno, e as calçadas de quatro quarteirões foram destruídas. O coordenador de redes da organização não governamental É de Lei, Leôncio Nascimento, disse que a Polícia Militar tem agido com truculência contra os usuários. “Eu já consegui observar hoje três operações policiais nas imediações. Grupos de 30 a 40 usuários sendo varridos por um cordão de policiais com violência, sem uma abordagem específica”, disse.
Prisões e revitalização
Na ação de ontem, que começou nas primeiras horas da manhã e estendeu por todo o dia, foram presas ao todo 38 pessoas, algumas em outros pontos do estado de São Paulo. Foram demolidos imóveis que, de acordo com a prefeitura e o governo estadual, eram usados para tráfico, armazenagem e até refino de drogas. Alguns estabelecimentos permaneceram, mas foram lacrados. Há um plano de revitalização da área que inclui uma parceria público-privada para construção de um empreendimento com 1,2 mil apartamentos.
Segundo o governador Geraldo Alckmin, até o final da manhã de hoje, 530 pessoas tinham passado pela rede de acolhimento, sendo que 30 foram internadas. “Demos o primeiro passo. Precisamos manter aqui o atendimento social e de saúde: as tendas, os assistentes sociais. Temos muitos ex-drogados que sabem fazer a abordagem. E, de outro lado, manter o aparato policial para não ter tráfico de drogas”, disse o governador, que classificou a operação como bem-sucedida.
“Tivemos a prisão de grandes traficantes, não só aqui. Não teve incidente grave. A presença do estado e a prefeitura é importante”, acrescentou Alckmin ao comentar os resultados da ação.
Para o coordenador Leôncio Nascimento, a ação foi “ totalmente paliativa" "Não constrói uma relação de vínculo, nem um processo que a pessoa possa se organizar”, disse, infatizando que o trabalho de recuperação é um projeto de longo prazo.
Para o antropólogo e pesquisador no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Maurício Fiore a operação apenas retirou os usuários para permitir a valorização do bairro, em um processo conhecido como "gentrificação", que tende a expulsar também as pessoas com renda mais baixa. “Mais uma operação puramente policial, basicamente para mostrar serviço publicamente”, afirmou.
Truculência e incerteza
Apesar dos resultados anunciados pelo governo, o antropólogo acredita que a ação teve pouco impacto no combate ao tráfico de drogas. “Se ela não for de inteligência, para pegar o fornecedor, você vai ficar só enxugando gelo". Ele afimou ainda que "operação policial dessa forma, sem planejamento articulado, é por um outro objetivo, não desmontar as redes do tráfico de drogas”, disse.
Alguns usuários reclamaram da truculência da polícia e da perda de documentos e objetos pessoais, levados em caminhões como lixo. “O que eu não entendi foi que ele não me deixou recolher meu RG, CPF e o documento da minha filha. Daí, eu estou sem documento”, disse Flávia, de 41 anos, que foi abordada em um hotel na área.
Beneficiária do extinto programa De Braços Abertos (DBA), ela disse que não sabe o que vai acontecer. “A gente não sabe se vai acabar Cracolândia, se vai acabar o projeto”, afirmou, sobre a iniciativa municipal de substituição do antigo programa por outro, intitulado Redenção, que pretende exigir abstinência dos participantes.
“O De Bracos Abertos estava caminhando em um bom sentido. Tinha que melhorar muita coisa, mas os passos estavam sendo dados para ajudar as pessoas. Essa nova política não tem nada a ver com ajudar as pessoas. Aquelas que não quiserem ser internadas e não puderem ser presas, vão ser expulsas daqui”, destacou o pesquisador Maurício Fiore.